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Mensagem: PAPAI NOEL, ´VELHO ADULADOR´As nossas recordações da infância são como lindos brinquedos que possuímos e que, por descuido, caíram de nossas mãos e se quebraram, ficando para sempre guardadas como lembranças queridas, em nossos corações.Passam-se os anos e, com eles, somos levados como joguetes do destino e, sem sentir, envelhecemos. E eis que um dia surge em nossa imaginação a lembrança querida e saudosa de certas passagens inesquecíveis da nossa infância ou de nossa juventude.A princípio, como uma tênue fumaça, açoitada pela saudade ela cresce e se reacende como uma brasinha ao leve sopro da brisa... E assim é que hoje, no outono da minha vida, eu sinto uma saudade, ela cresce e se reacende em minha mente reminiscências de minha infância. Montes Claros era uma cidadezinha triste, escura, naquele tempo em que não existiam os bonitos automóveis de hoje, e desconhecia por completo o conforto que nos traz a civilização.Ao invés disto os carros-de-bois sulcavam as ruas já esburacadas e estreitas, deixando atrás de si, aos nossos olhos, o rastro sinuoso de suas grosseiras rodas de madeiras e em nossos ouvidos a música lamuriosa e triste de seu cantar.Como tudo isto está longe!Não possuíamos os brinquedos fantásticos de hoje, verdadeiras obras de arte e aprimoramento. Contentávamos apenas com os bois de sabugo; os cavalinhos de pau e as caricaturas de caminhões fabricados pelos presos da cidade, de colorido berrante, mas que alegravam a criançada daquela época.Em casa, éramos uma família feliz, onde sete irmãos cresciam despreocupadamente, como certas plantas o fazem, viçosas, brilhantes, graças à Providência Divina. Não éramos ricos, entretanto, isto nunca nos preocupou nem turbou a tranqüilidade do nosso lar, pois, pouca gente, ou talvez nenhuma se preocupava com as cifras!Tínhamos, também, o nosso Natal, porque o Natal é privilégio de todos e sempre existiu. Com ou sem civilização, o Menino Jesus foi sempre desejado e esperado, com festas, em todos os lares pobres ou ricos. E a festa universal, em que todas as crianças, desde a miserável do morro, que nem sempre tem o que comer, até as nascidas em berço de ouro, esperam o Papai Noel, ansiosas, na esperança de um presente, principalmente um brinquedo.E foi assim, nesta ansiedade que eu fui me deitar, numa longínqua noite de Natal, colocando à beira da minha cama meu sapato bem em frente à porta para que o bom ´Velhinho´ o visse logo à entrada.As horas corriam vagarosas e a impaciência e a emoção não me deixavam dormir. Eu sentia uma grande alegria, mas era uma alegria medrosa, e preocupava-me, na minha ingenuidade, como o Papai Noel entraria com todas as portas fechadas.Enquanto a cidade dormia tranqüila, pobre cidade do interior, somente o relógio antigo do Mercado, na Praça Dr. Carlos, quebrava, de vez em quando, a monotonia angustiante daquela noite, com suas badaladas compassadas, eu pensava em ti, meu Papai Noel. E que sensação boa invadia-me ao ouvir aquele sinal de vida na noite silenciosa. Ouvindo-o, tinha impressão de que não estava sozinha, que existia um companheiro de longe, guardando-me. E que saudade eu sinto, ainda hoje, de ti, que tantos anos guardastes, minuto por minuto, esta terra querida. Foste o vigia incansável, despertando alegremente as crianças para a escola e os homens para o trabalho!Quantas vezes os valentes tropeiros, a teus pés descansavam, depois de árdua viagem em lombo de burro e despertavam com o seu badalar amigo? Não foste sempre um amigo fiel? E em recompensa desprezaram-te, arrancaram-te da Praça. Por quê?Tu anunciavas a chegada de Papai Noel e eu te queria muito bem e ouvindo tuas badaladas adormeci profundamente feliz. Acordei, no dia seguinte assustada, enquanto meus irmãos chamavam-me. Senti uma alegria enorme ao ver que o Papai Noel não se esquecera de nós. Olhei o meu sapato, lá estava um embrulhinho transparente, onde pude ver - não era brinquedo o que ganhávamos, mas balas coloridas, lindas balas de estalo!Ignorávamos, entretanto, quanto custara a mamãe o esforço de proporcionar-nos a alegria de ter também um presentinho em nossos sapatos...E estávamos ainda enlevados com o acontecimento quando, de repente, entram correndo no quarto minha maior amiga de infância e seu irmão, vizinhos que moravam num velho sobrado da praça. Ela trazia nos braços uma boneca enorme e linda, de cabelos longos e loiros, grandes olhos azuis e chapeuzinho de palha dourado, e ele com um cinturão com dois bonitos revólveres tipo ´cow-boy´ todo incrementado. Tudo tão bonito, que o Papai Noel lhes trouxera!Na nossa pouca idade, nunca poderíamos entender o ´porque´ daquela desigualdade de presentes, e acreditávamos ser o ´Velhinho´ o único responsável.Vi logo (não menosprezando nossos comerciantes daquele tempo) que aquelas maravilhas não poderiam ser da loja de Sio Carlito dos Anjos, Chico Peres, nem da Casa Cocó...E foi então que vi meu irmãozinho caçula, de olhos presos aos nossos vizinhos e aos brinquedos, atirar seu pacotinho de balas no chão, dizendo, cheio de ressentimento: - Papai Noel é um velho adulador, só traz brinquedos bonitos para os meninos ricos! Vai puxar saco no inferno!Naquele instante, todos olhavam para a mamãe, que vinha aflita ver o que acontecera. A cena chocou-a. Seu sacrifício fora inútil. Os meninos ricos, inocentemente, e sem querer, estragaram nosso humilde Natal.Corri para abraçá-la e beijar aquelas santas mãos. E jamais, em toda minha vida, poderia me esquecer da expressão triste de seu olhar, e as duas lágrimas que corriam pelas suas faces.
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