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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 24 de novembro de 2024
 

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Mensagem: A GRANDE VIAGEM DOS CHATOS Pelo telefone, uma voz que não ouvia há muito. Grande surpresa! De quem mais, senão de um velho amigo desaparecido (agora ressuscitado), grande personagem deste sertão do pequi: O famoso urubu Asclepíades, cavalheiro de alta estirpe, mui negro e famoso, retornando com toda a força de sua uruburlesca figura. Humildemente, pedia somente uma coisa. Aliás, pedia não, solicitava, com aquela fleuma só encontrada em recantos bem alhures, como sempre dizia seu ex-proprietário, Henrique Chaves. Que não se dissesse nada a ninguém do que aconteceu durante o tempo em que esteve fora: misteriosas histórias a partir de uma complicada fuga (com direito a sofrido asilo político) - e ai, talvez (com seu beneplácito e aquiescência), poderiam ser esclarecidamente relatadas num futuro bem próximo. - Depois que Fernando Gabeira contou as dele, as minhas perderam a graça – ponderava com ar de sabedoria, dando por encerrado o assunto. Mas acabou contando a última, após várias bicadas numa velha Santa Rosa que nos acompanhou pelo resto da noite, num de seus vários escritórios locais (botequins, caso alguém esteja chegando agora). E falou, falou... Foi em Cannes, quando gozava merecido descanso, dando balanço na vida, após as tais peripécias não contadas. Sem mais delongas eis a história, de sua boca, aliás de seu próprio bico: “ De férias, na linda praia francesa, de companheiro apenas meu surrado terno preto de toda a vida, de repente, soa, por perto, uma voz familiar: -Ora, ora se não é o grande conterrâneo aí, o urubu Asclepíades! Uma entonação clássica dos montes, montes claríssima, a gente podia até imaginar quem fosse, sem medo de errar. Já há algum tempo ouvindo somente voz de gringo ao redor, imaginei-me sonhando. A voz continuava, insistente. Olhei então na direção e quase caí de costas: - um montes-clarense autêntico, meu prezado, daqueles antigórios, que a gente já enjoou de ver nas vizinhanças da rua Quinze e bar de Zim Bolão. -Em Cannes, meu chapa, fora de temporada, ter que deparar com essa figuras e outras mais, como se abrisse as portas do passado misturado ao presente da cidade e aquelas velhas fotografias pregadas nas paredes dos próprios municipais adquirissem vida e saíssem todas lépidas e firmes das molduras... É mole? E, ainda por cima, reduzidos trajes de banho, óculos escuros, chapéus hilários/esvoaçantes, drinques espertos na mão e... Aprontando. Sai por ali olhando aquela bizarrice toda. Só dava eles. Não aguentei a mórbida curiosidade e tive que perguntar o porquê. Era uma caravana de turismo em volta pelo mundo, três ônibus rodando pela Europa inteira, de graça. Por conta de quem, não fiquei sabendo. Disseram-me apenas que era por conta de uma tal Comissão. Quanto ao motivo, simplesmente desconversavam, mudando de assunto, ficando por isso mesmo. Não insisti, mesmo porque me convidaram para ir junto. Fui. Talvez mais tarde, quem sabe, eu descobrisse tudo, pensei. Arrumaram-me um leito especial – em cima das malas – até agradeci tanta atenção. No ónibus que fiquei havia duas madames, as poderosas chefas. Não se fazia nada sem que elas quisessem ou mandassem. Logo na primeira parada botaram o trocador pra fora, só porque ele deu uma trepidante gargalhada quando uma delas, afoitamente, tentava abrir a porta do ônibus, puxando-o com toda a força e não aceitando palpiteis de ninguém quanto ao verdadeiro sentido da palavra PUSH afixada no vidro da porta do ónibus. Por sinal, inglês. Ela insistiu, insistiu, até que quebrou a fechadura e a maçaneta. Esta, exibida - triunfantemente – para todos os passageiros. Lógico, mantiveram-se, sabiamente, em silêncio. Talvez pelas lembranças do recente affair trocador versus poderosas. O ónibus seguia viagem. Como conversavam entre si! Falavam ao mesmo tempo. Sem pausa, ponto, vírgula, silêncio, ou mesmo uma simples e natural