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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 19 de setembro de 2024
 

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Mensagem: MUI AMIGAS Glorinha e Sarita se sentiam as grã-finas do pedaço, e eram. Afinal, foram arrancadas da efervescente capital para viver ilhadas na jequice daquela cidade, distante de tudo. Sentiam-se ludibriadas. Na juventude, eram os morangos da sobremesa nos bailes do Minas Tênis Clube, desejadas pelos melhores partidos belorizontinos, e foram levadas para o interior pela lábia de dois médicos recém formados. Jamais pensaram em levar uma vida pacata, bucólica, campestre - sonhavam com Paris, New York, com o ´jet set´. Todavia, o mundo dá e deu as suas voltas, e olhem onde elas foram parar: na vidinha sem glamour, donas de casas, conferindo as tarefas dos filhos e passando os finais de semana no campo. Se levassem convidados à fazenda, seria um arrependimento sem fim. Os homens se juntavam para prosear sobre bois, vacas e cavalos e sobrava para elas a companhia das capioas esposas, que só falavam de meninos e empregadas. A comida? Churrasco e cerveja. Urgh! Sarita e Glorinha, convictas que embarcaram numa furada, sem retorno, decidiram fantasiar suas vidas nas alegorias dos seus sonhos juvenis. Sabedoras da farta e disponível grana dos maridos, passaram a gastá-la em festas e recepções. Turbinaram um jovem e vaidoso cronista social e ditaram as normas e a moda local. Esbanjavam charme e ostentação e, volta e meia, arregimentavam o “beau monde” belorizontino para os seus ´happenings´. Suas festas eram um sucesso, black tie obrigatório, regadas a champanhe e fino scotch. No jornal da semana, o cronista, adestrado, relatava didaticamente as iguarias dos jantares e as recepções das socialites, registrando o cardápio da noite, a cor da toalha da mesa e a procedência da louça e prataria utilizadas, bem como a descrição pormenorizada dos vestidos das senhoras. Era um ´insider´ indiscreto que mostrava para o ávido público curraleiro os últimos gritos da moda e da ´fine burguesy´. O prazer maior era, com o olhar de águia, criticar a bico pequeno a jequice das envelopadas madames locais: - Olha aquela ali de chapéu coco em festa noturna! - Veja que trambolho! Não combinou nada com nada. Cruzes! Vou ter uma síncope! - E aquela outra, com piteira e nem fumar fuma! Vai tossir a festa inteira! - Coitada, o vestido é lindo, o sapato maravilhoso, mas, dá dó, não sabe se equilibrar num salto alto, e andar, muito menos! Vai se esborrachar. - Perdoai, Senhor, olha o fulano colocando coca-cola no scotch! Para decepar a recepção de uma emergente, suas observações eram afiadíssimas: - Você viu a festa ontem, tirando a comida fria e o champanhe quente, o resto estava razoável! - Ô música brega, gente! Não sabia que viríamos para um rodeio! Nos clímaces das festas, no porre mais sublime, erguiam as taças, brindavam e, parodiando Zózimo, esgoelavam, à gargalhadas: “Enquanto houver champanhe, há esperança!”. A vida foi uma festa, intercalada de viagens e deslumbres. A carneirada, cega e sem noção, as seguiu, na ilusão de um dia ter também em mãos a flauta de Hamelin para entorpecer outros carneirinhos, mais inocentes. Os anos passaram atropelados, num hedonismo e pseudo glamour. Com o galope do tempo, o champanhe minguou, a esperança evanesceu, a badalação perdeu o charme, tudo foi um sopro. O ´créme de la créme´ se resumiu ao carteado semanal jogado pelos casais nas casas de Glorinha e Sarita. Porém, as calmas noites de buraco, embora enfadonhas, eram salpicadas por picantes alfinetadas das duas ofídeas. Advindos mais anos, os maridos se foram, a Sarita foi picotada pelo álcool e diabetes e a Glorinha foi se apagando pelo Alzheimer. O carteado tornou-se impossível. Os encontros das duas amigas se resumiam a visitas eventuais que uma fazia a outra, até que a Glorinha se enclausurou definitivamente devido à doença e a Sarita passou a visitá-la esporadicamente. Na passagem do milênio, a Sarita, já sem as duas pernas, ceifadas devido às complicações do diabetes, foi ver a amiga lelé, para lembrar-se dos outrora réveillons. Ao chegar à casa de Glorinha, anunciou-se. A enfermeira foi até os aposentos da amiga, no segundo andar, e avisou-a: - Dona Glória, a Dona Sarita está aí em baixo, veio visitar a senhora. - Quem? - Dona Sarita, sua amiga. - Sarita? Não me lembro. - Calma, vamos lá. Ao vê-la, a senhora a reconhecerá. A enfermeira, delicadamente, vestiu o ´peignoir´ na patroa, penteou-a, ajudou-a a sair do quarto e a descer os degraus. Sarita, efusiva, sorridente, estava estacionada ao pé da escada, em sua cadeira de rodas, elegante em seu ´tailleur´, com suas pernas cortadas na altura dos joelhos, à mostra. No meio da escada, Glorinha, ao avistar a amiga cotó, reconheceu-a, estancou, segurou o corrimão, e disparou: - Sarita, Sarita, não combinou, não combinou! Cruzes! Por favor, coloque de volta as suas pernas, porque este seu ´tailleur´, divino, fica horrível sem elas.

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