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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 13 de maio de 2024


Haroldo Lívio    [email protected]
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Por Haroldo Lívio - 16/11/2014 02:06:24
A esquina dos três poetas

HAROLDO ´LÍVIO*


Fica na Rua Artur Lobo, que liga a Praça Dr. Chaves à Rua Gonçalves Figueira, bem próximo ao Centro Cultural Hermes de Paula, a esquina onde se dá o encontro de três notáveis poetas do passado. Esta rua, em tempos idos, foi chamada de Beco de Santa Bárbara, que nos protege de raios e trovões, e era usada como via de acesso às aguadas do Rio Vieira, na época navegado por canoas e povoado por curimatãs, surubins e outras delícias. Muito tempo depois, nossa vereação decidiu prestar homenagem a um dos primeiros vates de nossa cidade, Artur Lobo, de grande prestígio e montes-clarense nascido no então distrito do Sacratíssimo Coração de Jesus. Ele foi um dos primeiros jornalistas de Belo Horizonte, tendo participado das festas de inauguração, em 1897, da nova Capital de Minas Gerais, em cuja elite intelectual figurava com invejável distinção, tanto que os vereadores belo-horizontinos deram seu nome a uma artéria muito conhecida. Salvo engano, esta rua fica na Floresta, um dos bairros mais tradicionais daquela metrópole, outrora coroada Cidade Jardim.
Entra em cena o segundo poeta, quando a Rua Artur Lobo, antes de desembocar na antiga Rua do Pedregulho, hoje Gonçalves Figueira, atravessa a Rua Hermenegildo Chaves, cujo patrono é uma das glórias literárias da Montes Claros de antanho, da quadra distante das serenatas e dos saraus familiares. Seu nome e seu apelido carinhoso, Monzeca, estão inscritos na galeria das personalidades mais elevadas do jornalismo brasileiro. Nas redações por onde passou, na Capital que adorava, ainda repercute a admiração pelo texto exemplar que era a marca registrada de sua arte de fino lavor, quer seja prosando, quer seja versejando. A soprano Maria Lúcia Godoy, profunda conhecedora e intérprete consagrada da modinha, relaciona na contracapa de uma gravação os nomes dos quatro maiores modinheiros do Brasil e Portugal. Apontou o português Gonçalves Crespo, Castro Alves, o bardo João Chaves e seu irmão Monzeca. Isto basta para dar uma idéia da dimensão do encontro de Artur Lobo e Monzeca, dois gigantes de nossas letras. Monzeca vinha pouco à nossa cidade, embora a amasse a distância. Na última vez que por aqui esteve, parece que pela festa do Centenário, foi recepcionado em uma tertúlia no palacete do também menestrel Luiz de Paula, que alcançou o auge com a voz encantadora do seresteiro Telé Prates interpretando modinhas imperiais, valsas e outras cantigas de amor.
Completando o trio de poetas da esquina, entra em cena Geraldo Freire, o grande trovador de apenas um livro publicado, Fonte dos Suspiros. Ele, que me honrava com sua amizade, sempre foi considerado um eleito das musas e morava na casa da Rua Hermenegildo Chaves com lateral na Rua Artur Lobo. Dessa convergência de celebridades desta Cidade da Arte e da Cultura surgiu o encontro de três cabeças fulgurantes, de três épocas distintas, que enobreceram esta terra. Montes Claros tem umas coisas que as outras terras não têm...

* Do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros


78959
Por Haroldo Lívio - 4/11/2014 20:09:59
Endereço telegráfico

HAROLDO LÍVIO

Egresso do bloco cirúrgico da Santa Casa, sob os cuidados dos magos Luiz da Paixão e Walter Lima, coadjuvados pelo jovem anestesiologista Waldir Nascimento Bessa Jr., cujo nome indica ser herdeiro do comerciante de maior visão que já mercadejou nesta praça, dono da Loja Americana, voltei a casa pensando nestas cousas aparentemente desimportantes que, de vez em quando, nos enchem a cabeça de caraminholas. Faz quanto tempo que o leitor não passa um telegrama? Já nem se lembra mais e acha que telegrama é um meio antiquado de comunicação em desuso. Aí é que está o engano! A Empresa de Correios e Telégrafos continua funcionando a todo vapor. E funcionando muito bem. Principalmente telegrafando... Para cumprimentar nubentes, uma amiga que festeja 80 anos abrindo garrafas de champagne Veuve Cliquot, os manuais de bom tom exigem que se telegrafe, e não enviar um e-mail ou telefonar, porque o destinatário ficará muito feliz
recebendo o documento das mãos do carteiro, protocolarmente. A mensagem é tão formal que vem contida dentro de um envelope. Antigamente, antes da universalização do computador, as empresas, por status e princípio de economia, tinham o endereço telegráfico que correspondia ao endereço de correio eletrônico E-mail, atualmente dominante e triunfante. A taxação do telegrama era cobrada por letra usada no endereçamento. Se o remetente ao telegrafar para o Banco do Brasil usasse apenas o endereço telegráfico Satélite, muito famoso, por sinal, pagaria somente o valor de uma letra no endereço. Negócio pra lá de vantajoso! Já pensou em quanto ficaria o nome Banco Hypotecário e Agrícola de Minas Gerais, para quem não soubesse o endereço telegráfico, do qual não consigo me lembrar. Lembro-me de que o Banco Mineiro da Produção era Bemca. Assim mesmo. Parece-me que o Banco Comércio e Indústria era Bancomércio. Isto são impressões de sessenta anos atrás, muito para trás. Tenho certeza de que a firma Indústrias Reunidas Santa Maria S.A., fabricante do Óleo Mariflor, o braço direito da boa cozinheira, usava Mariflor e até elegeu uma Miss Mariflor. Seus concorrentes, os Irmãos Pereira, do Óleo Boazinha, usavam o Ipê, uma árvore que nada tem a ver com o algodão e tem a ver com a família. Teria sido bolado pelo brilhante jornalista Cipião Martins Pereira, tido como um dos textos mais belos da grande imprensa. Sociam era o endereço telegráfico de uma algodoeira cuja razão social me escapa.
Ah, se ainda estivesse por aqui o amigo Necésio de Moraes, para elaborar uma lista. Confirmaria que Ramirmãos era usado pela Casa Luso-Brasileira, de Ramos & Cia. (Saudade de Dona Fernanda.) Principalmente informaria sobre firmas de peso em que militou na contabilidade. Diria o endereço telegráfico de Comércio e Representações J. Alves da Silva S.A., a concessionária Ford; e confirmaria Matsulphur, da Companhia de Materiaes Sulphurosos, do Cimento Montes Claros, ou melhor, de João Bosco Martins de Abreu, que acaba de nos deixar entre lágrimas de saudade e eterna gratidão por todo o bem que fez a esta cidade que aprendeu a amar como sua também. Montes Claros se curva reverente ante sua personalidade de homem de escol e empreendedor da produção, das ciências e das artes.


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Por Haroldo Lívio - 13/10/2014 16:27:56
Rapariga do Bonfim etc

HAROLDO LÍVIO

Eu me preparava para escrever algumas linhas sobre o talentoso artista Elthomar Santoro Júnior, que nos deixou em sentido pranto, ausentes de seu agradável e doce convívio, quando as letras e artes desta Cidade da Arte e da Cultura foram golpeadas com a perda de nosso querido Peré.
Duas figuras marcantes que partiram muito cedo para os campos serenos da eternidade e que tinham em comum o amor pelas cousas do espírito, dominando cada qual uma área específica; a música e a literatura. São específicas, sim, num primeiro olhar; mas prestando maior atenção, verifica-se, com facilidade, que conduzem ao mesmo destino, a poesia, que resume a beleza da vida.
Elthomar Santoro viveu pouco. Pode-se dizer que era um jovem de 56 anos de idade, porque tinha um comportamento juvenil, nada fazia que fosse condizente com a idade adulta. Era roqueiro, era músico de vanguarda, era um garoto que amava os beatles e os rolling stones. Ele fazia questão absoluta de ser identificado como prosélito da doutrina hippie, tanto que se vestia, pensava, compunha canções e carregava a sacola e se cobria com o boné de artista engajado. Ele participou da geração que surgiu com a criação do Centro Cultural Hermes de Paula, esta entidade que foi concebida para funcionar como sementeira das vocações que por aqui germinam e têm apresentado um resultado altamente positivo. Pode-se afirmar que o surgimento deste órgão pode ser comparado ao grêmio literário dos padres premonstratenses, há mais de 100 anos, que veio incentivar o desabrochar da geração de João Chaves, Dulce Sarmento, Elpídio César e outras notabilidades do passado. Elthomar Santoro foi cria do Centro Cultural e poderia ter deixado obra mais volumosa se tivesse tido cuidado com a saúde. Lamentavelmente, não se esforçou para contribuir ainda mais para a produção artística da cidade que tanto amava, e partiu muito cedo. Compôs muito rock e deixou um tango, Disparate, em parceria com seu mano Ismoro da Ponte, que o público rebatizou com a denominação de Rapariga do Bonfim, que tem sido uma espécie de sufixo musical das grandes festas da cidade. Tornou-se banal, nos fins de festanças, encerrar a noitada com a execução do tango montes-clarense composto por dois pontenses, em meio a aplausos e pedidos de bis.
Elthomar me considerava uma espécie de tio, tendo até me convidado para fazer uma letra de canção vestida por sua música. Parece que ele queria me homenagear à sua maneira, para celebrar a amizade que sempre uniu o pai dele, Justino, ao meu pai, Zé Luiz. Esta é a história da amizade entre um homem e um menino. O meu velho era o escrivão das execuções fiscais na comarca das Contendas e, volta e meia, viajava pela zona rural cobrando dívida ativa da União. Certa vez, em São João da Ponte, necessitou de contratar um garoto esperto, ativo, desembaraçado, para entregar as cartas de intimação dentro da cidade. Indicaram Justino, que se desincumbiu da tarefa a contento.
O menino continuou trabalhando com o escrivão, e cresceu como acontece com todo mundo. Quando já taludo, passou a viajar com o escrivão, estudou, ingressou no serviço público e terminou sua brilhante carreira como coletor estadual. Palmas para quem merece!
Do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros


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Por Haroldo Lívio - 10/10/2014 19:17:15
PRIMO PERÉ

HAROLDO LÍVIO

Luiz Carlos Vieira Novaes, o Peré inesquecível e bem-amado de todos os parentes, contraparentes, aderentes, amigos, admiradores e leitores, foi cruelmente arrebatado de nosso convívio e nos deixou por algum tempo. As lágrimas até aqui derramadas equivalem ao mar de imorredoura saudade em que estamos todos mergulhados. Sua prematura partida, em meio à consternação geral de todas as pessoas que o amavam, veio desmentir aquela afirmação de que não existem pessoas insubstituíveis. Peré não deixou substituto, alguém que possa igualá-lo em nobreza, em bom caráter e em talento; alguém que possa reunir tanta simpatia e carisma pessoal ao redor de si, mercê de seu reconhecido valor de jornalista e cidadão do mundo, sempre disposto a servir o próximo.
Ele já nasceu abençoado e iluminado pela luz que vem do céu para mostrar quem está perto de Deus. Foi escolhido pela Providência Divina para nascer no dia 25 de dezembro de 1953, para coincidir com a mesma data de nascimento do Menino Jesus. Não resta dúvida de que há algo de profético nessa feliz coincidência. No dia de seus sessenta anos, no ano passado, publiquei um relato sobre o novo sexagenário, lamentando que seu pai, o saudoso Novaesinho, e a mãe, dona Maria, não tivessem dado ao bebê um nome alusivo à data máxima da Cristandade. Ele poderia ter sido contemplado, na pia batismal, com o nome de Natalício, ou Natalino, ou Salvador, ou mesmo Jésus (com o acento agudo) para não ser confundido com o outro ilustre aniversariante. Porém, o pai, que nutria grande admiração pela figura histórica de Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, perdeu a oportunidade e decidiu pelo nome do político, sem saber que o batizando veio a ser, como o pai, um modelo de cristão e criatura do bem. Coisas que acontecem...
Minha primazia com Peré, como digo no título acima, se origina na amizade entre meu avô materno, João Vicente Maria do Amor Divino, pernambucano de Petrolina, e seu avô paterno, João Novaes Avelins, também pernambucano, de Cabrobó, ambos nascidos em cidades banhadas pelo Rio São Francisco. Todavia, vieram a se conhecer em São Francisco, terra barranqueira de Minas Gerais. Até aqui somos apenas netos de dois pernambucanos unidos pela amizade, ainda não dando para dizer que fomos primos nem que seja detrás da serra.
Sem querer pegar carona com a fenomenal simpatia do amigo que partiu, quero informar ao distinto público que a avó paterna de Peré, dona Angélica Novaes, e minha avó materna, dona Florinda Barreto Nobre, portadoras de nomes lindos, eram conterrâneas de São Romão e se apresentavam socialmente como primas. (Não sei qual o grau do parentesco.) O que importa mesmo e que elas fizeram o quarto ano primário em Januaria morando na casa de Tia Ursulina, de quem eu e o querido amigo devemos ter sido sobrinhos-bisnetos. De qualquer forma, teríamos de ser primos nem que fosse pela coincidência da presen;a do Rio São Francisco, na caminhada de nossos antepassados que desceram do Nordeste navegando pelas águas sagradas, em busca de dias melhores.


