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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 25 de novembro de 2024
 

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Mensagem: (A Editora O Lutador acaba de publicar em Belo Horizonte o livro - ´O Sonho é Possível´, coordenado pelo jornalista Itamar de Oliveira. Reúne depoimentos do cardeal Dom Serafim Fernandes e dos demais fundadores, reitores e professores da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, que completou seu primeiro meio século. Há, entre eles, o ´recuerdo´ abaixo, de um aluno da Universidade). De Volta ao Cavaleiro de Preto Paulo Narciso (*) Itamar de Oliveira, o amigo com quem fiz dupla nas coberturas de imprensa nos anos 70 em Belo Horizonte (ele pelo Jornal do Brasil, eu pelo Estado de Minas), pede para assoprar o monturo de lembranças de nossa passagem pela Universidade Católica. O ano é 1971. Havia chegado do interior, onde entre os 15 e os 20 anos trabalhara como repórter em antológico jornal - “O Jornal de M. Claros” -, que deliberadamente escolheu cerrar suas portas a prosseguir sem a independência editorial que sustentou por 40 anos. Contratado pelo “Estado de Minas”, já com registro de jornalista profissional aos 20 anos, pretendia estudar Direito, o curso de graduação preferido por quase todos os que escolheram o jornalismo como primeira profissão. O assalto a um banco, de conotação “subversivo-terrorista”, como a censura impunha aos jornais dizer, fez-me trabalhar na cobertura até alta madrugada do dia da última prova da Universidade Federal, a que não pude comparecer. Acabei aprovado pela Universidade Católica. Passei a freqüentar as aulas pela manhã, reservando as tardes e as noites ao jornal, na editoria de Wander Pirolli, o célebre autor da “Mãe e o Filho da Mãe”. No último ano da faculdade, migrei para o período noturno e assumi a assessoria de imprensa da universidade, a convite do vice-reitor Gamaliel Herval. A Faculdade de Direito chegava aos 25 anos, oito na frente da própria Universidade, hoje PUC, que agora alcança os primeiros 50. O reitor Dom Serafim, posteriormente cardeal, desejou comemorar com gala o jubileu da “escolinha do bispo”, assim chamada por ter sido criada por Dom Cabral. Como assessor e formando, apresentei sugestão de que se criasse medalha, de âmbito nacional, com o nome de Sobral Pinto, para homenagear aquele que na atividade jurídica mais se destacasse na defesa dos Direitos Humanos, tão prostrados e humilhados. Os tempos eram sombrios, melancólicos. O regime de exceção, radicalizado pelo AI-5, impunha sua férrea vontade sobre tudo, da atividade parlamentar ao trabalho da imprensa e também sobre a universidade e os demais centros de difusão do saber. A censura mutilava os jornais, a ponto de no lugar das notícias vetadas saírem receitas de bolo e irônicas previsões do tempo. Prisioneiros políticos apareciam mortos sob a versão de atropelamento em fugas que jamais existiram. Outros, ´suicidavam-se´ na prisão. A resistência ao arbítrio, fragmentada e sob cerco, rebrotava sempre, para sempre ser esmagada. Neste triste cenário, um homem eternamente vestido de preto, de luto permanente pela morte de uma filha, em 1956, de câncer, mas jovem nos seus mais de 70 anos, um homem impunha-se ao País pela solitária coragem. Mineiro, chamava-se Heráclito Fontoura Sobral Pinto. Não havia semana sem que sua autoridade, moral e jurídica, não disparasse carta aos generais-presidentes, em linguagem respeitosa, mas dura, exigindo o fim dos tempos de exceção e arbítrio. Numa delas, de que guardo o original, dizia: ´ É curioso que os nossos governantes militares não cessem de processar como subversivos aqueles que os acusam de estar suprimindo a liberdade em terras da Pátria. Entretanto, subversivos são eles, porque a disciplina militar cria para eles o dever de permanecerem dentro dos quartéis, preparando-se para, obedientes ao Poder Civil, defenderem a ordem constitucional da Nação. Em vez de cumprirem esta missão fundamental, eles saem dos quartéis, indisciplinadamente, e se apoderam do Poder, rasgando a Constituição, que deveriam defender e resguardar´. Era, o doutor Sobral, um veterano no enfrentamento das ditaduras. Arrostou a de Vargas e nela produziu a mais alta página da advocacia brasileira, ao invocar a Lei de Proteção aos Animais para salvar a vida de um cativo, Harry Berger. O alemão companheiro de Prestes na Intentona Comunista era mantido prisioneiro num socavão de escada. Impedido de dormir e torturado com arame incandescente introduzido na uretra, aproximava-se do fim. Exausto de implorar por sua vida através da lei dos humanos, Sobral recorreu à lei dos animais. Também não foi atendido. (Berger só deixaria a prisão no fim do Estado Novo, em 1945, para morrer na Alemanha, louco). Antes, havia defendido