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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 23 de novembro de 2024
 

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Mensagem: Tião Boi, a jia e as cócegas Alberto Sena * Quem viveu a época, em Montes Claros, vai se recordar: idos da década de 1960, na sapataria do Tião Boi, na Rua Benedito Valadares. Um cômodo incrustado na parte lateral do prédio onde funcionava o Clube Montes Claros era o ponto de encontro dos jovens na faixa de 15 a 18 anos. Todos afeitos ao futsal – naquele tempo, a grafia era futebol de salão – e também ao futebol de campo gramado dirigido pelo técnico Bonga, o famoso juvenil do Casimiro de Abreu, com um ‘s’ só, que enfrentou o Botafogo, no Rio de Janeiro, no Estádio General Severiano, e depois, em Montes Claros, no campo do Ateneu. Falava-se de tudo ali naquele cubículo, onde a marteladas Tião Boi punha meia sola em sapatos para ganhar o pão de cada dia. Embora na ocasião não tivesse avançado nos estudos, ele era um homem versado em todos os assuntos. Ali, naquele ambiente cheirando a chulé de sapatos usados, falava-se inclusive de política. Volta e meia o aspirante a deputado, Humberto Souto, lá estava para trocar idéias com Tião Boi. Mas muito mais se falava de futebol, pois à época, as mais incríveis histórias de craques como Manoelzinho, Manoelito, Chinezinho, Jomar, Marcelino e o irmão dele, Moe-de-Ferro, entre outros, povoavam o imaginário de cada um dos freqüentadores da sapataria. Tião Boi tinha barriga proeminente, era um tipo sagaz, inteligente e muitas vezes mordaz e irônico. Um gozador, isso o resume. Mas ele tinha um ponto fraco. Aliás, dois. Tinha alergia a toda espécie de animais anuros, principalmente jia. Bastava pronunciar a palavra jia para ele ficar com o corpo empolado em um instante. O outro ponto fraco era a hiper-sensibilidade às cócegas. Não era necessário tocar-lhe os lados para ele se contorcer em cócegas, ao ponto de até passar mal. Bastava gesticular com as mãos a distância. Tião era digno do respeito de todos os moços. E das moças também, as quais ele atendia com toda deferência, pois era gentil e cavalheiro. Ninguém ousava tocar-lhe nos pontos fracos. No máximo, isso era mote de conversas fora da sapataria, longe da presença dele. Como todo brasileiro, havia em Tião Boi talento para técnico, no caso, de futsal, geralmente disputado no Ginásio Darcy Ribeiro, na Praça de Esportes. Ele dirigia o time do Banco do Brasil. Zé Carlos Gomes, Augustão Bala-Doce e Esquerdinha, entre outros craques, faziam a festa na quadra. Certa feita, por uma questão disciplinar, Tião Boi deixou no banco um dos titulares da equipe. O ginásio estava superlotado e já naquela época donzelas, as mais belas, costumavam assistir às partidas. No banco, um dos craques, cujo nome não convém declinar aqui, mordia a camisa de raiva porque fora impedido de mostrar as suas qualidades para a moça que hoje vive no seu coração. Ninguém soube ao certo quem maculou o acordo tácito entre os moços e Tião Boi. Houve quem achasse que não passava de uma retaliação do craque que ficou no banco de reservas. Quando Tião Boi abriu, no dia seguinte logo cedo, a sapataria para mais um dia de labuta, eis que uma jia enorme, daquelas só encontradas nas margens do Rio Vieira, saltou-lhe em cima. Tião Boi entrou em pânico. No mesmo instante o corpo dele ficou empolado, vermelho. O escândalo feito por ele foi tamanho que em seu socorro acorreram várias pessoas achando que algo de muito grave lhe acontecera. Quando perceberam que Tião Boi estava correndo de uma simples jia, as pessoas caíram na gargalhada. Cabisbaixo, olhando os circunstantes de soslaio, olhos de boi a caminho do matadouro, o sapateiro parecia cuspir pregos, tachinhas, facas amoladas e sapatos com cheiro de chulé nos engraçadinhos. Por mais que ele tivesse tentado, nunca conseguira saber quem teve a ousadia e a audácia de colocar a jia dentro da sapataria, em meio a pregos, tachinhas e couros para meia-sola ou sola inteira em sapatos femininos e masculinos. * Jornalista

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