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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 25 de novembro de 2024
 

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Mensagem: AVENIDA , DE DONA VIDINHA E DONA DOCHA



De manhã, bem cedinho , lá vinha o velho vaqueiro (acho que se chamava Luiz) montado na garupa de uma mula tordilhada, dois vasilhames de 20 litros, cheios até a tampa, um em cada lado da bruaca.

Passava à esquerda do Larguinho e parava na Rua de Trás (bem em frente a casa de “Seu” Athaydinho e D.Aldinha) no meio da grande calçada de pedras.

Devagar, com um indefectível cigarrinho de palha apagado na boca, ia atendendo a fila de empregadas, madames, meninos e meninas, cada um , democraticamente, com a sua própria vasilha na mão esperando a vez de ter o puro leite de todos os dias.

Uns pagavam na hora, outros, da conta do fiado, ele anotava numa velha caderneta. De vez em quando não aparecia, a gente tinha que ir buscar na fonte : casa de Dona Docha, a dona da fazenda do leite e da manteiga – era só o que sabíamos, então - no meio da Avenida Coronel Prates.

O percurso era pequeno e também tinha suas compensações, além do gostoso cheiro de café torrado e dos aviões da Panair, no ar.

Por conta do espetáculo do trepidante esvoaçar e invariável lanche dos lindos pombos de Dona Vidinha Pires , grandes personagens daquela hora da manhã, se fartando à larga das sobras de palhas de milho, fubá e café do Moinho Indiano, espalhadas no meio da rua..

Quando, coitados, se tornavam fáceis alvos de implacáveis estilingues e bodoques.

Nunca consegui acertar nenhum – minha pontaria era péssima - mas sempre ouvi falar de muito guisado à custa deles.

Não me recordo se - nesta época da rua de terra - já existiam estas mesmas árvores que agora derrubaram. Acho que foram plantadas quando do calçamento. De paralelepípedo.

Lembro-me dos postes de luz ,de aroeira, baixinhos, com pequenas lâmpadas iluminando as noites com um brilho meio amarelado, um tanto fosco, talvez para não incomodar a visão do céu e as estrelas ou o clarão dos plenilúnios de maio, quando os tocadores, os poetas e os cantores faziam a festa, a cada esquina ou janela de uma linda donzela.

Ou mesmo (quem poderá desdizer ?) , por ordem da inesquecível Dona Vidinha que, além do maravilhoso pombal era também proprietária da luz elétrica da cidade e gostava de ver (e ter) todo aquele movimento passante e cantante em frente sua varanda.

Colega de seus netos (pré-primário de Irmã Salete e primário das Irmãs Eloína, Blanda e Rosângela, no Coleginho,do Imaculada) ocasionalmente era convidado a ir lá, desfrutar – literalmente – de seu maravilhoso pomar que tinha as frutas mais variadas e gostosas daquele mundo.

Desde que , em outras (e várias) vezes sem convite e por debaixo da cerca de arame farpado na divisa do Rio Vieira - tal qual metade da garotada das redondezas - já havia estado naquela maravilha de pomar, eu , sempre, quando entrava pela porta da frente, do jeito normal e civilizado, ficava um tanto ou quase ressabiado.

Sentada na cadeira de balanço no alpendre da velha casa com um jardim na frente, prestando atenção a tudo e todos à sua volta , os netos pediam-lhe a bênção e lá ia eu, atrás, passando de liso.

Ela me olhava por cima dos óculos e dizia sempre a mesma frase. Toda vez.

- Cuidado para não comer jambo verde, Doutor Orlando. Eles dão dor de barriga !

E dava sempre uma grande risada, após me chamar pelo nome do meu tio.

Depois, tudo mudou na velha rua.

Dona Vidinha e Dona Docha - que Deus as tenha - se foram, o leite começou a vir da cooperativa num tonel de alumínio, numa carrocinha puxada por um burro e chamava-se vaquinha, com uma torneira atrás e um mostrador de vidro onde aparecia o líquido já pasteurizado, livre de todas as impurezas. Não precisava nem ferver, diziam. Mas minha mãe fervia.

Logo, implicaram com a velha avenida.

A Igrejinha do Rosário estava na mão errada da rua, o seminário atrapalhava o clero, as árvores envelheceram e os canteiros prejudicavam o tráfego.

Perdeu a graça.



Abraço a todos.

Flavio Pinto

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