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Mensagem N°9893
De: Oswaldo Antunes Data: Quarta 4/1/2006 11:28:16
Cidade: Montes Claros

A VIDA LEVE
Oswaldo Antunes

No ultimo dia do ano, o amigo, sobrevivente como eu, Konstantin Christoff, telefonou direto para a mesa em que escrevo. Insiste em que devo escrever crônicas mais leves. Usar isopor em vez de martelo. Depois, mandou-me um livro de Millôr Fernandes que ironiza outros dois: o empolado "Dependência e Desenvolvimento da América Latina", de Fernando Henrique Cardoso, e o intrincado "Brejal dos Javas", de José Sarney. Competir com Millôr ou imita-lo não convém. Culto e inteligente, ele escreve para quem tem o mínimo de entendimento do que seja a ironia, o elogio com segundo sentido. Mas o jornalista tem obrigação de se fazer entender por todos. Concordo que a crônica deve ser agradável e não estressante. Não obrigatoriamente humorística. Fazer a abordagem do cotidiano com um mínimo de poesia é bom caminho para o entendimento geral, porque poesia de verdade quem não entende sente. O que faz lembrar duas mulheres especiais: Cecília Meireles, que parece mediária entre o divino e o humano, e Cora Coralina, a poetisa da simplicidade. Conhecida pelo pseudônimo, Cora se chamava Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas. Viveu no anonimato, e, já idosa, Carlos Drummond de Andrade leu suas crônicas e publicou esse recado: "Cora Coralina. Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as deposite em suas mãos. Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de graça com a poesia. Seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais". Bastou essa fala simples do poeta federal para colocar na visão do Brasil todo a mulher que era tantas outras ao transformar em beleza o cotidiano. Moça, ela conheceu um advogado divorciado, fugiu, casou e teve seis filhos de sangue. Os outros filhos, seus livros, pouca gente conhece. Como desconhece o sensível e imaginário "Flor de Poemas" de Cecília. Reencontrei "Estórias da Casa Velha da Ponte", de Cora, em um sebo, na véspera do Natal. Tem o carimbo da biblioteca da Escola Estadual Dom Aristides Porto, mas foi parar na pechincha, a custo de vintém. Ao reler, revivi a emoção de Drummond: "Minha querida amiga Cora Coralina: ... sua poesia é das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida!" A vida fica mais leve se, para começar o ano, o leitor sentir na própria experiência, nos momentos discordantes de tristeza e alegria, a poesia que ajuda a cavalgar até a origem do Mistério. Se toda gente cantar, porque o instante existe e a vida está completa. Se irmão das coisas fugidias, não ser alegre nem triste, ser poeta. Aceitar as noites, os dias, o vento. Cantar antes que venha o sono.

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