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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 23 de setembro de 2024
 

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Mensagem: VER PARA CRER

Em São Gonçalo do Rio Preto, no alto Jequitinhonha, tem uma única borracharia e um cego borracheiro. Isto mesmo, um único e cego borracheiro!
Curiosamente os riopretanos consideram a coisa mais natural do mundo ter um borracheiro privado das vistas. Acreditam até que remendar pneus é habilidade exclusiva para quem é cego. Afinal, sempre foi assim!
Sua vida é doação, seu ofício é um sacerdócio a serenidade, um regozijo no servir. Não é de muitos risos, mas expande simpatia e gratidão. Ninguém passa incólume pela experiência do convívio - por mais breve que seja - com o Eli. É inevitável uma chamada a nossa consciência em repúdio aos nossos corriqueiros orgulhos e ambições. Esta introspecção providencial leva-nos a percepção da falta de sentido das nossas correrias, insatisfações e infortúnios e a observância do verdadeiro significado da vida.
Eli é um exemplo de paz neste mundo alucinado, célere e cobiçoso. De origem humilde, nasceu e viveu no vale Jequitinhonha. Até os 12 anos, quando sua visão apagou de vez, enxergou pouco e diminutamente. Hoje, no breu, ilumina-se em admirável luz pessoal. Resplandecente!
Antes, ainda rapaz, dentro de suas limitações, tentou alguns tratamentos, mas desenganou-se. As expectativas eram muitas para nenhum resultado.
Como a medicina evoluiu muito, principalmente a oftalmológica, procurei Fred e contei-lhe a situação. O Mano – oftalmologista – inteirou-se do fato dispondo-se a fazer os exames necessários e operá-lo, se fosse o caso. A mim caberia a preciosa incumbência de trazê-lo de Rio Preto para Montes Claros e, aqui internado, faria exames modernos obtendo um diagnóstico preciso do caso. Feito isso, ele poderia, quem sabe, recuperar alguma, ou toda, visão. Surpreendentemente, Eli, sem desdenho ou revolta, agradeceu-me humildemente, negando se submeter a tais intervenções. Não queria criar expectativas para o desconhecido. Receava desiludir-se novamente. “Sou feliz desse jeito e grato pelo que tenho: profissão, família e ... reconhecimento”, arrematou.
Além de ser o único borracheiro num raio de 30 kms, Eli improvisa, também, como mecânico, arruma correntes, coloca raios em motos e bicicletas e faz outros pequenos consertos. É um verdadeiro encanto vê-lo desmontar um pneu de trator ou de carreta que chegam, algumas vezes, a ter o tamanho dele. Encara a empreitada, singelamente, aos apalpos – tateando o veículo, as rodas e suas ferramentas.
Estar em frente da sua borracharia, num sábado de manhã, assistindo o rito dos seus trabalhos, apreciando aquele monumento de simplicidade exercer dignamente o seu ofício é, antes de um privilégio, um culto ao milagre da vida. Quando, pela primeira vez, vi o Eli trabalhar, mareei os olhos e agradeci a Deus por mim e por ele.
Na calçada, em frente sua borracharia, tem uma linha amarela para demarcar o local que ele pode e precisa andar livremente. Neste perímetro, Eli é o único protagonista, não se pode parar, estacionar, nem colocar pneus furados ou quaisquer outros objetos em seu espaço de movimentação, senão ele pode tropeçar e cair. Os meninos da cidade utilizam seu calibrador para encher os pneus de suas bicicletas e, em respeito, o recolocam no local.
A seqüência dos fazeres de Eli é a execução detalhada de um planejamento minucioso e preciso. Ele retira a roda do carro, do trator ou, seja lá do que for, limpa o pneu com uma vassoura, independente de estar sujo ou não, remove a câmara de ar, enche e a coloca numa descascada banheira esmaltada cheia d’água, para escutar o borbotar das borbolhas. Apalpa pacientemente a superfície à procura do furo - quando o buraco é minúsculo passa a câmara no rosto - pelo tato facial sente o ventinho saindo de algum orifício. Descoberto o furo, marca o local, raspa ao redor do buraco, cola o remendo, coloca na velha máquina de pressão e aí sim, na espera, proseia: “Conheço essa câmara de ar! O concerto anterior ficou bom?” E continua recomendando um manchão e minuciando sobre o diversificado e encantado mundo dos remendos. Findo o tempo de colagem, confere o serviço e volta com a câmara para dentro do pneu e da roda. Se o pneu é grande, a última etapa exige um trabalho árduo, e o Eli faz tudo sem pedir ajuda, na maior resignação e ciência. Todo o trabalho é feito no seu comodozinho, na penumbra, lumiado apenas pela rubra luz da máquina coladora de remendos. Prá que lâmpada para quem enxerga tão bem?
Imagino que Eli não tem concorrentes porque ninguém ousa se posicionar como tal, mas o que nos deixa descalibrados e instigados a simplificar e agradecer a vida é ouvi-lo perguntar: - Quantas libras?

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