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montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 24 de abril de 2024

Segunda sentença: "Defiro o pedido de liminar, para suspender de imediato os efeitos do Decreto Municipal n° 4.325, de 19 de novembro de 2021 com relação à IMPETRANTE, extensivo às demais companhias aéreas que operam no Aeroporto de Montes Claros/MG, de modo..."

Sexta 10/12/21 - 11h14

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Justiça de Primeira Instância

Comarca de MONTES CLAROS / 2a Vara Empresarial e de Fazenda Pública da Comarca de Montes Claros
PROCESSO No: 5021326-21.2021.8.13.0433
CLASSE: [CÍVEL] MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) ASSUNTO: [Concessão / Permissão / Autorização, COVID-19] IMPETRANTE: AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. IMPETRADO(A): Prefeito de Montes Claros e outros
DECISÃO
AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S/A (“AZUL” OU “IMPETRANTE”)
ajuizou a presente mandado de segurança, com pedido de Liminar, contra o Prefeito Municipal de Montes Claros/MG, Humberto Guimarães Souto e seu procurador geral, Otávio Batista Rocha Machado, contra quem alegam ter praticado ato ilegal e abusivo, capaz de restringir-lhes o livre funcionamento das atividades empresariais, ao editar o Decreto Municipal no 4.325/2021, no qual consta a exigência de proibição, a vigorar a partir de 10/12/2021, de embarque e desembarque no aeroporto local, salvo para aqueles que apresentarem “esquema vacinal completo” ou “teste negativo PT-PCR coletado com antecedência máxima de 72 (setenta e duas) horas”.
Discorrem acerca da essencialidade do serviço público de transporte de passageiros e a incompetência legislativa municipal a respeito desse tema.
DECIDO.
Para a concessão da liminar em Mandado de Segurança devem concorrer: a relevância do fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso deferida a segurança final – art. 7o, III da Lei 12.106/2009.
No caso dos autos, verifica-se que, o Decreto Municipal impugnado no 4.325/2021 estabeleceu as seguintes obrigações à impetrante, a partir do dia 10/12/2021:
Art. 7o - A partir do dia 10 de dezembro do corrente ano, o embarque e desembarque na Rodoviária Municipal e no Aeroporto Municipal somente
Número do documento: 21120918150510700007401185469 https://pje.tjmg.jus.br:443/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21120918150510700007401185469 Assinado eletronicamente por: MARCOS ANTONIO FERREIRA - 09/12/2021 18:15:05
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poderá ocorrer para aqueles que possuam o esquema vacinal completo, a ser comprovado mediante apresentação do cartão de vacinação ou aplicativo digital oficial, acompanhado de documento de identidade com foto. Parágrafo único. Na ausência de vacinação, poderá ser apresentado teste negativo de RT-PCR, com antecedência máxima de 72 horas.
Não se discute no caso dos autos os efeitos da vacinação sobre o vírus da COVID/19 – com a simples redução de adjetivação de negacionista (para quem não defende a imunização) e o contrário (para quem defende esse ou outros métodos de combate à doença), mas a conformação do ato jurídico impugnado com o ordenamento pátrio.
De início, pontuo que, ao que me parece, os operadores do Direito, de cima a baixo, talvez pelo ineditismo de uma situação de epidemia de alcance global, com inúmeras baixas de concidadãos, se divorciaram quase que por completo do ordenamento jurídico na aplicação das mais diversas e espetaculosas medidas, administrativas e jurisdicionais, sempre com o objetivo nobre de “salvar vidas”, como se isso fosse possível ao sabor da pena, ainda que ignorando a garantia do próprio Estado Democrático de Direito, que é fundamento da República.
Buscou-se combater o vírus, que em muitíssimos casos é letal, ainda que a custo de morte do que ainda nos resta de democracia e de Estado Democrático de Direito, muitas vezes sob a falsa premissa de que direitos coletivos seriam mais importantes que aqueles afetos à individualidade dos brasileiros, como se a coletividade não fosse nada senão a coletânea de direitos individuais agregados.
O próprio STF, ao julgar a ADPF 672, relatoria do Min. Alexandre de Moraes, julgada em 13/10/2020, simplesmente esclareceu o que já consta no Texto Constitucional, e não poderia ser diferente, porque nem o STF têm competência constitucional originária ou derivada, mas a única função de velar pelo Texto Constitucional, explicitando que a Constituição atribuiu competência concorrente entre UNIÃO e ESTADOS/DISTRITO FEDERAL para LEGISLAR sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, da CF), permitindo aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, desde que haja interesse local (art. 30, II, da CF); e prescrevendo ainda a descentralização político-administrativa do Sistema de Saúde (art. 198, CF, e art. 7o da Lei 8.080/1990), com a consequente descentralização da execução de serviços, inclusive no que diz respeito às atividades de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 6o, I, da Lei 8.080/1990).
Nem o Supremo Tribunal, nem o ordenamento jurídico brasileiro permitem ao Município legislar originariamente sobre o tema, mas em caráter suplementar, desde que justificados por algum interesse local específico.
E as medidas restritivas foram previstas na Lei Federal no 13.979/2020 (desnecessariamente transcritas na Lei Local no 5.252 de 19/03/2020), sendo certo que não houve na lei municipal NENHUMA suplementação ou necessidade local que justificasse a suplementação da Lei Federal que regulamenta a matéria, a qual é taxativa ao determinar no parágrafo 1o do artigo 3o, que as medidas restritivas nela descritos SOMENTE podem ser determinadas “com base em evidências científicas e
