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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 19 de setembro de 2024
 

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Mensagem: (Do livro ´Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos´ - Parte 17)

“POR CIMA DOS TELHADOS,
POR BAIXO DOS ARVOREDOS”

Menino de 9 anos,
veja só que idade eu tinha,
descendo ladeira abaixo
comendo minhas goiabinhas,
cada folha que caía
pensava que a onça evinha.
(Do folclore mineiro)

Sou personagem do êxodo rural. Naqueles primeiros dias após a chegada, dominava-me a saudade, enorme e persistente, de minha terra, de minha gente. Sem a menor possibilidade de retorno próximo. Talvez por ser o mais jovem, fui o mais atingido ao ser afastado do lar paterno. No desespero, fiz promessa para voar e voltar, voando, para casa. Escolhi o local da partida. Seria na Várzea, hoje Praça de Esportes, na esquina de lote vago, sobre a armação de madeira de um muro velho, na esquina da rua Padre Teixeira com a Várzea. Onde hoje se encontra o Posto Candango.
O local, àquele tempo, era pouco freqüentado, como me convinha, e o muro era de baldrames. Sob a ação do tempo os adobes haviam caído e se amontoado em meio ao capinzal que ali viçava. E restou a armação, de aroeira lavrada, toda entrançada de ramos de melão de São Caetano e bucha de lavar vasilhas (lufa cylindrica, LIN).
Ficava não longe da residência do meu tio Pedro Mendonça, onde se hospedara o Lauro, o irmão mais velho. Eu havia visto o lugar e o achara apropriado.
Antes de subir na armação de baldrame, afastei-me um pouco e entrei numa moita de fedegosão, onde tirei a roupa, virei-a pelo avesso e voltei a vesti-la. Sobre a viga mais alta do baldrame, caminhei até o ângulo mais afastado, o final da rua Padre Teixeira, que fazia esquina com a Várzea, (hoje Avenida Armênio Veloso). Ao alcançar esse ponto, virei-me para o nascente, benzi-me, fazendo o nome do padre, e pronunciei bem claramente, com a vista levantada, fitando o horizonte: “por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos”.
Eram as palavras de um menino que voava, como nos ensinara a Sia. Clara, velha contadora de histórias do povoado de onde eu viera.
Falei: “por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos”. E saltei para a frente, movendo os braços como asas. Do alto da sabedoria de meus quase 9 anos, estava certo de que iria voar e regressar a Várzea da Palma. Na força que vinha da fé e da promessa. E da saudade que minava o meu ser.
Caí de barriga, no chão coberto pelo capinzal.
Levantei-me meio choroso. E iniciei o caminho de volta à casa de meus tios. De cabeça baixa. Eu era só tristeza e frustração.

INFÂNCIA EM MONTES CLAROS
(julho de 1926 a novembro de 1927)

Desterrado (era como me sentia) aos 9 anos incompletos, após uma despedida de muito choro e reclamações em altos brados, de que não queria sair de minha terra. Meus primeiros tempos em Montes Claros foram de banzo, a consumir-me em intensa e constante saudade. Saudades de minha mãe e do meu pai, de meus irmãos mais novos, que ficaram lá. Estava sempre a perguntar-me: o que será que eles estão fazendo agora, lá em casa? E a saudade persistia: da casa, do amplo quintal cheio de caixotes, barris, bichos de criação; dos galos que criava, do carneiro que ganhara pouco antes da viagem, dos banhos no Córrego Resgate e da ducha do Boeirão. (Até hoje o sabão de côco me traz o cheiro do pequeno sabonete HOTEL, que custava 200 réis, e que eu levava no bolso para o banho na ducha). Saudades das caçadas de codornas, preás e inhambús, com bodoque ou estilingue; das pescarias nos córregos do Resgate, Lameirão, e na Palma Velha, e nas lagoas e no Rio das Velhas. Das peladas com bolas de borracha e até com laranjas verdes. Das caçadas de filhotes de periquitos e papagaios e de moradas (colméias) de abelhas jataí e mandaçaia. Das frutas do mato: pinhas cheirosas, de janeiro, na Palma Velha; jabuticabas e goiabas, côco macaúba, mamacadela, pitomba, jatobá, barú, nas vazantes do Rio das Velhas e Lameirão. De cajuzinho do campo, muricis, araticuns, mutamba, marmelada de cachorro, mandapuçá, de grão de galo, bacupari, pequis no cerrado da Serra do Repartimento. De folhas de pau-terra, capim santo, cordão-de-frade, tiuzinho e outras, para remédio ou chás aromáticos. E das brincadeiras com a meninada. Eram saudades para não acabar mais.
Pouco a pouco o ambiente foi fazendo o seu trabalho de absorção, contribuindo nesse sentido a freqüência à escola. O segundo ano no Grupo Escolar era mais adiantado do que o segundo ano da escola de Várzea. Não faltavam novidades. Logo no primeiro dia de aula (primeiro para mim, mas para os outros alunos já era o início do segundo semestre), chamou-me a atenção um aviso afixado ao quadro negro, onde pude ler: SEMANA DA HYGIENE. Chegando em casa perguntei à minha tia o que era hygiene.

EM MONTES CLAROS

O que me ajudou a suportar a saudade de minha gente e de minha terra foi a escola. E as novidades - luz elétrica, calçamento das ruas, mercado, cinema - e a música nova e variada que encontrei aqui. Os hinos e cânticos do Grupo Escolar e as canções que meus primos e primas e seus amigos e amigas cantavam: modinhas, canções carnavalescas e outras, deixadas por circos e companhias teatrais que por aqui passavam e cantigas do rico folclore regional, inclusive das festas de agosto.
Parece que aquela saudade inflamada foi se diluindo nessas cantigas e se tornou suportável, embora sempre presente. Isso no primeiro período, de um ano e meio. Na segunda permanência fui aprendendo a comparar e a julgar as duas comunidades e a compreender que meu futuro estava em Montes Claros ou mais adiante, pois não me esquecia de que meu pai, volta e meia nos dizia que lugar de futuro para gente nova era São Paulo.
Eu comecei, nos primeiros tempos, comparando os doidos de Várzea com os de Montes Claros. Os daqui eram mais divertidos. Depois passei a comparar nomes e profissões. Comparava o maior comerciante de lá e o maior daqui. E Várzea sempre perdia nessas comparações.
Pouco a pouco minha mentalidade foi-se tornando racional e compreensiva para a vantagem de viver em Montes Claros, para quem queria estudar.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)

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