também o escritor Graciliano Ramos, que nas ´Memórias do Cárcere´ fixou sua coragem e irrepreensível conduta. Sobral Pinto era o nosso ídolo, dos jovens, e de quantos conhecessem a sua história. A admiração que por ele tínhamos enciumava Darcy Ribeiro, amigo e conterrâneo. A criação da medalha, com nome assim tão alto, teria para nós o efeito, simbólico, de uma vela levantada em tempo de trevas. O reitor dom Serafim ouviu a proposta e na hora respondeu: - Será criada a medalha com o nome de Sobral Pinto, desde que os formandos de 1975 da Faculdade de Direito formalizem a idéia. Tinha uma pedra no caminho. Sobral Pinto nunca soube, mas houve resistência ao seu nome, por parte de alguns alunos, desinformados, vítimas da propaganda do regime, que o supunham “comunista e defensor de comunistas”. Cabia dissipar o equívoco. Procurei em caráter particular o professor Alberto Deodato, muito querido nos meios acadêmicos. Que aceitou alegremente a sugestão de repor o perfil do homenageado na coluna semanal que mantinha no “Estado de Minas”. Exultou a idéia e por ela se bateu. O colunista “mestre Midosa de Sá e Benevides”, o Péricles que escrevia pelas mãos de Theódulo Pereira, imediatamente se aliou em desfazer o engano, através de longa e respeitável coluna. Em poucos dias, todos os formandos, sem exceção, apresentaram o documento que propunha a criação da Medalha. Dom Serafim atribuiu ao professor Afonso Henriques Prates Correia a formulação do estatuto. Um lépido Sobral Pinto, de 82 anos, sempre de preto, veio entregar a primeira medalha e todas as seguintes, enquanto viveu. Colocou-a no peito de Edgar da Mata Machado, de Hélio Bicudo e de Tristão Atayde. Apenas tempos depois, na campanha das diretas, o Brasil despertaria para aplaudir numa apoteose (que as TVs incansavelmente mostram até hoje) o homem miúdo, de preto, que exigia obediência ao artigo primeiro da Constituição. Ainda é preciso lembrar: Uma comissão dos bacharéis de 1975 foi ao Rio fazer a comunicação oficial. Sobral residia em velha casa da Rua Pereira da Silva, perto do Palácio das Laranjeiras. Na manhã chuvosa, nos recebeu. O último a entrar, indagou: - Doutor Sobral, é para deixar a porta aberta ou devemos fechá-la? A resposta foi taxativa, para aqueles dias: - Por mim, não há necessidade de fechar a porta. Mas, se vocês temem por alguma coisa, que a fechem! Sim, havia medo por toda parte. Ao Jornal do Brasil, aos demais jornais que maciçamente cobriram as suas vindas a Belo Horizonte, Sobral repetiria: -“Parece que houve um certo exagero em transformarem minha atividade profissional numa láurea permanente para outros advogados que se esforçam no País para que sejam respeitados os Direitos Humanos, tão preteridos, tão esquecidos, tão desprezados. Há uma desproporção entre a honraria e minha atividade. O que eu fiz muitos outros certamente têm feito. De qualquer modo, se esta decisão partiu de jovens, isso prova que minha vida não foi inútil.” A Universidade Católica ainda patrocinou “Lições de Liberdade”, o livro com suas petições que rapidamente escalou a lista dos mais lidos do País, ainda na ditadura. Até desaparecer, em 30 de novembro de 1991, Sobral manteve-se ligado à PUC e a dom Serafim, a quem nas cartas reiteradas que escrevia invariavelmente começava com um pedido assim: - ´Estou certo de que será com prazer que me dará a sua benção episcopal, de que tanto careço; ela me reanimará, pondo-me no caminho da obediência evangélica, solicitando que, quando oficiar a Santa Missa sem intenção particular, se digne de consagrá-la a mim e aos meus...´ Trinta e três anos depois de deixar a Universidade, quando a ela torno neste retrospecto, é ao encontro do cavaleiro de preto que vou. Sinto a sua enérgica presença, sua autoridade moral incorruptível, a nos encorajar, a nos dizer: não desistam, não desistam da esperança, não desistam da luz! E ouço, ouço ainda, como naquela noite fria de maio de 1971, a doce, a pequenina voz de Aires da Mata Machado Filho elevar-se por entre as flores do campus, os olhos quase cegos erguendo-se para a luz, a luz do luar: É a ti flor do céu que me refiro Neste trino de amor nesta canção Vestal dos sonhos meus, por quem suspiro E sinto palpitar meu coração Oh! dias de risonha primaveras Oh! noites de luar que tanto amei Oh! tardes de verão ditosa era Em que junto de ti amor gozei Não te esqueças de mim por piedade Um só dia, um só instante, um só momento Não me lembro de ti sem ter saudades Nem podes me fugir do pensamento Quem me dera outra vez este passado Esta quadra ditosa em que vivi Quantas vezes eu na lira debruçado Cantando em teu colo adormeci. Foram dias que vivi. De março 1971 a 12 de dezembro de 1975 (*) Paulo Narciso é jornalista. Em 1975 diplomou-se em Direito pela PUC.

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