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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 23 de novembro de 2024
 

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Mensagem: A bola de capota Alberto Sena Para aproveitar da elasticidade dos fios de lembranças, espichemo-los até o final da década de 1950 ao início do arquetípico ano de 1960, em Montes Claros. Morávamos na Rua Corrêa Machado em frente ao Campo do time de futebol União Esporte Clube. O campo ocupava quase o quarteirão inteiro. Era contiguo ao Asilo São Vicente de Paulo, na extremidade norte; tinha divisa com a Rua Corrêa Machado ao sul; a leste fazia limite com a Rua Dr. Veloso, e a oeste com a Rua João Pinheiro. O campo tinha resquícios de grama nas laterais, mais para a linha de fundo. No meio resplandecia terra vermelha característica do sertão montes-clarense. No início da desativação do campo, o portão fechado a corrente e cadeado, pairava sobre o lugar aura melancólica agravada pelo silêncio reinante. Não havia mais o grito da torcida, as arquibancadas de madeira estavam entregues às intempéries, o mato crescia para completar o quadro de abandono. Foi quando descobrimos ser possível usufruir daquele espaço, e para isto, bastava puxar com força o portão, abrir uma brecha nele por onde cada um podia passar. Primeiro o dono da bola de borracha. E assim o campo ganhou vida novamente. Com o passar do tempo, alguém de unhas possantes ou com o auxilio de alguma ferramenta, achou por bem abrir um buraco no muro. Misteriosamente, o buraco aumentava de tamanho a cada dia. Numa manhã ensolarada apareceu esburacado o suficiente para uma criança entrar em pé sem abaixar a cabeça. O muro não era mais obstáculo às incursões da meninada. A partir deste dia foi decretado amor eterno, enquanto durasse a alegria no usufruir diário e o dia inteiro do campo como se fora a segunda casa. Naquela ocasião, as férias escolares se resumiam em tomar o café da manhã e ir para o campo. Voltar na hora do almoço e rumar de novo para o campo. No meio da tarde retornar para tomar água e fazer às pressas um lance e voltar para o campo, até o cair da noite. Nessa época percebemos: campo de futebol vicia a gente. Às vezes, em noite de lua cheia e com o adjunto da claridade da luz do poste da Rua Corrêa Machado, convocávamos reunião extraordinária. Tirávamos par ou impa, dividíamos as turmas e bola pra quem tem pernas. Jogávamos futebol numa alegria esfuziante. Um dia o irmão mais velho chegou lá em casa com uma bola de futebol de couro, bola de capota chamada. Os olhos ficaram enormes sobre a bola. O irmão tratou logo de jogar ducha fria no fogo daquele olhar cobiçador: “Nem toque nela; vou guardar para quando eu me aposentar”. A bola de capota ficou no quartinho dos fundos do quintal onde imperavam pés de abacate, pinha, goiaba, fruta do conde, urucum e uma parreira, além de dezenas de latas de plantas ornamentais que dona Elvira gostava de cultivar, como costela-de-adão, comigo-ninguém-pode, begônia, espada-de-são-jorge, brilhantina, samambaia, avenca, orquídea, entre muitas outras. Volta e meia, enquanto dona Elvira remexia vasos e conversava com as plantas, sem que o irmão soubesse, a oportunidade era propícia aos chutinhos com a bola de capota. Só que a bola era grande demais para aqueles pés descalços. Saciada a vontade de dar chutinhos, era ela recolocada no mesmo lugar, dentro do quartinho. Se anos depois a casa não tivesse sido derrubada para a construção de outra, lá no quartinho a bola de capota estaria do mesmo jeitinho em que o irmão a guardou para quando ele se aposentasse. Hoje, mais de meio século depois de tudo isto, vivendo a terceira juventude e de direito aposentado faz já bom tempo, de fato ele ainda trabalha muito, donde se poderá concluir, de duas uma: ou é viciado em trabalho ou trabalha porque o trabalho o diverte. Ou as duas opções juntas. Quanto à bola de capota, dela é capaz de ele nem se lembrar. E se naquela época, nem tempo tinha para jogar uma pelada no Campo do União, agora, a essa altura da juventude terceira, é que ele não vai jogar mesmo. E é uma pena, não porque ele tenha dependurado as chuteiras antes mesmo de tê-las calçado, mas porque a velha bola de capota sumiu. O irmão nunca desconfiou de quantas vezes ela rolou nas terras vermelhas dos campos de futebol da imaginação e dos sonhos. Mas, reservadamente, só aqui entre nós, a bola de capota rolou também muito fora dos campos oníricos.

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