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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 24 de novembro de 2024
 

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Mensagem: CHRISTOFF, O INESQUECÍVEL

1.926... Uma cidade pobre, triste, escura e poeirenta.
Carros de bois chiando apertados nos cocões, sulcavam as ruas
estreitas, esburacadas, deixando atrás de si os sinuosos rastos e seu
lamurioso som.
Tudo era simples, e simples também era a vida daquela gente. Um dia (há sempre um dia na vida de alguém) surgiu na cidade, vindo não sei de onde, nem como, para surpresa de todos, um homem que chamava atenção, um tipo inesquecível.
Usava roupas de grossa lã, cachecol de cores alegres aconchegado ao pescoço, características de quem viveu sempre em clima frio, grande cachimbo no canto da boca, fala enrolada com sotaque acentuado. Ele era, para admiração de todos, um estrangeiro e se chamava Christoff.
Forte, bonachão, olhos azuis e tranqüilos brilhando num rosto excessivamente corado, era o tipo do estrangeiro acostumado à vida dura do após guerra...
Aqui chegou e aqui viveu longos anos, conquistando a cidade e sua gente.
Quem não o conhecia?
Chamavam-no de Cristo, para menor esforço.
Eu me lembro, era de manhãzinha, ele surgia na esquina da rua
Dona Eva com Cel. Celestino, vindo dos lados da antiga ponte do Rio Vieira. O “troc-troc´ dos seus tamancos grosseiros retumbavam nas ruas calçadas a ´pé de moleque´.
E como era másculo!
Dava gosto vê-lo com seus braços fortes sustentando duas enormes cestas rústicas, cheias de verduras.
De porta em porta, sua voz se ouvia, arrastando os ´erres´ no
seu sotaque característico:
- ´Verrdurêrro chigou´!
- IIVerrdurêrro chigou´!
Beterrabas, cenouras, couve-flor, beringelas, repolhos, nabos, rabanetes, tomates, tudo num colorido maravilhoso ele nos oferecia.
Suas grandes mãos, calosas e mal tratadas, retratos da grande luta entre os adubos e ferramentas, iam com grande agilidade colocando as variedades nos pratos (da balancinha de mão que carregava), suspensos por finas correntes.
Aquilo era grande novidade em nossa cidade.
O colorido das verduras extasiava-me a curiosidade, própria da
minha idade, impeliam-me e com os tostões apertados na mão pequenina, eu aguardava, todos os dias, a passagem do Cristo...
Foi ele quem nos ensinou a comer aquelas especiarias em verduras, que até então desconhecíamos.
Milhares de vezes, com a voz enrolada, pacientemente, nos ensinava como prepará-las salientando suas vantagens alimentícias e fortificantes para o organismo e nunca se esquecendo de um bom azeite nas suas receitas.
Foi ele quem descobriu o baixio do ´Pequi´, dos ´Bois´, do ´Meio´ e lá se instalou, advinhando que a terra era boa e abençoada.
Lá ele plantou e colheu o futuro de sua família!
Manhãs frias. Uma chuvinha impertinente castigava a cidade que dormia ainda.
O atoleiro, lá para as bandas do ´Pai João´ era um impecilho, uma ameaça, menos para o Cristo, que vinha religiosamente, cumprindo sua tarefa de alimentar aquela cidade.
A princípio, recusavam, mesmo por que não estavam habituados com tais especiarias, mas, pacientemente, ele foi insistindo e, com a facilidade da oferta, o milagre aconteceu.
A situação melhorou bastante e Cristo já trazia sua mercadoria numa carroça facilitando a distribuição.
Eu continuei a esperá-lo na porta, morando na primeira casa da Rua D. Eva. Talvez por causa da influência ao nome das histórias que a vovó contava-me (do tempo em que Jesus andava pelo mundo disfarçado para experimentar as pessoas), na minha ingenuidade eu achava que ele era o Cristo de verdade e sua barba loura e olhos azuis aumentavam minha confusão.
Certa vez adoeci com sarampo, e o resguardo, como se era de esperar naquela época, imposto por minha mãe, impediu-me de ir à porta por muitos dias. Fiquei chateada. Eu gostava da conversa do ´estrangeiro´. Sua bondade, aquele seu jeito meio risonho, meio encabulado. Ele me dava atenção, e criança gosta de ser notada e tratada como gente, e isto me atraía.
Meu irmão mais novo é que foi à porta quando ele se anunciou,
e ao entrar disse-me:
- O estrangeiro perguntou por você e disse ter ficado triste com
sua doença e por não ter ido mais pegar as verduras.
Para mim, não houve coisa melhor. Fiquei radiante e me senti
importante, o estrangeiro sentira minha falta.
Achava-o diferente de todos e nunca supus que reparasse em
mim a tal ponto.
No dia seguinte, ele me trouxe um pacote de jaboticabas madurinhas e escolhidas, e chegando até à porta do meu quarto, disse­me, alisando os meus cabelos:
- ´Sarre, deprressa, menina, prra comprrá as verdurras prrá a mamã”...
Eu senti naquele gesto carinhoso que ele gostava de crianças, talvez ele visse em mim a filha que não teve...
Os anos passaram. A cidade, aos poucos, foi crescendo. Eu o via passar agora dirigindo sua carroça, e a seu lado, dois garotos fortes, louros e bonitos, com os livros apertados em baixo dos braços. Enquando a carroça se balançava sobre as pedras irregulares, lá se iam os três muito alegres, para casa, após a luta diária do mercado.
Cristo, era feliz! Seu comércio progredira demais, as economias cresciam dia a dia. Já não precisava andar pelas ruas, com as enormes cestas. Tinha agora uma grande ´banca´ no mercado, era procurado e respeitado por todos, e os dois garotos, já taludinhos, ajudavam no intervalo das aulas.
O negócio ia da vento em popa, enriqueceu. Entretanto, por muitos anos, continuou ainda naquele trabalho duro. O dinheiro não o perturbou, continuando na sua simplicidade quando já era milionário.
Queria, entretanto, para os filhos uma vida mais confortável que a sua e uma profissão menos árdua.
Seu sonho se realizara. Os filhos, para sua alegria, corresponderam ao seu esforço e se formaram sem obstáculos, e rapidamente, e com isto o Cristo se foi também.
A cidade inteira sentiu sua falta. Muitos anos mais tarde, passei por ele na Av. Afonso Pena, em Belo Horizonte. Já não era o Cristo que eu conhecera, na minha infância, forte, moço, vendendo saúde. Estava velho, barbas enormes, muito alvas, andar trôpego... e, para minha tristeza, não me reconheceu...
Entretanto, possuía ainda os mesmos olhos azuis, tranqüilos e serenos, que só possuem aqueles de alma simples e coração puro e que durante a vida só fizeram o bem.

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