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montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 25 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Plico Diabo, o Cujo, a Besta, Demo, Satanás, Capeta, o Cabrobó, Capiroto, Rincha-Mãe, o Muito-Beiços, o Rasga-em-Baixo, Faca-fria, o Fancho-Bode, o Cão, o Azinhavre, Aquele, Belzebu, o Arrenegado, o Bode-Preto, o Tinhoso, o Sujo, o Que-Diga, o Que-Era, O Que-É. Desde menino, estes eram os personagens que povoavam e marionetavam a cabeça de Plico. Medo igual tinha do inferno, local de ofício dos Belzebus. Seu penso, seus sonhos eram um tumultuado cenário de trevas. Mesmo nos cochilos de dia sobressaltava-se com pesadelos demoníacos. Devaneios. Via-se atirado em abismáticas grotas, profundíssimas, amarrado, peado, surrado, na fila do inexorável caldeirão fumegante. Imaginava-se em putrefatos lamaçais, em desespero, aos gritos, em contínuas sovas, numa agonia de afogado. Tudo sob os efeitos sonoros dos guinchos, rugidos, mugidos e gargalhadas do Coisa-Ruim. Plico via o demo a 3 por 2. Dia sim, outro também. Segundo Patrícia, a terapeuta reichiniana, a causa psicogênica fora o seu parto a fórceps, quando ficara horas entalado, gemido, cagado e esprimido. Daí o seu temor a claridades estalantes e o seu pavor dequalquer coisa que o oprimisse. Afinal, fora árdua e demorada a travessia da escura e protetora toca materna para o barulhento e fosforescente mundo exterior. Talvez daí o motivo de ele repudiar médicos, enfermeiros e hospitais. Desde garoto, a capetada já o atazanava. Nunca esqueceu do frio assobio da régua da sua professora a zunir ao pé de seus ouvidos e o sonoro relincho da Besta: ´Presta atenção, peste!´. Pior era o professor de português, cara e óculos de Jânio Quadros, a explicar ´este, esse, isto, isso...´. Aquele só podia ser pactuante, um pactário do Maligno. E aquele interrogador, inquisidor, travestido de padre, a fuxicar, a xeretar sua vida: Onde foi? Como? Com quem? Sozinho? Acompanhado? Foi bom? Cruz credo!... Vá bisbilhotar assim lá nos quintos do inferno! Mas o pior mesmo era o fiduma daquele prático metido a dentista que, com certeza, era o capeta em figura de gente a judiar dos meninos. Recorda que era arrastado aos prantos para aquela sala de tortura. Naqueles tempos, usava-se uma máquina tosca, a pedal, com brocas que giravam movidas por correias. Utilizavam-se até tiras de couro para prender a garotada nas cadeiras. Plico tinha náuseas ao lembrar daquela sala desbotada, descascada e daquele mastodonte sobre ele debruçado, com os olhos vidrados. A pouca anestesia vinha de um galãozinho que exalava um anestésico metido a besta, com almíscar de éter. A cada aplicação do gás no paciente, o Coisa-Má tomava uma prise maior e ficava de porre com a fala arrastada: ´Paare de isstrebuuuchar, meniiino, ainda tenho unss vinnte para tratarr hooje´. Ao arrancar um dente com o boticão, a baba chegava a escorrer do canto da sua boca. Quando rapazinho, seu pai, percebendo que Plico não gostava de cabresto nem de arreio e muito menos de escola, o colocou como contínuo num banco. Foi o aperto da arruela. Plico se sentiu arrochado, atarraxado. Além da forca da gravata, tinha sapatos a engraxar, uniforme a engomar, cabelo a cortar, camisa para dentro, horários e mais horários, apitos e sirenes, memorandos e regimentos. Era o cu-da-mãe joana. Ave Maria! Quem podia aguentar aquele quartel? De quartel, bastava o inferno que fora o Tiro de Guerra daquele capitão, ou melhor, Capetão-mor, que o torturava desde às 5 da manhã, com marchas, contra-marchas, abdominais, flexões ... um-dois, três-quatro, quatro-três, dois-um... direita-esquerda, esquerda-direita... farda de lona verde, bate-bute acochado, o diabo a quatro, tudo na falsa conta da mãe-pátria. Dali, já havia escapulido, tornara-se desertor convicto. Nunca mais estaria sob a rédea de qualquer regulamento. Nem de inverno Plico gostava, só pela horrível sonoridade do nome. Na fuga dos diversos infernos da sua vida, uns existentes, outros imaginados, Plico foi aprendendo a evadir-se das dificuldades e ofícios. Era-lhe impossível estudar sob a tutela daquela legião de satanases e um tormento maior trabalhar com todos aqueles patrões e chefes impertinentes, pontuais e caretas. Urgh! Raios que os partam! Plico passou a ter medo de ter a coragem de achar que o Demo não existia. E se ele realmente tomasse conta de tudo? Ou já tinha tomado? Sonhava que fosse decretado, em lei, no papel, sacramentado e vaticanizado: ´Que não tem Diabo nenhum. Não existe o Demo. Ponto final´. Pronto, acabou! Xispa, seu Satanão! Em desespero, no breu, já havia até desafiado o Das Trevas: chamara por ele, esperou por ele, berrou: ´Vem Bode Velho, seu Urucubaca de Trem Ruim. Seu Temba, Seu Drão, Diabim de meia tigela. Seu fidumaégua! Coorno!