78604
Por Haroldo Lívio - 14/9/2014 12:09:21
Rua de Baixo dos baixadeiros

Haroldo Lívio

Se Rua de Baixo fosse publicado sem o prefácio de costume, acredito que o leitor não notaria sua ausência, porque pouca gente se dá ao trabalho de dar uma olhada no recado do prefaciador. Assim, o prefácio existe mais por uma questão de tradição literária. De mais a mais, nestes tempos de velocidade e descomplicação, o leitor quer é ganhar tempo e partir para cima, dispensando atenção exclusivamente ao enredo. Não tem tempo a perder com devaneios. Esta é a palavra de ordem atual. Portanto, amigo leitor, a classe dos prefaciadores está ameaçada de desemprego em massa ou mesmo de extinção, por tratar-se de peça decorativa, segundo os apressados, que não sabem o que perdem. ​
Por experiência própria, aprendi, cedo ainda, que a elaboração de um prefácio é missão inglória e às vezes até inútil, haja vista que o prefaciador queima as pestanas tentando dar uma idéia resumida do conteúdo do livro e corre o risco de não ser lido, de ser considerado um corpo estranho dentro do livro. Leitor de prefácio é avis rara.
Honrado com convites de escritores amigos, já tive o prazer de prefaciar algumas obras, porém não me lembro de ter encontrado alguém que tivesse lido meu depoimento. Esta revelação desanima qualquer cristão, porém não desanimou o bardo Antonio Roberto Soares, que nos presenteia com um prefácio encantador e cativante. A Baixada, ou seja, a parte do Centro histórico que tem como marco inicial a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José, está na moda como tema literário e de estudo. A temporada de obras dos menestréis baixadeiros, versando sobre pessoas e lugares do setor onde a cidade nasceu foi aberta, no ano passado, com a publicação do volume de memórias do pesquisador João Afonso Guerra Maurício, herdeiro do clã Versiani-Maurício, que foi recebido com aprovação. Dando seqüência à epopéia baixadeira, vem a público Rua de Baixo, em que mais um trovador tange sua lira para cantar e decantar as glórias e tradições do pedaço da cidade que carrega em seu coração de montes-clarense apaixonado pelo Arraial das Formigas, onde tudo começou.
O Autor é montes-clarense de quatro costados, que respira e transpira devoção à cidade por todos os poros, lopes e paulas. Muito experiente em garimpagem do passado, já presidiu o Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, na Capital, e doutorou-se em História. Seu nome inspira respeito e admiração. Parece-me que Rua de Baixo é seu livro de estréia, salvo engano, porém sei que possui alentado acervo de trabalhos que merecem divulgação. Neste volume, o Autor e colaboradores baixadeiros de primeira ordem, gente tradicionalista e romântica, continuam o passeio lírico pelas ruas e becos da Baixada, identificando casas, portas, janelas, pessoas vivas e outras que continuam vivas na saudade dos entes queridos e dos amigos, relembrando antigos carnavais, catopês e marujadas. A Baixada é eterna e imortal, sim senhor!
Fabiano Lopes de Paula é montes-clarense de trezentos anos de tradição, contados nos dedos. Pelo lado materno é filho de Nazareth, a bondade em pessoa; é neto do coronel Domingos Lopes e aparentado com o alferes José Lopes, doador do patrimônio imobiliário da Igreja, no século XVIII, que abrange quase toda a cidade. Pelo lado paterno é filho de Cassimiro, de nosso teatro amador, é sobrinho de Luiz de Paula, primo de Hermes de Paula e seus rebentos Valmor, Virgílio, Virgínia, Valéria e de outros inspirados artistas das estirpes Paula e Mendonça. Como se vê, o Autor herdou a veia poética de seus ancestrais violeiros e cantadores de modinhas. Merece ser lido e aplaudido de pé. Aconselho o leitor a ler e reler o livro, com direito a chorar se a saudade bater, nas passagens mais sentimentais. Também vai rir à vontade, nas passagens jocosas. E se sobrar um minuto que seja, que tenha a boa vontade e tolerância de ler este modesto trecho, pelo que ficarei eternamente penhorado, pois quem escreve quer ser lido, uai...

*(Do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros)


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Por Haroldo Lívio - 31/8/2014 13:47:57
Wanderlino Arruda octogenário

HAROLDO LÍVIO


Anote em sua agenda, por favor. Na próxima quarta-feira, 3 de setembro do ano corrente de 2014, Wanderlino Arruda, o homem de sete instrumentos, estará comemorando, no recesso do lar, a chegada de suas oitenta primaveras. Não se trata de nenhum trote, para incomodar o ilustre aniversariante. Com cara de menino, agitado como um menino e ainda em plena atividade e sem tempo para fazer tudo que planeja para o futuro, quem não o conhece bem deve ter a impressão de que seja apenas um vigoroso sexagenário. Ele está ótimo de saúde, é um cidadão feliz com a família, com os amigos e toda a humanidade que bate palmas à sua passagem, por reconhecer em sua pessoa um dos valores mais elevados de nossa comunidade montes-clarense.
Esta história de vida edificante teve seu ponto de partida no ano de 1934, na atual cidade de São João do Paraíso, que o destino lhe concedeu por berço natal, sendo primogênito de um jovem casal das tradicionais famílias Arruda e Morais, gente de ótima qualidade que honra seus descendentes. Conheceu, no lar paterno, que é o seu escudo de dignidade e amor, as primeiras lições de trabalho e organização na luta pela vida, sem abrir mão das virtudes essenciais que devem ser cultivadas eternamente. Custe o que custar. Por tudo isto, pode-se atestar que o mestre Wanderlino Arruda, de quem tenho o privilégio de ser amigo e contemporâneo, há sessenta anos, pode ser apontado, sem sombra de dúvida, como um guerreiro plenamente vitorioso em todas as batalhas.
Seu currículo não cabe neste espaço exíguo. Se fosse relacioná-lo aqui, seria abusar da boa vontade do leitor. No meu pequeno mundo, não sei de ninguém que tenha recebido tão grande número de homenagens, distinções e troféus. Foi de tudo um pouco; de vendedor de doce de marmelo a governador do Rotary Clube, adquiriu larga experiência existencial e cultural. Correu mundo...
Conhece o Brasil como a palma da mão. Oropa, França e Bahia figuram em seu itinerário habitual.
Veio de baixo e ganhou alturas vertiginosas. Tem sido caixeiro de loja, orador, professor, contador, pintor, prosador, vereador, construtor e outras cousas que rimam com amor. Por falar em amor e sem mudar de assunto, nessa trabalheira danada contou com o arrimo de sua meeira e querida esposa Olímpia, com quem divide sua coroa de glórias. Ele tem uma biografia muito bonita, que para mim é mais importante que o curriculum vitae. Já ia me esquecendo de dizer que ele é poeta,
maçom de grau 33 e já presidiu nossa câmara municipal, além de ter cumprido carreira exemplar no Banco do Brasil. Tome biografia, tome currículo, porque é pouca vida para tanta lida. Agora mesmo, ele acaba de regressar de uma peregrinação cívica em Portugal, onde deve ter divulgado o notável trabalho do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, sua atual paixão. Que Deus o abençoe, caríssimo aniversariante, e o conserve sempre assim. Despedindo-me, não posso deixar de registrar sua atuação como participante ativo do processo de crescimento de nossa Montes Claros, construindo dezenas de apartamentos. Isto é de grande importância. Você é camisa 10!


78471
Por Haroldo Lívio - 18/8/2014 16:44:37
Nós, parnasianos

Haroldo Lívio

Parnaso, em resumo, é uma espécie de paraíso particular dos que sonham porque têm tempo para sonhar. É um negócio de poetas, mas não se assustem com isto, pois podemos explicar sem comprometer nenhum de vocês que estão recebendo o Prêmio Parnaso, com direito a pergaminho e troféu. Segundo o dicionário do mestre Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, Parnaso era (ou ainda é, se não houve desmonte) uma montanha da região da Fócida, na antiga Grécia dos deuses e heróis. Em sentido figurado, cá pra nós, é a poesia, os poetas, bardos, menestréis.
Contudo, nãp exageremos na dose, porque as pessoas aqui presentes para serem agraciadas com o Prêmio Parnaso 2014, contam-se, nos dedos, as que gastam seu precioso tempo rimando versos. Necessariamente, para se fazer jus a esta homenagem pública não é exigido que o homenageado seja cem por cento um artista, um letrado, no sentido literal da palavra. Uns mais, outros menos, somos todos artistas. Vários dos premiados foram identificados, é verdade, no cenário da arte e da cultura. Há nomes consagrados das letras e das artes que participam, ativamente, da produção cultural em Montes Claros e região. Ocorre, porém, que a cultura que aqui se exalta não é exclusivamente a manifestação do espírito criador, essa característica que distingue o homem dos outros animais. O Prêmio Parnaso, cujo nome foi sugerido pelo jornalista Jorge Silveira, foi idealizado pelo beletrista José Luiz Rodrigues para valorizar o trabalho em áreas que são havidas, erroneamente, como estranhas à cultura e às artes em geral. Vejamos o exemplo da Medicina, que, a rigor, seria apenas o ramo da ciência que se ocupa da saúde. Entretanto, está esculpido no juramento de Hipócrates: “Prometo que ao exercer a arte de curar...” Logo, todo médico, dentista, bioquímico, enfermeiro, todos os profissionais de branco que lutam contra a doença são artistas. Se não fosse assim, só Konstantin Christoff, João Valle Maurício (quanta saudade dos amigos!), Aderbal Andrade, Franciso Lopes Neto, Carlos Muniz, Tancredo Macedo, José Rametta e poucos mais seriam tidos como artistas.Onde existe a ação do ser humano, dotado de centelha divina, germina a cultura, que muita gente boa confunde com erudição, com sapiência e até com verborragia.
O Prêmio Parnaso foi concebido para fazer justiça ao trabalho tido como banal, para reconhecer a dignidade profissional de quem se dedica à labuta para ganhar o pão de cada dia e ter a consciência do dever cumprido. E quem assim procede ajuda a construir o mundo, coloca o seu tijolo na parede da comunidade e precisa saber que ele ajuda a melhorar a vida de todos, a expandir as fronteiras da civilização. Ai de nós, se participar da cultura fosse tão somente escrever livros, pintar quadros, compor melodias. Isto é a seara da elite cultural. Acontece, porém, que o mundo só vai para a frente se tiver quem are a terra, quem plante, quem colha o fruto, quem meta a mão na massa para manter a casa funcionando, de fogão aceso, com a gente comendo gostoso e dormindo em paz..


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Por Haroldo Lívio - 4/8/2014 14:09:25
MDM, Embaixador do Norte de Minas

Haroldo Lívio

Magnus Dener Medeiros trombeteia em sua página de jornal que está completando, em sua promoção Mulheres de Ação e Nomes de Expressão, 35 anos de imprensa. Acontece que ele, antes de titularizar coluna social de renome, já fizera alguns cometimentos no jornalismo e na literatura regional. Trabalhos de sua autoria, ou melhor, de sua “griffe”, já tinham sido publicados em letra de forma e lidos pelo grande público leitor, com agrado. Sendo agraciado com o dom de escrever fácil e possuindo um vasto cabedal de conhecimentos gerais, além de ser muito bem relacionado na baixa, na média e na alta sociedade, de ser um verdadeiro cidadão do mundo, foi inevitavelmente convidado para assinar uma página de reportagem social no extinto Diário de Montes Claros, fundado pelo nosso compadre Décio Gonçalves de Queiroz e o saudoso Júlio César de Melo Franco, onde tudo começou.
O que começou ali, realmente, foi a carreira jornalística do futuro Embaixador do Norte de Minas, cognome que veio a calhar com seu perfil de pessoa pública dedicada aos interesses de nossa região. Para começar, Magnus Medeiros, embora não seja montes-clarense nato, nasceu ali mesmo, no balneário de Pirapora, de onde trouxe para nós, que não somos barranqueiros, o colorido, os sons e a alegria do carnaval piraporense. E para completar nossa felicidade tornou-se irmão de todos nós como montes-clarense de coração. Sua biografia é mais romântica que seu curriculum vitae.
Basta dizer que, ainda menino pequeno, veio “de trem pra Montes Claros”, como na conhecida canção, formando na mudança da família de “Seu” Tota, para fundar a Padaria Flor do Sertão. Crescendo em idade e graça, revelou-se um dos artistas mais aplaudidos de nossa Cidade da Arte e da Cultura, por ser um artista completo que sapateia, canta e dança ao som do violão por ele mesmo dedilhado. Nos bailes da vida, nos bons tempos do Clube Montes Claros e da boate da Praça de Esportes, a noite não podia terminar sem sua “canja” de encerramento com chave de ouro. Solicitado por insistente aplauso, para subir ao palco, ele atendia e abria o espetáculo cantando Agustín Lara, Maysa, Vinícius... Saía carregado em triunfo. Há uns cinqüenta anos atrás, vejam só, posou para a Revista ENCONTRO, num misto de entrevista e ensaio fotográfico. Já era VIP.