respirada. Cada qual, o mais alto que podia. Um contava caso para o outro que, por sua vez e ao mesmo tempo, contava um diferente para um terceiro, que já estava ouvindo anteriormente o primeiro interlocutor. Total desentendimento, pra não dizer um colossal e senil descalabro. Os mesmos assuntos desencontrados e repetidos amiúdem em qualquer contemporânea reunião social que se preze: “Venturas mis e nenhuma desventura, principalmente dos parentes contra parentes e entes queridos ; as melhores viagens, os melhores carros; o eterno se gabar de querer ser o mais o mais malandro; histórias em que sempre a outra parte levava a pior e por ai vai, todos conhecem esse velho e surrado tema: quanto mais chique...” Só que ali não tinha plateia para um filme (que nem sequer poderia ser realizado): todos os protagonistas eram mocinhos ou mocinhas, não havia lugar para bandidos... Menos eu, E o que fiz? Como se diz, sartei de banda. Fui para o segundo ónibus, na perspectiva de melhores momentos. Eu queria apenas passear com tranquilidade. Neste carro, cheguei mesmo a me alegrar. A princípio. Fazia-se um silêncio completo. Pelo menos isso, pensei, ai os meus ouvidos se refrescam. Foi quando senti o lance: ninguém conversava por um simples e único motivo. Estavam de mal, pasmem. Tipo Belém, Belém... Completamente brigados, não se falavam há anos. Só dois se comunicavam dentro daquele ónibus: o motorista e o trocador, exclusivamente. Além das funções normais, ainda serviam de leva-e-traz de recadinhos entre os ocupantes. “ Fala com ele que eu falei, mas não fala que fui eu!” E foram eles mesmo que me contaram o que aconteceu a seguir, ouve só. Quiseram eleger o presidente da viagem, minutos depois da partida. Alguém que - mesmo se não fizer nada (pela absoluta falta do que fazer) – pelo menos possa usufruir do prazer de se ter um cargo importante. Voltaram a se falar - por pura conveniência – e fizeram a campanha dentro do ónibus em movimento. Teve até longos discursos e comícios relâmpagos. Apresentaram-se os candidatos, optando-se por uma eleição diferente, bem moderna (inusitada), onde todos eram candidatos, Apenas a consciência e a cabeça de cada um escolheria o melhor. Não deu outra: terminou empatada. Todos votaram em si próprio. Então, o pau quebrou. Brigaram de novo, não se salvando nenhum. Todos de mal, como dantes. Eu, como queria apenas a viagem grátis e um leve turismo, sem confusão, passei imediatamente para o terceiro ónibus. E qual não foi o meu espanto quando vi o que vi! Dentro do terceiro havia somente um passageiro, sentado à larga, na maior folga. E logo quem, senão aquele chato mais exclusivo deste meu sertão da carne de sol, o mais famoso, o maior de todos, cujas proezas nacionais e internacionais já foram tão contadas e repetidas que torna-se até desnecessário dizer o seu nome? E ele, antecipando-se a qualquer coisa, respondeu de pronto, sem que lhe fosse perguntado alguma coisa. (Por isso e por outras ele foi sempre o maior: sempre respondeu ao que nunca lhe perguntaram). - Ó, meu caro (com aquele conhecido ar superior, genético), por aqui ninguém me aguentou. - - Nem o chofer, olhe só... E deu aquela velha e enigmática risada de lado, apontando para o veículo. Quando olhei direito vi que o ónibus ia sozinho pela estrada afora, apenas ligado no piloto automático (especial para Bus, dizia o manual do fabricante). Eu, como sou do sertão e nunca ouvi falar de piloto automático para ônibus, pulei fora e, do meio da estrada, só deu pra ver, num relance, os oito pneus se enchendo, enchendo, até estourar completamente, a poucos metros dali. Não suportaram a alta pressão daquela chata presença.” NOTA DO AUTOR: Não se deu nome aos chatos e, principalmente, ao último, pelo simples motivo de se deixar à imaginação e vontade do leitor – que, certamente, conhece mais do que ninguém seus chatos particulares – a liberdade da escolha do seu próprio e maior de todos. (Texto publicado em outubro de 1980 em “ O JORNAL DE MONTES CLAROS”)

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