´ Esperou, espreitou mais um pouco, suntou, e nada. Gritou de novo: ´Cadê ôce, seu covarde, Cachorro Lazarento, Tendeiro, Morcegão, seu Encardido? Mas o bicho não apareceu. Passada a bravura, a estabanagem, amofinou e rezou o Credo, se borrando de medo. Para esquecer tantos demônios, frouxar, relaxar a vida, só mesmo caindo nos gorós. Quando enchia a lata, o povoado mundo dos capetas desaparecia. Tudo ficava mais gozado, mais desapertado, mais relaxado, sem regras. Duro era parar de beber. De saideira em saideira passava a noite e muitas vezes o dia num porre só. Terminava sempre escornado na sarjeta, na velha e agoniosa ressaca. Filme queimado, de cabo a rabo, Plico foi à fazenda de um amigo dar uma descansada, uma repensada na vida, fugir daquele inferno que era a cidade grande. Na roça, tudo ia bem, ninguém enchia o saco e o gole estava controlado. Até que, numa noite de lua, entornou uma cachaça fenomenal. Bebeu a noite toda, pegou um pau federal. Xingou o Dê, o Debo, o Demo e o Demônio. No clarear, truviscado, saiu tropeçando, oitopernando, catando apoio, urinado nas calças, com soluços e vômitos. Claudicante, seguiu uma cerca, segurando nos arames, se apoiando nos postes, se arranhando, se rasgando, balangandano, continuando. Foi pareado à cerca até encontrar uma outra, lá no meio da manga, onde tinha um tanque para dar de beber a uma vacada erada, escura, chifruda, guzerá. Parou, aprumou-se na muretinha baixa do bebedouro de cimento, tentou beber a água que saía de uma boiazinha no canto, mas não dava conta, pois tinha que se curvar demais. Decidiu, então, entrar no bebedouro, porque assim, de joelhos dentro dàgua, dava para beber no esguichinho da bóia. Só que, no pau que estava, Plico decidiu deitar no bebedouro, de barriga para cima, com a cabeça escorada na paredinha e refrescar - precisava melhorar do porrete. Era cedo, a água estava friinha, serenada, boa demais! As horas foram passando, o dia esquentando, o meio-dia chegando, a água do bebedouro foi mornando, quase fervendo, e Plico começou a sonhar que estava no meio de uma caldeirada luciférica. Delirava, sacudia-se, remexia-se naquela panelada fumegante, mas não acordava. Era mais um pesadelo bruto, daqueles. De tanto espernear acabou despertando e se viu cercado por um mundaréu de beiços, ventas e chifres, todos imensos, pretos, embocados no caldeirão efervescente. Pronto, foi o suficiente, surtou mesmo, e de joelhos e dedos em cruz danou a gritar; ´Xô Satanás, sai Belzebu, afaste-se Lúcifer, arreda Trem Ruim, some Chifrudo! Saltou do tanque, disparou no meio das vacas e desapareceu mato a dentro. Tiveram que juntar uns vaqueiros para campear o pobre do Plico e, ao encontrá-lo, perceberam que o delírio não tinha abrandado. A solução foi levá-lo à cidade, procurar um médico amigo e interná-lo no hospital, para uma sonífera e apaziguada desintoxicação. Como o paciente ainda estava agitado, o Dr. Ruy prescreveu um sedativo leve, um soro glicosado e recomendou-lhe repouso. Plico ficou, então, incomunicável num apartamento do hospital, deitado, ligado a aparelhos, com mangueiras e sondas, que em seus pesadelos e delírios eram as peias do Demo. Abandonado ali, sozinho, com uma ressaca transatlântica, sentiu-se nas trevas. Aquele mal estar, aquelas cordas apertando, a boca seca, o calor supitando, a vontade louca de fumar, o desesperaram e o fizeram levantar da cama na tentativa de fugir do inferno. Mas foi detido pela mangueira do soro ligada a seu braço e pela porta trancada do quarto. Tonto, zepêra, meio grogue, deparou com o quadro de aviso afixado na porta. Ao ler o escrito deu um grito de pavor e disparou: - Puta quiu pariu, eu tô é fudido mesmo! Tô no ´inferno´ e aqui ainda tem regulamento! Era o “Regulamento Interno´ do hospital.

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