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Por Haroldo Lívio - 22/6/2014 19:36:36
Fernandão do Cassimiro

Haroldo Lívio


Fernando Lívio de Oliveira, meu irmão, começou sua caminhada em 18 de maio de 1933 e terminou em 10 de maio de 2014. Vivendo de um maio a outro maio, o mês de Maria, vê-se logo que era um mariano convicto, tanto que escolheu Maria Augusta para esposa. Foram nossos adoráveis pais Zé Luiz e Dalva, que ainda vivem na saudade dos filhos e netos. Foi um bom menino, estudioso e aplicado, tendo sido orador de sua turma, no curso primário de Brasilinha, nossa cidade natal de gloriosas tradições. Muito cedo, ainda de calças curtas, ele decidiu que deveria começar logo a trabalhar e pediu emprego no caminhão de “Ziu” Tolentino, que fazia a linha Montes Claros-São Francisco. O dono do caminhão achou muita graça e o presenteou com um passeio na cidade. Aqui, hospedado na residência dos Tolentino, ele e Bibi, o caçula da casa, ficavam horas rodando pneus em torno da Praça da Matriz. Eram crianças felizes.
Quis iniciar o mais cedo possível a vida de labuta e atingiu seu intento, em 1950, quando aqui chegou, matriculou-se no antigo Ginásio Municipal (depois Colégio Diocesano) e saiu por aí à procura de emprego, pois queria trabalhar. E muito. Encontrou seu primeiro emprego, de caixeiro de loja, na Casa Santa Helena, de Jayme Mendes de Aguiar, que funcionava aos fundos do Mercado. Começou assim, no ramo de tecidos, sob a gerência de Sady Cardoso de Faria e medindo pano juntamente com Emanuel Pinto e Pedrão Cardoso. Concluiu um bem feito curso ginasial e tomou a resolução de aprender ainda mais na lida do comércio. Foi para seu segundo emprego, na firma Irmãos Pereira, que representou sua pós-graduação comercial, aprendendo a dinâmica dos negócios de compra e venda de algodão, pela proximidade com os irmãos Diógenes, Edgar e Renato. Aquela experiência foi uma escola para ele, que de lá partiu para o serviço público, como fiscal do Crea-MG. Convivendo com os engenheiros Simeão Ribeiro Pires, Joaquim Costa e Newton Velloso, adquiriu o conhecimento de que prescindia para fiscalizar obras de construção civil. Tornou-se, então, muito conhecido na cidade e na região, relacionando-se com empresários e trabalhadores de obras, com os quais confraternizava irmãmente. Adquiriu grande popularidade.
Foi por aí que a Associação Atlética Cassimiro de Abreu, sua primeira namorada, tomou conta de suas ações e pensamentos, de tal sorte que valeu-lhe o apelido de Fernandão do Cassimiro, por sua participação efetiva na diretoria. Foi tudo que quis e mandou muito, cada dia mais apaixonado pela camisa azul e branco. Envolveu-se tanto que deixou o Crea e foi mourejar no balcão dos irmãos Melo, José Maria e João, no ramo de materiais de construção e ferragens. A esta altura, já estava doutorado em construção civil e foi gerenciar a filial da Macife, onde fez o pé-de-meia para estabelecer-se por conta própria, na Ferreaço, e realizar o sonho do menino que queria trabalhar ainda menino. Ele lia muito e assinava os jornais Estado de Minas, Hoje em Dia, O Tempo e Jornal de Notícias. Lia também os outros dois jornais locais, na cadeira do Café Galo. Gostava de ir ao Mercado, visitava os amigos hospitalizados ou presos e principalmente levava o bálsamo da solidariedade às famílias enlutadas, indo a velórios.
Por falar nisto, senti falta da bandeira do Mais Querido sobre seu caixão, já que eles tiveram uma história de amor e paixão. Porém, a falta foi suprida pela presença de José Maria Melo, patrono do Cassimiro, que também dorme, às 13 horas da tarde, no cemitério, sacrificando-se no horário de almoço do Dia das Mães.
Mano velho, um beijo no coração!


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Por Haroldo Lívio - 24/3/2014 15:13:18
Enchente de São José

Haroldo Lívio

Esta chuva que caiu, de muito raio e trovoada, nas noites de 22 e 23 de março corrente, ainda pode ser atribuída ao prestígio pessoal de São José junto a São Pedro, o chaveiro do céu, que também governa as torneiras de lá de cima. Tradicionalmente, por volta do dia consagrado ao pai de Jesus Cristo – 19 de março – o homem do campo, em nossa região castigada pelas secas, aguarda o socorro da enchente de São José, que alaga os campos lavrados, enche córregos e barrocas com uma abundância de águas que o sertanejo aproveita para enfrentar a próxima estiagem. Daqui em diante, a esperança é que venham as pancadas de chuva de São Miguel e de Todos os Santos.
No nosso caso particular, temos desfrutado, nas horas de grande aperto, do privilégio de sermos paroquianos do santo carpinteiro e de sua esposa Maria Santíssima, nossos venerados padroeiros da paróquia da Igreja Matriz, a primeira da cidade, a quem os crentes recorrem quando se anuncia a iminente catástrofe da falta d’água. Felizmente, ainda merecemos a clemência de nossos padroeiros, apesar de nossos pecados, porque o casal nos ouve e coloca o precioso líquido nas torneiras de todas as paróquias da cidade, para a gente cozinhar, lavar a roupa, banhar-se e matar a sede.
Nossos padroeiros mostram que, sobretudo, são gratos pela generosa doação feita pelo alferes José Lopes de Carvalho, no Século XVIII, quando entregou aos santos, em troca de um lugar na morada celestial, quase toda a área atual da cidade mais algumas cabeças de gado. São José e Nossa Senhora da Conceição adquiriram, com a doação, a condição de latifundiários e pecuaristas, ocupando lugar de destaque na economia local. Parece que o casal doador, sem filhos, se esqueceu dos sobrinhos, deixando os valiosos bens para a Igreja, prejudicando, entre muitos, o antropólogo Fabiano Lopes de Paula e o artista Tico Lopes que, mesmo assim, não reclamam do tio-tatara-tatara-tataravô.
Consta que, no passado, a festa religiosa mais importante de nosso calendário montes-clarense era a comemoração solene do Dia de São José. Recordo-me de que, no velório do Padre Chico, na Matriz, fiquei sabendo da importância dos festejos por uma prosa entre Vicente Veloso Souto e “Seu” Joãozinho de Faria (cunhado de Niquinho Teixeira), dois profundos conhecedores da história local.
Acrescento minha colaboração, sobre a importância da festa, para testemunhar que meu querido pai, aqui nascido no dia 14 de março de 1898, recebeu na pia batismal o nome de José, pelo simples fato de nascido faltando cinco dias para a grandiosa festa de São José, com foguetório, procissão solene e banda de música.


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Por Haroldo Lívio - 25/12/2013 11:35:48
Peré sessentão

HAROLDO LÍVIO

Justamente hoje, 25 de dezembro de 2013, festa do Natal de Jesus Cristo, o editor Luís Carlos Vieira Novaes está completando 60 anos de nascido e adquirindo o status de idoso. Estaria idoso se fosse uma pessoa comum, mas não está, por ser um indivíduo extraordinário feito de material muito especial, que a Mãe Natureza distribui com parcimônia, apenas para uns poucos eleitos.
Peré completa cinco dúzias de primaveras com cara e coração de dezoito. Ele continua o mesmo, com uma jovialidade contagiante, que distribui a mancheias, pelos caminhos da vida, como se estivesse dando rosas a todos os transeuntes. Sei que estamos em pleno verão e falei de primaveras, porque com ele a vida, seu trabalho na imprensa, sua literatura riponga, sua convivência com amigos, familiares e colegas, é uma eterna estação primaveril. Deus o conserve e o ame perpetuamente, Perezinho, porque tem sido assim desde o nascimento, quando você foi ungido e sacramentado para aniversariar junto com Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus.
Para nós outros, que não tivemos o privilégio de nascer na data natalícia do Redentor, é difícil evitar o pecado da inveja de também não ter sido agraciado com esta elevada distinção, já ao nascer para o mundo. No meu caso particular sinto menos inveja que os demais, pois me sinto bem aquinhoado em ter nascido no Dia da Árvore, que adquiriu grande importância com o avanço da ecologia.
Que me perdoe seu querido papai, que está no céu, o admirado Novaesinho, que não se interessou em escolher para você um nome alusivo ao seu nascimento em pleno Natal. Você poderia se chamar Salvador, Natalino, Natalício, Luís do Nascimento, Luís de Jesus, Luís de Cristo etc. Foi mais uma distração do excelente cidadão Eugerson Novaes Avelins, dono da maior coleção de cachaça da cidade, que não sei por onde anda.
Estas mal traçadas linhas são o presente de aniversário que venho oferecer ao feliz aniversariante deste Natal. Você nem precisa telefonar agradecendo, pois entre nós é dispensável essa cerimônia, dado o parentesco que carregamos, para minha imensa honra. Somos sobrinhos-bisnetos de Tia Ursulina, uma santa criatura que viveu em Januária, nos séculos XIX e XX. Como já lhe disse, sua avó paterna, Angélica Novaes, de São Romão, e minha avó materna, Florinda Barreto Nobre, de Capão Redondo, eram primas (não sei o grau) e fizeram o quarto ano primário na casa hospitaleira da Tia Ursulina. Elas cultuavam o laço de sangue e a amizade fraternal. Cabe a nós manter acesa esta chama, primo Peré. Que o Criador de todas as coisas lhe dê saúde e bem-estar.


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Por Haroldo Lívio - 28/10/2013 16:51:38
Curimataí/Curumataí

HAROLDO LIVIO

Trafegando, um dia desses, pela BR 135, nas proximidades de Augusto Lima, meu colega de ginásio Reynaldo Velloso Souto teve sua atenção despertada por uma curiosidade. Uma turma de operários, em serviço de manutenção da rodovia, havia retificado a grafia da placa colocada junto à ponte sobre o Rio Curumataí. Simplesmente mudaram o nome do curso d’água para Curimataí. Rey, que conhece a estrada como a palma de sua mão, achou o procedimento muito estranho, e anotou para futuro esclarecimento. Também já fui tomado pela mesma dúvida, em passado recente, por ocasião de uma excursão a Santa Bárbara, conhecida pela fábrica de tecidos centenária e pela fonte de águas termais, onde construíram um luxuoso resort.
Lembro-me de que, em visita ao interior da tecelagem, perguntei ao industrial Ferreirinha Paculdino qual o nome correto da localidade, se Curimataí ou Curumataí. Ato contínuo, ele esclareceu que se tratava de dois nomes diferentes de dois lugares diferentes, distantes entre si cerca de vinte quilômetros. Ilustrando a informação segura, situou Curimataí como povoado que já foi distrito de Diamantina e hoje pertence ao município de Buenópolis, dotado de clima saudável, no sopé da Serra Geral, e desfrutando do privilégio de possuir também águas termais de mais alta temperatura do Norte de Minas. Trata-se de um recanto paradisíaco, ainda conhecido por poucos, que aguarda a iniciativa de um empreendedor para instalar ali um balneário de primeira linha. Curumataí, completou o informante, é apenas a denominação de um rio da bacia do Rio das Velhas e de uma estação da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil, situada à sua margem, entre as estações de Buenópolis e Augusto de Lima.Era nessa estação que a fábrica recebia os fardos de algodão beneficiado e despachava os volumes de tecidos manufaturados.
Agora, vem o DNIT mudando a grafia do rio com o nome de um outro rio, que nem existe no mapa. O sinalizado Rio Curimataí não passa de um engano, de um equívoco que pode ser facilmente corrigido, a bem da verdade. Basta o pintor ir lá e colocar o U no lugar do I. Antes de levar este fato ao conhecimento do publico que se interessa por cousas aparentemente sem importância, ou seja, cousas que não dão dinheiro, tive a cautela de ouvir quem entende do riscado e pode falar do assunto com a autoridade de catedrático. Um amigo de longa data, aposentado como alto funcionário da Rede Ferroviária Federal, Rosendo Martins Rabelo, nascido e criado por aquelas bandas de Curimataí e do Rio Curumataí, corroborou as informações que havíamos conseguido com outras pessoas conhecedoras da região. Para que não paire nenhuma dúvida, ele consultou a nominata de estações da RFF e descobriu uma falha em publicação oficial do IBGE que chama o Rio Curumataí de Curimataí. Certamente que o engano decorre de ser o povoado de Curimataí muito mais conhecido do que o Rio Curumataí, de caudal razoável escurecido pelas águas do Rio Preto..