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em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública”.
No caso específico da Cidade de Montes Claros, o Decreto impugnado NÃO traz em suas considerações, fundamentos ou razão de existir, a base ou a evidência científica em que são embasados, conforme determina a Lei Federal que regulamenta a matéria, o que, por si só, os tornariam sem qualquer validade jurídica.
Não bastasse isso, oferecem apenas duas alternativas ao cidadão: submissão ao esquema vacinal oferecido ou apresentação de teste negativo de RT-PCR, neste último caso, não indica o equipamento público onde poderão ser realizados ditos exames.
Os Decretos municipais são ainda omissos em pelo menos duas outras situações: a primeira referente aos cidadãos que não podem ser inoculados com a vacina por restrição médica e daqueles que já foram contaminados, curados e tem em seus corpos os anticorpos neutralizantes contra a COVID/19, e que podem ser comprovados através de exames laboratoriais específicos, e que, em última análise deveriam servir para a comprovação inclusive da própria eficácia da vacina, que é a produção de imunização, detectável através da produção de anticorpos neutralizantes no organismo dos vacinados.
As restrições impostas nos três Decretos Municipais, sem embargo de terem em si a intenção de forçar a imunização coletiva pela vacinação em massa da população local – quando retiram do cidadão outras formas de comprovação do mesmo resultado, ou não lhe fornece o equipamento público para a realização dos exames que exige, acabam por tornar a vacinação obrigatória, através da utilização de medidas desproporcionais de força, fato não encontra resguardo na Constituição Federal.
Imaginar o contrário é fazer uso de lindo jogo de palavras, para justificar o injustificável: não se poderia obrigar a vacinação, mas se poderia torná-la compulsória, através da restrição de direitos fundamentais àqueles que não o querem ou não o podem, como se obrigatoriedade e compulsoriedade não tivessem a mesma sinonímia jurídica e o mesmo fim e cabo: “Compulsório: (adj) que tem o efeito de compelir, obrigatório, (jur) em que há compulsória ou realizado por compulsória”.
Em um caso, não se poderia usar de violência física e subjugar o cidadão a se vacinar, mas se admitiria sua violação compulsiva, exercida contra seu psicológico ou sua vontade íntima e contra sua liberdade. Tanto a vis absoluta quanto a vis compulsiva são rejeitadas e não admitidas pelo Direito.
Há de ser considerado ainda, que os Decretos Municipais extrapolam sua própria competência legislativa: PRIMEIRO porque ao se referirem a embarque e desembarque de passageiros nos terminais aeroportuário e rodoviário, entrada e permanência em agências bancárias e agentes do sistema financeiro nacional, desatenderam o disposto no artigo 22 da Constituição Federal, que atribui competência privativa da União Federal legislar sobre o sistema monetário, diretrizes da política nacional de transportes; regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial; trânsito e transporte e organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões.
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SEGUNDO porque a questões postas no processo NÃO SE REFEREM à COMPULSORIEDADE ou OBRIGATORIEDADE de vacina ou outro lindo termo semântico que queiram usar em substituição, MAS APENAS e tão somente à NÃO CONFORMAÇÃO dos Decretos com o ordenamento jurídico, suas omissões e evidentes ilegalidades.
ILEGALIDADE por obvia e evidente incompetência legislativa – Friso, o STF não deu e nem poderia ter dado ao Município ou ao Estado uma competência não prevista na Constituição, daí a norma local, que deveria ter apenas e tão somente caráter suplementar – na parte que lhe cabia, ultrapassou essa competência legislativa, implantando direito originariamente não previsto.
ILEGALIDADE porque invadiu competência legislativa que a Constituição Federal atribuiu à União Federal (e não ao Município), na matéria referente à regulamentação do funcionamento do sistema financeiro, a respeito da exploração da navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros - – artigo 21, XII, “c, d, e”.
ILEGALIDADE porque tenta impor ao particular ônus que sabidamente caberia ao Poder Público, no exercício do seu poder de polícia, ao exigir da impetrante a apresentação por seus clientes, passageiros e tripulação de “esquema vacinal completo ou apresentação de teste negativo PT-PCR coletado com antecedência máxima de 72 (setenta e duas) horas”, sob sanção de multa pecuniária.
Nesse sentido, não se mostra razoável exigir da impetrante o cumprimento de obrigação não constante no contrato de concessão, obrigação que impede seu pleno funcionamento, sem a devida contraprestação pela indevida intervenção no domínio econômico, e lastreada em norma emanada por autoridade municipal incompetente.
Pelo exposto, DEFIRO o pedido de liminar, para suspender de imediato os efeitos do Decreto Municipal n° 4.325, de 19 de novembro de 2021 com relação à IMPETRANTE, extensivo às demais companhias aéreas que operam no Aeroporto de Montes Claros/MG, de modo a assegurar-lhe a prestação do serviço público essencial de transporte de pessoas sem a exigência do esquema de vacinação completo ou do teste de RT-PCR de todos seus passageiros que embarcarem ou desembarcarem no Aeroporto de Montes Claros/MG.
A presente decisão, assinada eletronicamente, tem aplicação imediata e efeito geral nos seus exatos termos.
Notifiquem-se as autoridades indigitadas coatoras para que prestem, no prazo legal, as informações que entender necessárias.
Intime-se o impetrante.
Montes Claros, 09 de dezembro de 2021.
Marcos Antonio Ferreira
Juiz de Direito
Rua Raimundo Penalva, 70, Vila Guilhermina, MONTES CLAROS - MG - CEP: 3

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