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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 23 de novembro de 2024
 

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Mensagem: Leonel e a “boneca de Leonel” Alberto Sena Demorei um tempo até me acostumar com a ideia de encarar, cara a cara, a “boneca de Leonel”. Devo explicar isto porque, afinal, décadas se passaram e nem todo morador de Montes Claros de hoje sabe quem foi Leonel, de sobrenome Beirão de Jesus, e muito menos ainda o que era a “boneca de Leonel”. Vamos por partes, diria o estripador de Londres, Jack. Leonel era um camarada extrovertido. Hoje emprego este adjetivo, mas no mundo infantil da época, ele era doido da cabeça mesmo. Espalhafatoso, conversava gesticulando muito e com vozeirão de meter medo. Resumindo: Leonel hoje seria chamado “hiperativo”, porque não conseguia ficar quieto. A “boneca” dele era semelhante aos bonecos que vimos nos carnavais de Olinda. Ele teria tirado de lá a ideia. Era imensa, oca por dentro, vestida de chita colorida puxada para o vermelho. Leonel a utilizava para fazer propaganda de lojas da cidade. Ora ele mesmo ficava dentro dela, ora punha alguém para ficar e, do lado de fora, em carne e osso, empunhava megafone e aos berros fazia propaganda de quem o contratara para a empreitada. A “boneca” saía pelas ruas tranquilas de Montes Claros tendo à frente Leonel e banda, atrás turba de meninos e meninas saltitantes, olhos esbugalhados, tentando entender o que se passava dentro dela, querendo ver quem lhe dava vida, através de uma rachadura bem no meio do peito. Leonel foi precursor da propaganda em Montes Claros, um grande comunicador. Seria, digamos, “Chacrinha” daqueles tempos em que as notícias corriam nas ondas do rádio e TV não existia. Os mais velhos que aí ficaram conheceram-no e também a sua famosa “boneca” e me ajudam a não exagerar sozinho o quanto ele foi importante para a cidade. Não é à toa que em Montes Claros uma avenida leva o nome dele. Além de comunicador, o danado do homem era dono da funerária da cidade. Muita gente boa, e também gente nem tão boa, foi levada por ele para o cemitério. Quando a “boneca de Leonel” passava na porta de casa, na Rua São Francisco, acima da linha da estrada de ferro, com medo dela, porque ela mexia para os lados e chegava o momento em que abaixava o tronco e dava um giro de 360 graus em cima da gente, eu me agarrava às pernas de pai, de mãe ou de quem estivesse por perto. Logo venci o medo e me integrei à turba que seguia os passos da “boneca”, enquanto Leonel divulgava aos quatro cantos e aos ventos as novidades de certas lojas, convocando todos às compras. O sol era de rachar o chão. Eu ficava pensando: “Como o homem dentro da boneca suporta tanto calor?”. Foi numa vez que pude perseguir a “boneca” que o resquício do meu temor se esvaiu de vez feito fumaça no ar. Como ninguém é de ferro, em certo ponto da peregrinação chegava a hora de o homem descansar. Leonel parava de gritar pelo megafone, os ajudantes dele punham tambor, tarol e as baquetas no chão, e puxavam de baixo para cima a boneca. E como num passe de mágica, de dentro dela surgia um homem ensopado de suor. A cidade era divertida. Montes Claros nem de longe experimentara o progresso que vemos hoje. As pessoas se conheciam – era Venâncio, de Zé Bitaca; Gêra, de “seu” Nilo; Rubinho, de ‘seu” Cipriano; Saul, de “seu” Abel; Roldão, de “seu” Militão; e assim por diante. Todos conheciam Leonel. Pelo fato de ele trabalhar com funerária, a única, tinha bom relacionamento com a polícia e freqüentava todos os ambientes da cidade, o café de Zim Bolão, o café Galo, A Cristal, o restaurante Mangueirinha e se imiscuía na vida de todos. Enfim, tornou-se homem querido, respeitado. Mas num átimo o tempo passou. A “boneca” foi aposentada. Entrou para a dimensão do folclore da cidade. Leonel pôde se dedicar mais à funerária. Num dia, final da década de 1960, ele apareceu na Delegacia de Polícia, na Rua Dr. Veloso, onde, por ossos do ofício, o repórter tinha de frequentar diariamente. Leonel estava nervoso, preocupado, triste e não sei mais o quê. A polícia, numa controvertida ação, no meio da madrugada, assassinara o filho dele, o mais velho, um rapaz hiperativo tanto quanto ele. O corpo estava seminu em cima da mesa do necrotério, com uma perfuração bem encima do coração. Um orifício do tamanho dum grão de feijão.

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