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Por Haroldo Lívio - 18/10/2013 19:38:03
Biografia de “Tuia”

Haroldo Lívio

O jornalista Luís Carlos Novaes perguntou-me se eu tinha material armazenado para escrever sobre “Tuia”, que já foi, em passado recente, uma figura mitológica da cidade. Emendando sua pergunta, disse-lhe que o personagem tinha sido meu colega de redação no O Jornal de Montes Claros, onde tinha endereço fixo. É que o diretor do jornal, o saudoso Dr. Oswaldo Antunes, condoído da situação pessoal do preto velho, que peregrinava debaixo de marquises, ao deus-dará, mandou fazer para ele casinha de madeira, tipo casa de cachorro, que foi colocada ao final da varanda, dividindo parede-meia com a redação. Daí, a razão geográfica para ser identificado como colega de redação.
“Tuia”, em toda sua pobreza e humildade, sempre foi assunto para a imprensa, responsável direta por sua celebrização como tipo popular inesquecível. Por ter sido considerado inofensivo, até certo ponto, e também por seu defeito de fala, que não lhe permitia falar mal de ninguém, foi muito focalizado pela imprensa, principalmente pelo órgão que o acolhera como patrimônio da casa. Foi uma das pessoas públicas mais fotografadas de seu tempo de cidadão montes-clarense, pelas décadas de 1950 a 1990. O querido colunista social Lazinho Pimenta, volta e meia, enfiava seu nome em alguma nota bem-humorada. Sua foto, ora dorm indo, de bico, como um bebê, ora de olhos abertos e sorrindo com a boca desdentada, ocupou páginas inteiras, em revistas de prestígio, como “Montes Claros em foco”, do saudoso Ataliba Machado, e “Encontro”, dirigida por Lúcio Bemquerer, que, parece-me, assinou uma reportagem sobre o mito, um homem que nem falava e arrastava-se esfarrapado da redação do O Jornal de Montes Claros até o Hotel São José, seu ponto de almoço.
Um colega de ginásio, Italo Colares, que sempre foi grão-mogolense, revelou-me que “Tuia” era seu conterrâneo e que o conhecera por lá, onde tornou-se conhecido como Antonio Preto. Nessa época, o nosso biografado era mais novo e tinha uma condição física melhor. Falava-se, em Grão-Mogol, que poderia tratar-se de um ex-escravo, mas essa afirmação, desprovida de prova documental, não merecia crédito. Por que, para ter sido cativo, ele deveria ter nascido antes de 1870, data da Lei do Ventre Livre, e teria completado 60 anos em 1930. Portanto, pode-se descartar essa versão de que teria sido escravo e aceitar a certeza de que nasceu durante o cativeiro de seus pais. Em sua terra, quando moço, ganhou a má fama de viver da alcovitagem. Os corações enamorados, com dificuldade para chegar à pessoa amada, principalmente havendo impedimento para isso, encarregavam-no de levar e trazer os bilhetes apaixonados. Num desses episódios de intermediação romântica, foi flagrado como alcoviteiro e tomou uma sova de criar bicho. Diz a lenda que sua língua teria sido cortada, para não revelar os nomes de outros casais a quem servira no leva e traz de cartinhas perfumadas.
Destarte, repudiado por seus patrícios, deixou sua cidade natal e partiu para o exílio em Montes Claros, que o acolheu paternalmente, como é de sua tradição de hospitalidade. Tenho a absoluta certeza de que, em fevereiro de 1953, ele já se encontrava estabelecido por aqui e com jeito de ser morador acostumado ao novo lar. Conheci-o, na Pensão São Benedito, em que me hospedava e onde ele também fazia sua refeição diária. Quer dizer, mais uma vez, que antes de sermos colegas de redação fomos colegas de hospedagem, com muita honra para este escriba. “Tuia” agia naturalmente até que a pinga de cada dia lhe subisse à cabeça, desde então. Se de barriga cheia, tudo ótimo. Porém, se bulissem com ele, ficava nervoso, pegava o porrete em que se equilibrava e dava pancadas pra todo lado. Embora não conseguisse falar, agredia verbalmente, com grunhidos, que representavam os palavrões mais cabeludos. Era um pornográfico, que dizia obscenidades por gestos e olhares, tudo fazendo crer que não se tratava de um anjo de pureza. Mesmo assim, alguns crentes costumam deixar seu símbolo, o bico de bebê, sobre seu túmulo, no cemitério do Bonfim, em agradecimento por graça alcançada. Pode, todavia, ter se santificado pela pobreza extrema, pelo analfabetismo de pai e mãe, pelo sofrimento da deficiência física, pela solidão da vida inteira. Ele poderia, muito bem, fazer uma ponta em filme de Charles Chaplin, que o acolheria como um achado e exploraria seu perfil de tristeza e poesia.


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Por Haroldo Lívio - 13/10/2013 21:15:12
O Roxo Verde decifrado

HAROLDO LÍVIO *

A origem da esquisita denominação de Roxo Verde, dada a um dos bairros mais antigos de Montes Claros, já foi suficientemente esclarecida por Nelson Vianna, em sua obra “ Serões Montes-clarenses”. Na semana passada, o jornalista Benedito Said, que adora esmiuçar tudo que lhe parece misterioso, veiculou, em sua lidíssima coluna de variedades, no Jornal de Notícias, uma versão que lhe contaram, supostamente explicando o porquê do Roxo Verde. Trata-se de uma deturpação de fato real que, de boca em boca, acabou confundido com o nome do cardeal Richelieu, que entrou de gaiato no caso. Isto costuma acontecer em informações transmitidas apenas pela tradição oral. Diz o velho ditado que quem conta um conto aumenta um ponto.
Nelson Vianna conta que, ali pela década de 1920, aproximadamente, o comerciante José Fernandes de Araújo, de tradicional família da cidade, gostava imensamente de informar-se e de instruir-se pela leitura de jornais, tanto que era assinante do ‘Correio da Manhã”, do Rio de Janeiro. Ele tinha o hábito de, pela tarde, pegar o último jornal recebido e procurar um local aprazível para saborear a leitura. Gostava muito, quando dispunha de maior folga, já que o trabalho o esperava, no balcão de sua casa de negócios, de ir a um recanto bucólico , na saída para Juramento, além da Malhada das Almas, hoje Santuário do Bom Jesus. Ali, á sombra refrescante de árvore frondosa, punha-se a par do que acontecia pelo país e pelos cinco continentes.
Entretanto, o que mais lhe dava prazer era a emoção despertada pelos romances de capa- e –espada, que o matutino carioca publicava em folhetins. Ainda não se falava em rádio e muito menos em televisão, portanto, o folhetim era a novela daquela quadra distante. José Fernandes de Araújo, em seguida à leitura prazerosa, narrava a amigos e familiares as peripécias vividas pelos espadachins e aventureiros. Uma destas histórias fantásticas e rocambolescas o impressionou, particularmente. Era a saga de um tal conde Rochefert, que pintava e bordava em lances de amor e paixão, deixando o leitor empolgado. Por isto, quando alguém indagava por seu paradeiro, os amigos respondiam com segurança e confiança:
_ O Zé deve estar lá no seu cantinho, lendo o Rochefer...

Daí, dá para notar que foi se desdobrando a seqüência de corruptelas: Rochefer, Rochever, Rochover, Roxo Verde. Assim, o gabinete de leitura ao ar livre passou a ser chamado por todos de Roxo Verde. Esta é a razão, muito adequada, da existência, naquele local, da Praça José Fernandes de Araújo, que veio a ser o pai do saudoso José Mário de Araújo, o popular Zé Amaro. Quando o fundador do Roxo Verde morreu, colocaram em seu caixão o último “Correio da Manhã” recebido, que ele não pudera ler, para que fosse lido em algum recanto do Paraíso.
Seus descendentes, netos e bisnetos, honram a cidade que muito amou. Um deles, o general Mário de Araújo, é o sexto montes-clarense que recebeu a espada de general das mãos do Presidente da República, há poucos dias. O avô José Fernandes de Araújo adoraria ler a notícia da promoção do neto, em seu jornal preferido, que também já morreu. Não dá nem para imaginar como seria o foguetório e a afobação de Zé Amaro, pai coruja do novo general do Exército Brasileiro.

* DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS




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Por Haroldo Lívio - 22/8/2013 17:52:42
Cartas de Esperidião Santa Cruz

HAROLDO LÍVIO

Em 1957, a comissão organizadora do Centenário de Montes Claros teve o cuidado de convidar para virem participar dos festejos todos os montes-clarenses ilustres que moravam fora da terra natal. Um destes foi o poeta Agenor Barbosa, considerado por Cândido Canela como o maior de todos os menestréis nascidos nesta cidade. Pouca gente, hoje em dia, sabe de quem se trata. Tornou-se completamente desconhecido de seus conterrâneos, com o passar dos anos; no entanto sua memória é reverenciada em São Paulo que, de certa feita o elegeu para o rol dos dez maiores poetas paulistas, juntamente com Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia e outras celebridades. Pergunte ao Google, se desejar mais informações sobre o personagem.
Ele saiu daqui ainda criança, na mudança de sua família para Belo Horizonte, onde iniciou os estudos e ganhou fama no meio literário como trovador de rara inspiração. Da capital das Alterosas alçou vôo para a terra da garoa, tendo ali crescido ainda mais e conquistado lugar cativo no coração dos paulistas, que o tinham como um dos nomes gloriosos da literatura de São Paulo, a despeito de ser um mineiro do sertão. Por ocasião da badalada Semana de Arte Moderna de 1922, o montes-clarense Agenor Barbosa foi o único participante aplaudido pelo público, que vaiou Manuel Bandeira, Villa-Lobos, Mário de Andrade e outros famanazes das artes. Recomendo ao leitor a leitura de sua biografia completa, na obra “Efemérides Montesclarenses”, de Nelson Vianna.
Pois devidamente convidado para o Centenário, ele não se dignou de vir participar das comemorações festivas. Pode ter tido suas razões, quem sabe... Porém, nosso poeta Cândido Canela tomou-se de dores pelo não comparecimento do colega que gostaria de conhecer pessoalmente e escreveu uma série de cartas em que um velho montes-clarense chamado Esperidião Santa Cruz, havia mais de meio século ausente de seu berço e morto de saudade, lamentava não mais poder regressar à terra de origem, para rever os amigos da mocidade. Esperidião foi o pseudônimo que o inspirado autor das cartas criou para substituir o nome real do homenageado Agenor Barbosa. A cidade inteira acompanhou a publicação, na Gazeta do Norte, das cartas chorosas que foram chegando toda semana. Nos saraus familiares tornou-se o assunto predileto, porque o macróbio Esperidião, apesar de ser um ancião de escasso convívio, recordava-se nitidamente da Montes Claros de sua mocidade. Declarava os nomes de seus antigos companheiros de bailes e serestas, como também se lembrava das donzelas românticas de seus tempos de rapaz. Ninguém sabia, exceto o jornalista Jair Oliveira, que se tratava de uma brincadeira do autor das cartas, e ambos se divertiam com o sucesso de público.
O relato das cartas era tão fiel à realidade, que algumas pessoas de boa memória acreditaram ter conhecido pessoalmente o missivista Esperidião Santa Cruz, que ao final das publicações ficou muito mais conhecido do que o próprio Agenor Barbosa. Agora mesmo, a Dra. Maria Ribeiro Pires, escritora e oradora de mão cheia, está à procura de exemplares do jornal que publicou as cartas, há mais de meio século. Está com a palavra o guardião da coleção encadernada da Gazeta do Norte, que não sabemos de quem se trata.


