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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 19 de setembro de 2024
 

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Mensagem: DONA EVA, SUA RUA, SUA CASA

Ruth Tupinambá Graça

Em 1924 eu morava na Rua Dona Eva n° 34 (uma rua pequena, mas muito importante para mim), construída em 1768 por José Lopes de Carvalho, o segundo proprietário da Fazenda dos Montes Claros.
Quem foi Dona Eva? Garanto que a maioria da população desta cidade não sabe. Pertencia a uma das mais antigas e tradicionais famílias de nossa cidade. Era filha de Antônio Teixeira de Carvalho Júnior e Dona Rosa Frutuosa de Lima. Casou-se com Ezequias Guimarães.
Dona Eva Barbosa Teixeira de Carvalho foi uma grande mulher, dinâmica, batalhadora incansável pelo progresso de Montes Claros.
Durante muitos anos foi professora primária, quando Montes Claros era apenas a pobre Vila de Formigas.
Musicista inata, cheia de entusiasmo e grandes ideais, incentivada por doutor Carlos Versiani, o vigário Gonçalves Chaves e o coronel José Rodrigues Prates (aos quais muito devemos) mandou buscar em Diamantina (cidade mais civilizada da nossa região àquela época) o mestre Risério Alves Passos, grande músico, fundando em 1856 a Banda Euterpe Montes-clarenses.
Em 1857, nos festejos da elevação da Vila de Montes Claros das Formigas à categoria de Cidade de Montes Claros, a Banda Euterpe saiu à rua pela primeira vez, bem organizada e brilhante no seu uniforme de gala, dando um show de musicalidade. Desta data em diante tomou parte em todos os acontecimentos sociais e religiosos da nossa cidade, tendo a duração de mais de um século, a tradicional corporação musical.
Depois de aposentada em 1871, dona Eva continuou instruindo moças que lhe eram confiadas, os princípios de Educação Moral, Doméstica e Literatura. Faleceu em 1887 com cinqüenta e oito anos.
Mereceu bem esta homenagem figurando o seu nome na rua onde foi construída a primeira casa de Montes Claros.
Nesta mesma casa, passado mais de um século, tive a felicidade de morar. Pertencia, nesta época, a um amigo do meu pai.
Em frente, nesta mesma rua, ficava o sobrado do doutor Marciano Alves Maurício, construído em abril de 1853, com a fachada para a Praça da Matriz, hoje Doutor Chaves.
Suas filhas, Yeda e Yolanda, eram minhas companheiras de infância.
Este sobradão tinha um quintal que era um verdadeiro paraíso, sombreado por enormes mangueiras e jabuticabeiras, onde armávamos o Nosso Circo rodeado por lençóis de linho, improvisando trapézios com cordas de bacalhau, correntes e arames (Mauricinho que o diga), pois era assíduo freqüentador do nosso circo, pagando dez paus de fósforo para entrar, procurava encabular os artistas, criticando e vaiando-os sem dó.
Aquela rua Dona Eva marcou muito minha infância.
Sua proximidade com a Praça da Matriz permitia-me assistir, de perto, todas as festividades sociais e religiosas que aconteciam naquela praça simples, desprovida de belezas arquitetônicas, de calçamento, apenas no centro um bonito coreto, construído em maio de 1919 (hoje demolido), onde a Banda Euterpe se reunia todas as noites e era também o ponto de reunião da meninada da Rua de Baixo. Enquanto a banda ensaiava os seus dobrados, nós corríamos eufóricos brincando naquele largo enorme.
Muitos anos se passaram...
Eu cresci, me casei e minha vida tomou novos rumos.
Mas o tempo não apagou aquela lembrança e como Filho Pródigo eu voltei. Voltei e encontrei tudo mudado. A rua Dona Eva estava diferente, e a Praça da Matriz já não era a mesma. A casa onde morei não existia mais. Demoliram-na e em seu lugar existe hoje uma moderna mansão.
E eu chorei com saudades de tudo: da minha infância, dos inocentes brinquedos à sombra das mangueiras, do Largo da Matriz, onde corria com os pés afundados na poeira, ao som da música, procurando o Chicotinho Queimado, Veadinho Quer Mel, a Cabra Cega e os Brinquedos de Roda... saudades da Rua Dona Eva e daquela casa...
Tudo me veio à mente como um filme lindo que se viu na infância e do qual nunca se esquece.
A primeira casa de nossa cidade, o início da nossa História, a História de Montes Claros, deveria ser tombada.
Quantos dramas se encerravam naquelas paredes. Ela que resistiu firme por mais de um século, assistindo o crescimento da nossa cidade pedra por pedra! Presenciando com os antepassados, todas as lutas, vitórias e derrotas, alegrias e tristezas, dores e prazeres, em todo o desenrolar da História de nossa terra, seu crescimento, sua transformação, em várias gerações.
Na minha imaginação, eu a vejo como na minha infância: as paredes altas, o assoalho de tábuas largas e rústicas, os grandes portais, das portas e janelas, arredondados na parte superior, numa linha colonial antiga, simples mas muito bonita, retrato da habilidade, daqueles marceneiros, numa época em que não existiam, para nós, ferramentas nem máquinas especializadas para o preparo da madeira retirada ali mesmo sob golpes do machado, e faziam trabalhos especiais.
Tantas venezianas bonitas, delicadas, forros de madeira perfeitos, com desenhos embutidos nos tetos, retratos das famílias, flores e rosáceas, arabescos trabalhados em ferro nas sacadas dos velhos sobrados. Toda beleza de uma época perdida nas demolições inconscientes.
Sinto, hoje, vontade de rever o quarto onde dormia com minhas irmãs mais velhas. Rever novamente o quarto onde dormiam meus pais, que já se foram. Quanta saudade!!!
Quanto amor, quanto carinho aquelas paredes presenciaram!!!
Quanta alegria nos nascimentos e também quantas dores nas mortes de entes queridos!!!
Da janela do meu quarto, eu via o quintal com as mangueiras carregadinhas de frutos!
Em vão, volto sempre àquela rua, procurando uma casa que não mais existe. É uma força que me impele, uma saudade que me acompanhará sempre.
Doce e triste recordação. Dela eu guardo apenas um retrato. Um retrato simples, sem moldura, que consegui na Prefeitura.
Hoje, olhando este retrato, esta fachada com três portas e cinco janelas, foi o que sobrou. Resta-me, agora, a esperança de que a cidade acorde, se levante, grite e proteste contra a demolição dos monumentos do nosso passado (quantos já se foram!) e preserve, ao menos, o que ainda resta de nossas tradições e de nossa História!

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