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Mensagem: O CIRCO DE ´MELOSO´<br><br>Como um enorme chapéu de sol de lona colorida, aberto, o circo tomava conta de quase toda a Praça Doutor Chaves.<br>Muita gente se movimentando para lá e para cá, apressada, enquanto um alto-falante insistente, gritando, enchia a praça com os sons de uma ´Tarde de Lindóia´, ´Branca´, ´Saudades de Ouro Preto´, e músicas características de pré-estréia de circos... <br>Os mini-vendedores de porta de circos, com suas cestas de balas, doces, pastéis, pipocas e amendoins oferecendo seus produtos. Os carrinhos de groselhas e ´birinatas´ (limonada com bicarbonato) em litros com coloridos berrantes de anilina barata, deslumbravam a criançada.<br> Enquanto isto, moleques espertos, ´acompanhadores de palhaços´, cobravam dos porteiros o direito de entrada franca pelos serviços prestados, exibindo, com orgulho, a marca na testa, uma grande cruz de tinta branca, testemunha da tarefa.<br>Outros ainda aproveitavam a confusão para ´driblar´ os porteiros e amarra-cachorros do circo, e escorregavam por baixo do pano.<br>Na entrada, sob uma grande tabuleta com letreiros coloridos<br>e faiscantes e uma forte campainha, que trinava sem cessar, viamse porteiros solícitos, de uniformes vermelhos com galões dourados que com grande agilidade recebiam os bilhetes e davam informações.<br>Era um acontecimento de alto gabarito, naquela época em que não existiam outras diversões na cidade, e a chegada de um circo deixava todos eufóricos, e crianças, moços e velhos vibravam com os palhaços principalmente.<br>O ´Meloso´, com seu exagerado colarinho engomado e sua inseparável ´Violeta´ (cadela de pano que arrastava) e a ´Mandioca´ (uma exagerada bengala que trazia debaixo do braço) marcou época em nossa cidade. Considerei-o o melhor palhaço, e muita gente ainda se lembra da sua grotesca figura e suas picantes anedotas.<br>Quando o via, na rua, sem os artifícios da profissão, ficava admirada e não me cansava de repará-lo. Fora do picadeiro era triste, taciturno, isto me encabulava, parecia-me impossível tratar-se da mesma pessoa.<br>Quando o circo partia, a Praça ficava triste, vazia e escura, e as moças saudosas se lamentavam, pois, nesta época, muitos romances se concretizavam e muitos corações palpitavam, cheios de ansiedade, vendo o moço bonito do trapézio que se balançava bem no alto e alguém na vertiginosa velocidade das mortíferas motocicletas.<br>E então, as crianças, com seu espírito de imitação, começavam a idealizar os mini-circos.<br>Lembro-me bem do Mauricinho (era assim que o chamávamos na intimidade): era famoso acompanhante dos palhaços e talvez tenha sido a criança que mais aproveitou sua infância. Bastante razão tem os psicólogos quando afirmam que quanto mais a criança brinca mais enriquece suas experiências. É brincando que elas aprendem as melhores e maiores lições da vida. Por acaso conhecemos um montes-clarense mais sabido, inteligente e esportivo que o nosso doutor? Venceu com facilidade na Faculdade e, mais tarde, na sua profissão, bateu o recorde de sucesso em mínimo tempo! <br>Ele soube, na infância, transformar seu mundo num verdadeiro paraíso, cheio de emoções e belas experiências vividas e sentidas. Conhecia, da parte velha da cidade, onde morava, até o Pequi de Cima, palmo a palmo, e neste percurso que fazia quase diariamente, pés descalços e peito nú, não havia um só ninho de passarinho que fosse por ele desconhecido. E, margeando o ´Pai João´, não havia um poço que não fosse por ele experimentado. <br>Nadava como um peixe, apesar das ameaças do velho João Maurício. Era corajoso e respeitado pelos companheiros. E, quando brincávamos no acolhedor quintal do Doutor Marcianinho, cheio de jaboticabeiras, e armávamos nosso circo rodeado de alvos lençóis de linho, com trapézios pendurados nas altas mangueiras, ele sempre aparecia.<br>Com jeito de quem não queria nada, disfarçando sua cara ´matreira´, pagava a entrada (20 paus de fósforos) e se assentava no melhor lugar, fazendo jus ao que gastara e, com sua inteligência e vivacidade, vivia a nos pregar peças...<br>E como aproveitava! Zombava dos nossos artistas, corrigia as anedotas do palhaço, descobria os truques do mágico, assustava os trapezistas, puxava a sombrinha da equilibrista e, no fim, anarquizava nosso circo.<br>Era circo dirigido por meninas, e ele, menosprezava nosso talento e, não raras vezes, o Hélio (tipo tímido e mais velho) saía sempre chorando do picadeiro, por causa das picaretadas do primo Mauricinho.<br>Mas, se ele não aparecia no nosso circo, sua falta era notada e sentida, e o espetáculo tornava-se monótono. Sentíamo-nos desprestigiadas, desapontadas, pois, ele era doutor no assunto e não era por acaso que enfrentava o sol, acompanhando os palhaços na cidade, com enorme cruz de tinta na testa, respondendo feliz e com voz solta a todas as perguntas do palhaço:<br>_ Hoje tem marmelada?<br>_ Tem sim sinhô.<br>_ Hoje tem goiabada?<br>_ Tem sim sinhô.<br>_ O Palhaço, o que é?<br>_ É ladrão de muié...
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