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Por Haroldo Livio - 17/6/2013 18:44:12

João Chaves e o mar

HAROLDO LÍVIO


Recorda-se que na letra da modinha “Amo-te muito”, o poeta diz que ama sua musa inspiradora “como a onda à praia e a praia à onda que a vem beijar”. Mais adiante, em outro verso inspirado no oceano, ele declara à amada: “amo-te como a branca pérola ama as entranhas do infinito mar”. Na obra do bardo imortal, há outras passagens inspiradas pela beleza da paisagem marinha. Essas referências reincidentes indicam que o autor sofreu forte impressão do mar na elaboração de sua vasta obra poética. O mestre Darcy Ribeiro, em seu livro “Aos trancos e barrancos”, comentou essa influência e a estranhou. Segundo assegurou o fundador da Universidade de Brasília e montes-clarense da gema, João Chaves teria imaginado o mar sem nunca tê-lo visto de perto, talvez o imaginando apenas por fotos e gravuras. Enganou-se, redondamente e por descuido, prestando ao seu leitor uma informação curiosa que não confere com a biografia do imortal compositor de Montes Claros, por quem nutria admiração e respeito.
Em bate-papo com um neto de João Chaves, o Dr. Henriquinho Chaves, grande conhecedor da vida de seu avô, fiquei sabendo que o bardo, em sua mocidade, morou ,durante algum tempo, em Niterói. Como esta cidade fica do outro lado da Baía de Guanabara e tem belas praias, é de se supor que ele tomou banhos de mar. Só lamento que o senador Darcy Ribeiro não se encontre mais, entre nós, para sanar o equívoco em outro de seus deliciosos livros de memórias. A História registra mais de um caso de celebridade que nunca se afastou de sua cidade natal e, no entanto, apesar do isolamento, construiu obra que atravessa os séculos. Dizem que o filósofo Emanuel Kant escreveu todos os seus livros sem ir além dos muros da cidade medieval de Koenigsberg, na Alemanha. Custa crer num fato desta natureza, mas é a pura verdade. Aqui, no Brasil, temos um caso semelhante, também de um de nossos maiores compositores, Zequinha de Abreu, autor do chorinho “Tico-tico no fubá” e da valsa “Branca”, conhecidos mundialmente. Ele nasceu, cresceu e viveu na cidade paulista de Santa Rita de Passa Quatro, recluso em sua solidão de apaixonado, sem jamais haver transposto os limites do perímetro urbano. Assim viveu, assim morreu e deixou uma obra imperecível. Kant e Zequinha, coitados, nunca viram o mar e perderam o maior espetáculo da Terra. Já João Chaves, muito pelo contrário, nadou de braçada...


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Por Haroldo Lívio - 10/5/2013 17:57:48
Centenário de Correinha

HAROLDO LÍVIO

De vez em quando, sabe-se da comemoração oficial do centenário de nascimento de pessoas que conhecemos e com quem, às vezes, convivemos. Há poucos dias, transcorreu a comemoração familiar do centenário do ex-prefeito Geraldo Athayde. O evento teria ficado na intimidade da família apenas, e pouco divulgado, se não fosse um artigo de cunho biográfico de autoria da professora Maria Vasconcelos Câmara, amiga pessoal e correligionária do ilustre aniversariante, nas hostes do PSD de Dr. Alpheu, Deba, Neco Santa Maria e outros pessedistas do papo amarelo. Voltamos, aqui, ao batido assunto da cidade que vai perdendo sua memória e, consequentemente, perdendo sua identidade histórica.
Porque uma data dessa importância, que fala de um dos melhores administradores que já passaram pela prefeitura, deveria ter sido festejada por iniciativa do poder público, comemorando, com justiça, o centenário do Prefeito do Centenário da Cidade. Felizmente, ainda está em tempo para fazer o preenchimento da lacuna.
Muita gente importante de nosso conhecimento deverá estar completando cem anos de nascimento, no ano corrente de 2013, com direito ao registro da efeméride em letra de forma. Dedico esta página de recordação a um deles, pessoa de minha particular estima e com quem convivi de perto, no contato social e no trabalho diuturno, no Banco do Brasil, local em que nos conhecemos. Refiro-me ao exemplar cidadão Francisco Albernaz Correia, muito conhecido e bem relacionado nesta cidade, desde que aqui chegou no início da década de 1950, tendo se mudado para Belo Horizonte em 1968. Era chamado por todos de Correinha, dedicando-se, além do expediente no banco, ao magistério, como professor de inglês, idioma em que escrevia, falava e pensava, tal era seu domínio. Sua imagem de professor de língua eclipsava sua função bancária, que era tão somente um meio de prover a subsistência sua e de suas dependentes, a mãe dona Alice e a irmã Srta. Odette, duas ótimas criaturas. Portanto, o idioma de Shakespeare era o seu reino. Gostava de viajar pelo mundo afora, numa época em que se contavam nos dedos pessoas de Montes Claros que já tinham ido além de nossas fronteiras. Correinha tinha suas idiossincrasias pessoais e não abria mão delas, qualificando-se para quem não o conhecia como um esquisitão. Porém, com a convivência, descobria-se seu lado ameno de amigo de outras pessoas e também de cães e gatos. Nunca se casou e teria sido um modelar chefe de família, se tivesse encontrado a companheira. Perdeu a jovem que poderia ter sido sua esposa e também ficou solteira. Pode ter existido esta candidata.
Correinha foi jovem no Rio de Janeiro, onde trabalhou em uma alfaiataria da Rua do Ouvidor.
Em frente, funcionava a gravadora Parlophon. Então, ele e seus colegas viam passar Carmen Miranda, Sinhô, Orlando Silva, Francisco Alves, Mário Reis e Noel Rosa, que nós outros não pudemos ver. É de causar inveja. Talvez pela vizinhança musical, foi selecionado para o coral de mais de 20.000 vozes que se apresentou no estádio do Vasco da Gama sob a regência do maestro Villa-Lobos, no ano de 1943, com a presença de Getúlio Vargas. Este momento histórico foi o ponto culminante de sua vida. Saudades do meu amigo, companheiro de trabalho e padrinho de casamento. Viva Correinha!


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Por Haroldo Livio - 10/2/2013 18:20:47
Montes Claros criança em 1953

Haroldo Lívio

Esta crônica é só para registrar lembranças que não couberam na outra em que contei minha chegada nesta cidade, há sessenta anos passados. Não falei do mercado municipal, onde pulsava o coração da pequena metrópole sertaneja. Era ali, por perto dele, que aconteciam os fatos mais importantes do cotidiano. Negócios, comícios, mortes, prisões. Quem fosse ao mercado voltava para casa sempre trazendo novidades. Seu relógio marcava as horas e era ouvido longe, porque não havia o barulho do trânsito nem prédios altos impedindo a propagação do som. Já que falei de trânsito, antes que me esqueça, quero lembrar que a cidade contava com apenas um guarda de trânsito, o inspetor Pimentel, do DET, que ficava na esquina de Dr. Santos com a Praça Dr. Carlos Versiani orientando o fluxo de veículos. Nesse caso, o guarda podia chamar o condutor do carro pelo nome, uma vez que havia poucos carros. Possuir um carro era luxo permitido a milionários, como o capitão Enéas, Osmane Barbosa, João Athayde, Oldemar Santos, mais alguns outros pecuaristas e industriais. O jovem cirurgião Konstantin Christoff e outro rapaz, Bolivar Silveira, tinham carro conversível. Nem o gerente do Banco do Brasil tinha carro, e seus funcionários iam para o trabalho de bicicleta. Diferentemente de hoje, era um tempo romântico e saudável...
Já que falei em romantismo, quero evocar o Montes Claros Tênis Clube, ou seja a Praça de Esportes, que era a sala de visitas da cidade. Toda a beleza e suavidade de nossa urbes se resumia neste logradouro de ar puro, paisagem verde e céu azul de anil. Quem não fosse sócio da praça, estaria fora da história e da geografia da cidade. Era um pedaço do paraíso transportado para cá e plantado na várzea, um jardim de delícias da juventude.
Mas a cidade era bem menor. Ainda não existiam bairros como o Todos os Santos, Jardim são Luis, Melo, Major Prates, Delfino Magalhães, Planalto. O São José estava sendo medido para loteamento. A Vila Guilhermina estava recebendo as primeiras moradias. Lembre-se que a Avenida Coronel Prates terminava em frente à Santa Casa e era limite do perímetro urbano. A cidade, realmente, explodiu e multiplicou-se, como fogos de artifício, clareando e abrindo novos caminhos.
Funcionavam, aqui, três bons cinemas: o São Luís, o Coronel Ribeiro e o Ypiranga. Os filmes de maior sucesso, em 1953, formando extensas filas, foram O Cangaceiro, nacional, e Sansão e Dalila, de Cecil B. de Mile, com Victor Mature e Susan Hayward. O antigo Cine Montes Claros estava fechado para reformas e no local funcionava a churrascaria do gigante Leon Soltz, que era gaúcho e não estrangeiro. Os tipos populares, muito encontrados nas ruas, eram o pintor louco Alá-laô, que tocava violão, cantava e trabalhava nos raros momentos de lucidez; Juscelino, um doido calado que veio de Bocaiúva; Geraldo Tatu, no início de sua carreira, totalmente inofensivo; uma garota da vida fácil chamada (impiedosamente) de Chimbica, que poderia ser uma doente mental; outros menos expostos, e finalmente Mané Quatrocento, que era trabalhador e artista, apresentando-se em programas de auditório da ZYD-7 como cantor e galã. Montes Claros montesclareava e tinha de tudo um pouco.


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Por Haroldo Lívio - 4/2/2013 10:30:10
1º de fevereiro de 1953

Haroldo Lívio

Nada de especial para a História do Brasil, trata-se de uma data íntima transcorrida há exatamente sessenta anos. Parece que foi num domingo e parece que foi ontem. Nada como o tempo para passar, segundo Vinícius. Recordo-me do embarque, na jardineira de “seu” Chiquinho Ramos, pilotada por seu filho Walter Zorro, que usava um chapéu de cangaceiro e era assessorado pelo trocador Pedrito Andrade. Saímos ao meio-dia das Contendas (atual Brasília de Minas) e chegamos a Montes Claros já com as luzes acesas, muito contentes por termos feito ótima viagem. Particularmente, tinha minhas razões especiais de estar feliz, pois tinha sido presenteado, ao embarcar, com dez notas de cem cruzeiros, oferecidas, gentilmente, pelo coronel Francisquinho Antunes, amigo de meu Pai e meu também. Cheguei abonado para dar início à busca por um lugar ao sol, numa terra rica de oportunidades e perspectivas positivas.
Tinha quatorze anos de idade, boa saúde, vontade de aprender e subir na vida, começando pela matrícula no curso ginasial, o que já era um passo muito largo, no caminho de flores e espinhos que sabia resumir a luta pela vida. Era mais um migrante a engrossar a população desta cidade hospitaleira, que já andava pela casa dos trinta mil habitantes. Hospedei-me na Pensão Madureira, na Rua Dr. Santos, 19, onde já morava o mano Fernando. Na primeira noite, depois do jantar, saímos saciando minha curiosidade de neomontesclarense, já que estivera aqui, rapidamente, aos onze anos.
O edifício mais alto era a catedral, deslumbrante aos meus olhos adolescentes. Havia ainda os prédios do Hotel Santa Cruz, do Edifício Pedro Montes Claros, em frente ao Clube Montes Claros, todos de três pavimentos. As ruas de Baixo ostentavam orgulhosos sobrados, onde moravam as famílias mais antigas. Causaram-me agradável impressão as bem decoradas vitrinas das lojas, coisa de cidade grande. Loja Americana, Casa Ramos, Casa Alves, A Imperial, que realçavam o encantamento das ruas movimentadas pelo vaivém. Era o “footing” da Rua 15 fervilhando de beleza e mocidade. Eram o Big Bar, o Minas Bar, o Bar Soberano, de clientela fina e elegante. Era o Restaurante Valério, de cozinha internacional. Montes Claros já tinha linha aérea. Mesmo assim era pequena (e feliz). Havia apenas um juiz de direito, um promotor de justiça, um delegado de polícia e o destacamento policial. Compare estes dados com os números apresentados sessenta anos depois. Montes Claros é mesmo o coração robusto do sertão, não resta a menor dúvida. Recordo-me, com nitidez, de que os nomes mais citados, nas conversas de rua, eram os do prefeito capitão Enéas Mineiro de Souza,paraibano, do bispo diocesano Dom Luiz Victor Sartori, gaúcho de Santa Maria, e do gerente do Banco do Brasil, o baiano Francisco Barbosa Cursino. Montes Claros sempre foi uma cidade cosmopolita, com gente do mundo inteiro, sendo esta uma das razões de seu crescimento gigantesco. Aqui encontrei, em 1953, a imprensa de então, composta do novíssimo O Jornal de Montes Claros, do jovem Dr. Oswaldo Antunes; da antiga Gazeta do Norte, do cavalheiresco Jair Oliveira; e da Rádio Sociedade Norte de Minas ZYD-7, vivendo sua idade de ouro de Mané Juca e Chico Pitomba, mais Gregório Barrios, Orlando Silva, Dalva de Oliveira e outras estrelas. Todavia, não encontrei os escritores Luís Carlos Novaes e Raquel Mendonça, que nasceriam meses depois da chegada deste migrante.


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Por Haroldo Lívio - 1/1/2013 17:11:33
Visitas muito importantes

HAROLDO LÍVIO

Há poucos dias, comentamos, neste jornal, sobre a visita inesperada recebida por nosso querido poeta Cândido Canela, em sua residência, do maior pesquisador de folclore do Brasil. O escritor paulista Cornélio Pires chegou de surpresa, na casa de jardim e pomar do trovador de “Rebenta-Boi” e “Lírica e Humor do Sertão” , trazendo indizível satisfação para toda a família, que se recorda do acontecimento com “ternos pingos de saudade”. Esta visita assinalou o reconhecimento nacional da obra literária do dono da acolhedora casa da Praça Honorato Alves, onde hoje está erguido o Edifício Cândido Canela.
Pouca gente sabe que nossa Montes Claros já recebeu a visita, desta vez marcada, de alta autoridade eclesiástica que desempenhou o papel de governador da Igreja Católica, na vacância do trono de São Pedro, por ocasião do falecimento do Papa Pio XI, em 1939. Entre a morte de um papa e a coroação de seu sucessor, a chefia do rebanho é atribuída a um cardeal que recebe o título de camerlengo. O cardeal escolhido para a função, nessa vacância, foi monsenhor Bento Aloisi Masela, que dois anos antes, em 1937, visitou nossa cidade, na condição de núncio apostólico no Brasil (embaixador do Papa) e acompanhando Dom Aristides de Araújo Porto, que viera tomar posse como bispo auxiliar de Dom João Antonio Pimenta. Essa, sem dúvida, foi uma visita muito importante, e quem informa é o historiador Nelson Vianna, na obra “Efemérides Montesclarenses”. Neste passo, fomos visitados por um prelado que teve poderes papais. (Viva Montes Claros!)
Recordamos, com imensa saudade, de visita muito honrosa recebida por nossa família, na casa paterna, em Brasília de Minas, ainda no final da década de 1950. Foi uma visita de despedida de uma pessoa com diagnóstico de morte iminente a outra pessoa que muito estimava e considerava como se fosse um de seus filhos. O Dr. Tarcísio Generoso, farmacêutico em São Francisco, visitava meu Pai, seu discípulo e pupilo, que entrara para a farmácia Vésper, aos oito anos de idade, e nela aprendera a trabalhar e a conviver, pois o farmacêutico havia recebido de minha avó e de minha bisavó, autorização para aplicar corretivo no garoto endiabrado. Lembramos que o doutor estava acompanhado da esposa, dona Graziela, e da veneranda Mestra Bila, vereadora em nossa terra natal. A visita, mais do que importante para nós, foi seguida de lauto almoço, preparado por Mamãe, tendo por ingrediente a beleza da emoção que se apoderou de todos os comensais, marcada por risos e lágrimas, por causa do vinho e dos discursos sentimentais.
Em 1921, um ano portanto antes de realizar a Semana de Arte Moderna, o romancista e crítico Mário de Andrade, participou de caravana de intelectuais que viajou através de todo o Brasil. De passagem por Belo Horizonte, ele se desgarrou da caravana e pegou o trem da Rede Mineira de Viação com destino a Mariana, via Ouro Preto. O objetivo exclusivo desta viagem foi uma romaria à casa do poeta Alphonsus de Guimarães, que estava prestes a finar. O visitante muito importante foi acolhido com hospitalidade pelo trovador de “Ismália”. (Lembram-se dos versos imortais: “Quando Ismália enlouqueceu, pôs-se na torre a sonhar. Via uma lua no céu, via outra lua no mar”.) Sem dúvida alguma, esta visita é um episódio monumental da história pitoresca da literatura brasileira.
Aqui, em nossa paróquia, temos o caso de uma visita muito importante lamentavelmente interrompida pelo acaso. Manoel Hygino dos Santos, que é o maior escritor montes-clarense vivo, tomou conhecimento, por acaso, do livro de estréia do jovem escritor José Luiz Rodrigues, intitulado “Mocambo”. Gostou do que leu, pelo estilo, pela maneira diferente de escrever. Aprovou-o como produção literária que compensa ser publicada, lida e, se possível, ser reeditada. Pediu informações sobre o autor, identificou-o e finalmente obteve seu endereço residencial, na Vila Ipê. Em sua primeira vinda à cidade, resolveu fazer uma surpresa ao autor do livro de que tanto gostara e foi visitá-lo em casa. Bateu à porta e foi atendido por uma doméstica, que o informou da ausência momentânea do patrão. Sem a certeza de poder esperar pela chegada, voltou pelo táxi que o levara. Não houve uma nova oportunidade para uma visita marcada. Não obstante o azar de não ter sido encontrado em casa, José Luiz se sente prestigiado pela visita muito importante que não se consumou. Vale como se tivesse acontecido, não foi sonho...


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Por Haroldo Lívio - 28/12/2012 19:42:40
EDIFÍCIO CÂNDIDO CANELA

HAROLDO LÍVIO

Homenagem mais que merecida esta de dar o nome do antigo morador ao prédio erguido no local da residência onde o imortal poeta viveu a maior parte de sua vida. Lá funciona a segunda agência do Banco do Nordeste, atestando que nossa Montes Claros cresce a galope, apesar dos pesares e enfrentando todos os desafios que se colocam em seu caminho, na marcha acelerada ao encontro de seu grandioso futuro. Está de parabéns quem se lembrou de prestar mais uma homenagem ao menestrel que, há mais de sessenta anos, cantou em versos a luta do sertanejo contra as adversidades e derramou poesia pura, no livro de estréia “Lírica e Humor do Sertão”, que teve apenas uma reedição , na Coleção Sesquicentenária.
Homenagens póstumas ao inspirado trovador montes-clarense, foram muitas, tão logo ele partiu para sua morada definitiva, no parnaso, que é o lugar destinado ao repouso dos que sonham, dos inocentes, dos que passam por esta vida prosaica com a missão de viver fraternalmente, difundindo beleza, perfume, luz. Paz. A primeira delas foi a destinação de seu nome para uma rua do Conjunto José Carlos Lima, infelizmente pouco conhecida e afastada do Centro. Seus moradores, todavia, gente boa e ordeira, orgulham-se do patrono de seu endereço, por terem tomado conhecimento de sua biografia de homem sentimental e apaixonado pela cidade onde nasceu e viveu: Montes Claros, a Cidade da Arte e da Cultura.
Em seguida, certamente para reverenciar seu trabalho, no setor artístico, como pioneiro do rádio, produzindo e interpretando programa de auditório de colossal audiência, na Rádio Sociedade Norte de Minas – ZYD-7, em seu apogeu, passou a ser também patrono da sala de teatro do Centro Cultural Hermes de Paula. Dois amigos abraçados. Seu nome é constantemente lembrado como paraninfo de agremiações literárias e clubes de leitura para jovens e crianças. Como Beto Guedes, Yara Tupinambá, Zé Coco do Riachão, Téo Azevedo, que têm seus nomes conhecidos nacionalmente, Cândido Canela também adquiriu, na proporção de sua época, notoriedade que levou seu nome a terras distantes. Há muitos anos passados, ele teve a honra de receber, em sua casa, a visita do maior pesquisador de folclore da literatura brasileira, o paulista Cornélio Pires, que se encantou com os livros que ainda não conhecia, de autoria do modesto e humilde poeta sertanejo, que comparou a Catulo da Paixão Cearense.
No momento em que o poder público se lembrar de perpetuar os nomes de nossos prosadores e trovadores com seus bustos em locais apropriados, como as praças Dr. Carlos Versiani e Dr. Chaves (Matriz), tenho a certeza de que um dos primeiros será o dele, como se faz nos grandes centros civilizados. E Montes Claros se ufana de ter madrugado na formação de uma cidade que sempre cuidou do corpo e do espírito.


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Por Haroldo Lívio - 15/10/2012 16:27:42
Ainda o centenário de Edgar Pereira

Haroldo Lívio

O centenário do ex-deputado Edgar Pereira segue bem comemorado, tornando mais conhecida a sua biografia de político e empresário, e corrigindo dados incorretos sobre sua pessoa. Lamento não tê-lo conhecido pessoalmente, acredite, embora se tratasse de cidadão de alta popularidade. Poderíamos ter sido até amigos, se as descoincidências do destino não nos mantivesse separados, apesar de estarmos muito próximos. Sabe-se que a vida é feita de encontros e desencontros. No nosso caso faltou o encontro, porque era mínima a distância que nos separava. Para começar, éramos conterrâneos, brasilminenses de berço, sendo eu natural da sede e ele do distrito e paróquia de Santo Antonio da Boa Vista. Quando ele nasceu, nosso município se chamava Villa Brazílea. Na minha vez, já era Brasília. Atualmente, é a progressista e carnavalesca Brasília de Minas, de vetustas tradições.
Lembro-me de que sua primeira esposa, dona Zulma Antunes, era uma das mais queridas amigas de Mamãe. Encontravam-se com grande alegria, freqüentavam-se em visitas demoradas, cultivaram uma amizade que durou a vida inteira, desde a década de 1930. Mesmo assim, não tive oportunidade de ser identificado por Edgar Pereira; o destino nos escondia um do outro. Meu saudoso Pai, por seu lado, era muito estimado por ele, como amigo da família Antunes e seu parceiro nas partidas de pôquer que varavam a madrugada, nas noites frias de nossa cidade. Por ocasião da primeira eleição municipal de Varzelândia, meu velho, já aposentado da escrivania, foi convidado por Edgar para assessorá-lo como conhecedor de direito eleitoral. Pois nem assim foi feita nossa apresentação. E continuamos desconhecidos mesmo tendo sido Edgar patrão e amigo de meu irmão Fernando, que trabalhou durante anos na firma Irmãos Pereira. Fiquei conhecendo seu irmão Renato; e anos depois tivemos, eu e Maria do Carmo, o prazer de receber,em nossa casa, para um almoço, os irmãos Yolanda e Cipião Martins Pereira, ele do Jornal do Brasil e da revista O Cruzeiro, tido como um dos melhores textos da imprensa brasileira. Continuamos desconhecidos, ou melhor, ele não me conhecia, porque era uma pessoa pública, congressista e capitão de indústria, e eu apenas um rapaz que assinava matérias na imprensa local. Talvez tenha visto meu nome, e pode até ter lido a matéria e perguntado a alguém: “Quem é o autor”? Não passou disso nosso relacionamento por afinidade, de caminhos paralelos.
As biografias publicadas desmentem versões que corriam sobre a personalidade do aniversariante. Não vejo nenhum demérito na pobreza. Os pobres ganharão o reino do céu, é certo, mas Edgar Pereira nunca foi de origem humilde, como se apregoa por aí. Em que terra, comerciante e industrial pode ser tido como pobre. Seu pai, o velho Ioiô, casado com dona Quita Pereira, era usineiro de algodão e matriculava os filhos nos melhores colégios. Outra lenda, que se desfez com as biografias de Augusto Vieira Neto e Wagner Gomes, foi a de que se tratava de um bronco, de poucas letras. Montaram até anedotas sobre essa suposta ignorância. Disseram que ao ser informado pelo técnico do Ipê de que o time, para atuar melhor, precisaria de entrosamento, teria dado a ordem para que comprassem o tal entrosamento. Isso deve ter sido maldade de algum cassimirense ou atenense. Essa pilhéria injusta e despropositada não faz sentido, uma vez que Edgar Pereira alisou bancos no Gymnazio Mineiro (atual Colégio Estadual), de Belo Horizonte, e no Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, por onde passava a elite da juventude brasileira. Pode ter ouvido Manuel Bandeira discorrendo sobre poesia. Ou ter sido colega de sala de Vinícius de Moraes, nascido em 1913.


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Por Haroldo Lívio - 24/8/2012 10:28:11
Aplausos e confetes

Haroldo Lívio

Ainda está por nascer aquele que não goste de um cafuné ou, como se diz modernamente, de um elogio, de uma boa massagem no ego. Principalmente quando se trata do reconhecimento de algum mérito do indivíduo em seu trabalho do cotidiano, em sua arte ainda que modesta. Foi justamente o que me aconteceu, em uma noite perdida no passado, há mais de quarenta anos, na Praça Coronel Ribeiro. Estávamos sentados em um banco do jardim, eu e Waldyr Senna Batista, falando sobre amenidades, quando ele abriu parênteses para dizer que minha crônica de Natal publicada no O Jornal de Montes Claros, poucos dias antes, “ficou muito boa”. Apanhado de surpresa com o elogio, partido de um crítico por demais rigoroso em suas apreciações, parece-me que gaguejei alguma cousa parecida com agradecimento, diante da manifestação inesperada e inédita, partindo de quem partiu. Confesso que adorei. Ele não deve se lembrar; eu nunca me esqueci da hora.
Pouco tempo depois, na redação do Mais Lido, o brilhante jornalista Caio Lafetá fez questão de me comunicar que havia gostado muito de uma matéria noticiosa que eu escrevera relatando os preparativos para a Exposição Agropecuária de 1963. Mais uma vez fui apanhado desprevenido e não tive palavras para agradecer o incentivo de um veterano da imprensa muito respeitado e admirado. Para quem está chegando agora, Caio Lafetá, prematuramente falecido, era um intelectual da mesma estatura de Cyro dos Anjos, Darcy Ribeiro, Cândido Canela e Manoel Hygino dos Santos. Daí, o abalo sísmico causado pelo comentário favorável à minha vaidade pessoal. Um sim dele valia ouro em pó.
Certa manhã, tempos depois, escrevi uma reportagem sobre o tipo popular Mané Quatrocento e a entreguei ao secretário da redação, o mesmo Waldyr Senna Batista, e quase caí de susto com o entusiasmo com que leu a matéria proclamando, com todos os efes e erres, que estava “ótimo” e que eu já estava em condições para escrever livros. Deve ter sido por esse confete que criei coragem para publicar um livrinho em 1995, muitos anos depois da ocorrência.
Quem passou por emoção mais forte foi o escritor José Luiz Rodrigues, autor do livro “O verme estrangeiro”. Não se sabe como o livro chegou às mãos de Manoel Hygino dos Santos, na época em que trabalhava no Estado de Minas, porque não foi enviado pelo próprio autor. Atualmente, Manoel Hygino é o maior escritor montes-clarense vivo e naquela ocasião já era um nome nacional nas letras. Gostou da leitura do livro e desejou manter contato pessoal com o autor. Vindo a Montes Claros, conseguiu o endereço do escritor, na Vila Ipê, e para lá tomou um táxi. Tragédia! José Luiz não estava em casa. Apesar de não ter havido o encontro do escritor consagrado com o escritor estreante, este se dá por premiado. Na minha opinião, este fato foi mais significativo que a visita de Mário de Andrade a Alphonsus de Guimaraens, em Mariana, no ano de 1921. Deve-se considerar que o grande Alphonsus já era uma celebridade da literatura brasileira e que José Luiz era apenas um bom escritor desconhecido.


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Por Haroldo Lívio - 31/7/2012 09:15:14
Minha vida de menino

Quando Flávio publicou seu romance de estréia, A Fruta Amarela, eu dei minha opinião de que o título ficaria mais cientificamente correto se fosse O fruto amarelo. Isto porque o pequi (cariocar brasiliensis), que é o carro-chefe de nossa comida típica regional, não é classificado pela botânica como fruta, embora comestível depois de cozido. Àquela altura, o autor já havia batido o martelo e se fixado na decisão pela fruta, mesmo ciente de que o pequi é um fruto.
Afinal, é o pai da criança quem escolhe o nome para o batismo, e a periferia, ainda que assinando a “orelha” do livro, cabe apenas bater palma e mimar o pimpolho. Sua segunda obra, com o título cibernético de montesclaros.com Amor, ficaria também de título sonoro se se chamasse Minha Vida de Menino.
Não enxergo nenhuma inconveniência, se ficasse quase igual ao clássico Minha Vida de Menina, da diamantinense Helena Morley. Este é a história de uma menina do século XIX que via o mundo da janela de sua infância, reclusa no recesso do lar. Já este livro é a memória de um garoto/adolescente esperto que vivia solto pela rua, numa cidade provinciana e acolhedora onde as crianças ainda podiam fazer da via pública seu parque de diversões. Zanzando pela Praça de Esportes, pela Pharmacia Versiani, pelo Big Bar e outros recintos, como o Café de Zinho Bolão, o Bar de “seu” Tito, o Café Galo e a Alfaiataria de Newton Pimenta, ele colheu material para escrever a reportagem da cidade. Ouvindo a conversa dos mais velhos, como o carteiro Zeca do Correio, o prático de farmácia Luiz Teixeira, os jornalistas Lazinho Pimenta, Waldyr Senna Batista, Oswaldo Antunes, o barão Felisberto Oliveira e seus ídolos Henrique Chaves, Telé Prates & Cia., o futuro memorialista construiu o arcabouço de sua produção literária, bastante apreciada pelos que vibram com os antigos e pitorescos assuntos desta cidade, ora ameaçados de extinção pelo ritmo galopante de crescimento em todas as direções.
Flávio Pinto, que parece ter deixado de escrever em jornal de papel e agora só é lido pela internet, abre esta exceção para publicar, mais uma vez, em letra de forma e brindar seu público cativo com mais um título para ser lido e guardado com carinho. Todo bom livro merece ser bem tratado. E lido mais de uma vez, pois livro não foi feito para dormir na estante.


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Por Haroldo Livio - 16/7/2012 22:18:21
Lauro Vasconcelos Nascimento
(1938 - 2012)
Repercutiu, dolorosamente, na manhã de 8 de julho p. passado, a notícia do falecimento do montes-clarense Lauro Vasconcellos Nascimento, professor aposentado da Universidade Nacional de Brasília, que havia retornado a residir em nossa cidade, onde tinha muitos amigos e familiares. Bastante conhecido por suas aptidões artísticas, com incursões pela pintura, artesanato e outras manifestações criadoras, foi um dos jovens de maior destaque na sociedade local, nas décadas de 1950 e 1960. Foram seus pais o funcionário público Lauro Nascimento, chefe do antigo serviço de águas e esgotos da Prefeitura, e dona Nenzinha Vasconcellos Nascimento, pessoas muito conhecidas e bem conceituadas em Montes Claros e região, que deixaram numerosa descendência.
Aqui, antes de partir para participar da construção da nova Capital Federal, teve atuação de destaque na comunidade, presidindo o Diretório dos Estudantes de Montes Claros e o clube volante Social Figueira e figurando em diversos movimentos sociais e religiosos. Recorda-se que interpretou o papel do fundador da cidade, o bandeirante Antonio Gonçalves Figueira, no apoteótico desfile histórico-folclórico do Centenário, em 1957. Indo para Brasília, nos tempos primitivos da construção da cidade, foi convocado para ajudar seu primo Darcy Ribeiro, na tarefa de lançamento e consolidação da universidade, organizando com outros intelectuais o departamento de artes. Empenhou-se, por anos a fio, nessa missão pioneira, da qual se afastou apenas ao soar a hora da aposentadoria e do regresso à origem. Deixou obras publicadas, filhos e netos.


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Por Haroldo Lívio - 2/7/2012 16:20:13
Cartas de Esperidião Santa Cruz

Haroldo Lívio

Em 1957, a comissão organizadora do Centenário de Montes Claros teve o cuidado de convidar para virem participar dos festejos todos os montes-clarenses ilustres que moravam fora da terra natal. Um destes foi o poeta Agenor Barbosa, considerado por Cândido Canela como o maior de todos os menestréis nascidos nesta cidade. Pouca gente, hoje em dia, sabe de quem se trata. Tornou-se completamente desconhecido de seus conterrâneos, com o passar dos anos; no entanto sua memória é reverenciada em São Paulo que, de certa feita o elegeu para o rol dos dez maiores poetas paulistas, juntamente com Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia e outras celebridades. Pergunte ao Google, se desejar mais informações sobre o personagem.
Ele saiu daqui ainda criança, na mudança de sua família para Belo Horizonte, onde iniciou os estudos e ganhou fama no meio literário como trovador de rara inspiração. Da capital das Alterosas alçou vôo para a terra da garoa, tendo ali crescido ainda mais e conquistado lugar cativo no coração dos paulistas, que o tinham como um dos nomes gloriosos da literatura de São Paulo, a despeito de ser um mineiro do sertão. Por ocasião da badalada Semana de Arte Moderna de 1922, o montes-clarense Agenor Barbosa foi o único participante aplaudido pelo público, que vaiou Manuel Bandeira, Villa-Lobos, Mário de Andrade e outros famanazes das artes. Recomendo ao leitor a leitura de sua biografia completa, na obra “Efemérides Montesclarenses”, de Nelson Vianna.
Pois devidamente convidado para o Centenário, ele não se dignou de vir participar das comemorações festivas. Pode ter tido suas razões, quem sabe... Porém, nosso poeta Cândido Canela tomou-se de dores pelo não comparecimento do colega que gostaria de conhecer pessoalmente e escreveu uma série de cartas em que um velho montes-clarense chamado Esperidião Santa Cruz, havia mais de meio século ausente de seu berço e morto de saudade, lamentava não mais poder regressar à terra de origem, para rever os amigos da mocidade. Esperidião foi o pseudônimo que o inspirado autor das cartas criou para substituir o nome real do homenageado Agenor Barbosa. A cidade inteira acompanhou a publicação, na Gazeta do Norte, das cartas chorosas que foram chegando toda semana. Nos saraus familiares tornou-se o assunto predileto, porque o macróbio Esperidião, apesar de ser um ancião de escasso convívio, recordava-se nitidamente da Montes Claros de sua mocidade. Declarava os nomes de seus antigos companheiros de bailes e serestas, como também se lembrava das donzelas românticas de seus tempos de rapaz. Ninguém sabia, exceto o jornalista Jair Oliveira, que se tratava de uma brincadeira do autor das cartas, e ambos se divertiam com o sucesso de público.
O relato das cartas era tão fiel à realidade, que algumas pessoas de boa memória acreditaram ter conhecido pessoalmente o missivista Esperidião Santa Cruz, que ao final das publicações ficou muito mais conhecido do que o próprio Agenor Barbosa. Agora mesmo, a Dra. Maria Ribeiro Pires, escritora e oradora de mão cheia, está à procura de exemplares do jornal que publicou as cartas, há mais de meio século. Está com a palavra o guardião da coleção encadernada da Gazeta do Norte, que não sabemos de quem se trata.


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Por Haroldo Lívio - 7/6/2012 17:58:01

Montes-clarenses falsificados

Haroldo Lívio

Volta meia, surge em nossa cidade boato sem fundamento atribuindo a naturalidade montes-clarense a pessoa que tenha alcançado celebridade, positiva ou negativamente. Assim ocorreu logo que apareceu nos gramados do futebol o fenômeno chamado Pelé. O aparecimento e o reconhecimento dos méritos esportivos do Rei aconteceram da noite para o dia em sua extraordinária performance na Copa da Suécia, em 1958, quando a seleção canarinha sagrou-se campeã do mundo. O entusiasmo pelo atleta modelo contagiou toda a nação e especialmente a torcida de Montes Claros, onde algum torcedor de imaginação fértil espalhou o boato de que seria Pelé montes-clarense nato. Outros mais abraçaram a tese acrescentando detalhes do suposto nascimento. Houve quem se lembrasse de Dondinho, o pai do craque, dizendo onde morara na cidade e dando certeza de sua partida para Três Corações, num caminhão de mudança, levando a família já acrescentada do bebê Edson Arantes do Nascimento, com poucos dias de nascido e ainda sem o registro civil, que foi feito naquela cidade. Ora, o decurso do tempo, o livro e o filme biográfico de Pelé provaram que tudo foi conversa fiada, sem pé nem cabeça, que não passou de um delírio de um montes-clarense bairrista.
Nessa mesma época, um crime hediondo abalou o país inteiro, por ocasião do estupro e assassinato da jovem Aída Cury, no Rio de Janeiro, que foi vítima de um grupo de rapazes de classe alta. Toda a atenção da sociedade brasileira esteve voltada para a apuração do homicídio cometido com requintes de crueldade e covardia. Durante semanas seguidas a revista O Cruzeiro publicou série de reportagens assinadas pelo repórter David Nasser e avidamente lidas pelo público estarrecido com o crime. Pois não é que começou a circular a notícia de que a infeliz garota teria nascido e vivido algum tempo em Montes Claros. A própria série de reportagens, informando tudo sobre a pessoa da vítima, provou que a notícia não passava de mero boato. Era alguém querendo atrair os holofotes da imprensa nacional para a cidade, provincianamente,
Aí por volta de 1970, houve outra tentativa de atribuição da naturalidade montes-clarense a uma celebridade da página policial. Naqueles dias, o nome mais citado no noticiário do crime era o do assaltante Lúcio Flávio Vila Lírio, moço bem apessoado e de família de classe média, que virou um mito e inspirou o livro “O passageiro da agonia”, posteriormente transportado para o cinema. Seu pai, Osvaldo Lírio, funcionário graduado da Central do Brasil, manteve um programa de estúdio na ZYD-7 e era muito benquisto em nosso meio. Descobrindo o parentesco do radialista com o famoso bandido dos morros cariocas, espalharam que o personagem era nascido em Montes Claros. Novamente, o boateiro estava mentindo. Ouvido a respeito, o querido poeta Cândido Canela, que foi colega de rádio do pai, esclareceu que o rapaz nasceu depois do retorno de sua família para o Rio de Janeiro. Esses boateiros são incorrigíveis...


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Por Haroldo Lívio - 27/5/2012 17:24:42
Reginauro

Haroldo Lívio

Era um garoto que, como todo luiscarlosnovaes, amava os Beatles e os Rolling Stones. E não poderia ser de outra forma, visto que nasceu no Ano Santo de 1950, faltando apenas cinco anos para a gravação da música¨”Ao balanço das horas”, no filme de mesmo nome, que revolucionou a juventude do mundo inteiro lançando o ritmo do rock. Foi também o ano aziago em que a seleção brasileira perdeu a Copa do Mundo para o Uruguai, em pleno Maracanã, de virada.
Para a imprensa de Montes Claros, que naquele ano era formada apenas de um jornal e uma emissora de rádio, marcou o nascimento em Almenara, cidade mineira do Jequitinhonha, próxima da Bahia, de um jornalista que pode ter sido seu maior repórter de todos os tempos. Não corro o risco de estar exagerando ao estabelecer um conceito para o amigo querido que partiu há poucos dias, deixando um grande vácuo em sua ausência, difícil de ser preenchida por outro profissional da imprensa. Ouvido a respeito disso, Waldyr Senna Batista, seu primeiro chefe de redação, no O Jornal de Montes Claros, que costuma ser rigoroso em suas avaliações, declarou que Reginauro Silva foi “excelente repórter”. Nada mais precisa ser dito, a não ser que foi crescendo a olhos vistos, muito lido e admirado nas matérias que assinava, e passando por diversas redações da imprensa local. Tornou-se, então, bastante conhecido como jornalista brilhante e teatrólogo, dotado de rara criatividade no exercício de seu mister.
Tive o privilégio, por mero acaso, de vê-lo iniciando-se, no trabalho, ainda adolescente, no balcão do Bar Vilas-Boas, na Praça Coronel Ribeiro, servindo cafezinho a pessoas comuns e também a celebridades. Lembro-me dele atendendo o esportista e jornalista “Tu” Peixoto”, o contador Leônidas Leão, o professor Pedro Santana. Por ali também passaram o ecologista José Gonçalves Ulhoa, o britânico diamantinense João Walter de Godoy Maia, o gramático José Márcio de Aguiar, o filosófico “seu” Pires e outros que se perdem nos desvãos da memória, tanto tempo faz. Vejo-o caprichando o cafezinho para Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, e outros artistas que se hospedavam no Grande Hotel São José, a exemplo de Cauby Peixoto e Nelson Gonçalves. Não me esqueci de que os boêmios habituais do bar chamavam Reginauro de Brizola, carinhosamente,porém não me recordo da origem do apelido. Talvez pela inteligência e agilidade que viram nele, prevendo um futuro promissor para o garoto..
Ele poderia ter-se perdido, na orgia, como a maioria dos jovens de sua geração, marcada pela trilogia sexo, droga e rock’n’roll, mas largou a turma a tempo de salvar a bela carreira de jornalista que construiu. Só se lamenta que não tenha seguido outros moços que partiram para centros maiores e fizeram carreira de nível nacional. Não se imaginava vivendo e trabalhando em outra cidade que não fosse sua adorada Montes Claros, a qual coroou com a denominação poética de Cidade da Arte e da Cultura.


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Por Haroldo Lívio - 8/5/2012 09:34:01
A Fuga

Haroldo Lívio

Quem já leu ou já viu as apresentações do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, ou de Vida e Morte Severina, de João Cabral de Melo Neto, certamente gostará da performance de Manoel Vilela, pernambucano do Agreste, na interpretação do monólogo “A Fuga”, de sua autoria e de seu uso exclusivo para o grande círculo de amizade que angariou ao longo de sua vida. Para apreciar o espetáculo teatral vem gente de longe. Do Recife, de Belo Horizonte, do Rio de Janeiro, de São Paulo, Salvador e outras paragens por onde tem passado em suas andanças de nordestino que sempre gostou de correr mundo. O esperado monólogo resume-se numa reunião de amigos e vizinhos que costuma fazer anualmente, em sua casa hospitaleira, em que, entre deliciosos comes e bebes, ele, o anfitrião, faz um relato tragicômico de suas venturas e desventuras de ex-flagelado da seca do Nordeste.
Sua história pessoal de retirante, que deixou o povoado natal no município de Garanhuns, a cidade onde o padre matou o bispo, guarda alguma semelhança com a trajetória de outro menino, chamado Luiz Inácio da Silva, que morava em outro povoado a pouca distância do seu, por mera coincidência e em outra época mais recente.
O enredo desta odisséia, narrada pelo próprio personagem, representa situações comumente vividas por outros nordestinos, oprimidos pelo drama da seca cíclica, que deixavam seus lares e tomavam o primeiro pau-de-arara em busca da terra prometida, ao Sul, onde, rezava a lenda, esperavam encontrar correndo rios de leite e mel. Ou, pelo menos, chovesse no chão e a asa branca não fosse embora para longe. Prestem atenção na fala do ator, que acumula as funções de autor e diretor desta interessante peça da dramaturgia nordestina. Ele vivencia o drama da seca e da ilusão do retirante.
Ele tinha apenas 14 anos de idade, em 1952, quando fugiu de casa, burlando a vigilância de seus pais, e praticamente se escondeu na carroceria de um caminhão que partiu para o paraíso de São Paulo. Dá para imaginar a penúria de uma criança inexperiente enfrentando as dificuldades de sobrevivência na terra da garoa, à procura de emprego e exposto a todo tipo de perigo. Seu plano falhou e ele decidiu vir para Montes Claros a fim de trabalhar na loja de calçados de seu bondoso tio José de Souza Zumba. Foi aí que a sorte mudou, e de lá para cá encontrou o caminho de sua vitória na luta pela vida. Encontrou o emprego, entrou para o ginásio, conheceu Nair, sua futura cara metade e mãe de seus filhos Andréia, Patrícia e Gustavo, seu patrimônio afetivo. Sua esposa e companheira de trabalho, muito participante em todas as campanhas que enfrentaram, divide com o esposo a coroa de glórias. Mudaram-se para Belo Horizonte e lá iniciaram a labuta com um pequeno negócio de fabricação caseira de pastéis. Este foi o ponto de decolagem para vôos estratosféricos. Sempre trabalhando com seriedade, obtiveram ótimos resultados em todos empreendimentos, fixando-se, por último, na construção civil. O menino retirante acabou incorporador de edifícios de apartamentos de luxo, que costuma batizar com os grandes nomes da música erudita. Acho muito mais importante dizer que esse crescimento pessoal se deu sem abrir mão do brio e da dignidade.
Não percam o espetáculo, na noite de 25 de maio, no Portal de Eventos. Infelizmente, não haverá venda de ingressos. Apenas convidados serão admitidos. Sucesso!


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Por Haroldo Lívio - 14/4/2012 16:36:56
Croniquinha proposital

Haroldo Lívio

Atenção, amigo leitor, por acaso, você já foi chamado alguma vez de poeta? Talvez você ainda desconheça o poeta que traz escondido dentro de seu (pobre) coração. De médico, poeta e louco, todos nós temos um pouco, diz o adágio. Certa vez, o historiador Hermes de Paula, que era médico e gozava de boa saúde, contou-me, em entrevista, achando muita graça, ter sido chamado de poeta pelo folclorista Câmara Cascudo. Ao que se sabe, até aqui, o privilégio de ser tido nesta alta conta é de Drummond, é de Bandeira, Vinícius...
O Brasil é muito rico em jazidas de minérios, de pré-sal e de lirismo puro; em cada esquina você pode ter a felicidade de bater um papo com um poeta. Gente assim, inspirada, sentimental, sofredora, não tem estrela na testa indicando que se trata de um bardo à disposição de quem seja capaz de saborear um favo de poesia, que é doce que nem mel, quando fala de amor; e amargo que nem fel, quando chora um desengano. Antigamente, os poetas eram ouvidos e queridos, havendo alguns que diziam ouvir e entender estrelas. Porém, a poesia ainda anda por aí, no meio da rua, por toda parte, feito nuvem de chuva no céu, feito tarde de sol no estio, com cigarras cantando, sem que o sujeito, absorvido pelo cotidiano esterilizante, possa abrir um intervalo de admiração para contemplar a simplicidade encantadora da vida. Aponto o exemplo do intrépido jornalista Oswaldo Antunes que, em mais de meio século de serviço ativo e producente, construiu imagem de ser exclusivamente homem de imprensa, de agenda cheia, que não teria tempo para vagar por aí, tocando viola e versejando, à luz da lua merencórea.
No entanto, depois de aposentado e com o livro de memórias publicado, retira a máscara de audaz articulista para exibir sua verdadeira face de trovador renascentista, revelando, neste volume, a face preponderante de sua alma de artista. Intitulou sua obra poética de “Estrela final”, dando por encerrada a produção do menestrel, o que não pode ser verdade. Assim como passou a vida inteira incógnito, sem permitir sua identificação como poeta de primeira categoria, apresentando-se apenas como o mestre insuperável da prosa jornalística, suspeita-se de que esteja ocultando matéria já pronta, para encher outros volumes de poesia de alta voltagem. O futuro confirmará esta desconfiança. Por cautela, é aconselhável ficar de olho nele: tem que publicar.
Retornando ao título, perguntaria como explicar a presença desta prosaica croniquinha, mero subgênero literário, ocultada dentro deste ramalhete de versos trabalhados com o suor do criador e perfumados com a pureza de suas essências raras. Cartas para a Redação do O Jornal de Montes Claros.
(Este texto foi aprovado pelo saudoso poeta para a “orelha” de “Estrela final”.)


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Por Haroldo Lívio - 25/3/2012 16:55:10
Casa de GG

HAROLDO LÍVIO

A demolição da casa de Godofredo Guedes, na Rua Rui Barbosa, não quer dizer que seu nome começa a ser esquecido pela cidade que tanto amou e onde viveu a maior parte de sua vida. Aqui, naquela pequena casa, ele produziu a parte mais importante de sua obra artística e criou sua família de artistas. A primogênita, Teresinha, é pintora e já expôs seus quadros diversas vezes. O primeiro varão, Zeca, deu o duro em letreiros comerciais, colocando a logomarca GG, em cartazes e caminhões, e também é pintor acadêmico muito apreciado, embora parecesse que já tenha se aposentado, o que é uma pena. O segundo varão, que já vive em nossa saudade, o inesquecível Patão, era mais um pintor da prole de GG e dona Júlia, a baiana que preparava a melhor feijoada à baiana, em toda parte, incluindo-se a Bahia. O terceiro varão e caçula, Beto Guedes, partiu para a seara musical, seguindo as pegadas paternas, achando-se consagrado como uma das vozes gloriosas da música popular brasileira. É nome nacional e definitivo.
Montes Claros reverencia a obra musical e pictórica de GG dando seu nome a uma praça central e à galeria do Centro Cultural. Parece que as homenagens expressam o sentimento de gratidão e veneração da cidade, pelo artista que a elevou na melodia de suas canções e na beleza visual das telas que mantêm vivos a capela do Rosário, o Mercado antigo e diversas construções que não mais existem, derrubadas que foram pelas picaretas da explosão de crescimento urbano e pela especulação imobiliária.
Felizmente, Godofredo Guedes estava presente, por um capricho do destino, e documentou, em seus quadros, parte significativa de nosso patrimônio histórico. Porque, talvez não saibam, houve a ameaça de GG fixar residência em outra cidade da região, quando deixou a Bahia. Teria corrido, então, a história por um rumo diferente e com enorme prejuízo para Montes Claros, que não teria se enriquecido culturalmente com suas criações. Buscando as montanhas alterosas de Minas Gerais, ele, o artista, deixou-se encantar pela paisagem de Monte Azul e ali se estabeleceu com uma farmácia. Lá pelas tantas, recebeu um recado do prefeito todo-poderoso, coronel Levi Souza e Silva, de que tratasse, com urgência, de levar sua botica para outra cidade, pois não havia lugar para mais uma farmácia, concorrendo com a que já existia.
Foi assim, truculentamente, que GG mudou seu destino e o nosso destino, partindo da aprazível cidade do monte azul para a cidade dos montes claros.

(Do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros)


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Por Haroldo Lívio - 10/3/2012 06:54:04
Centenário de Jader Figueiredo
 
HAROLDO LÍVIO
 
Há precisamente oitenta anos atrás, no ano de 1932, um jovem montes- clarense de vinte anos, quase adolescente, alistou-se para combater os paulistas na Revolução Constitucionalista. Pena que ele tenha escolhido a bandeira errada, porque os sediciosos de São Paulo estavam lutando por um ideal democrático, porém o espírito da mineiridade falou mais alto e o fez envergar o uniforme da Força Pública de Minas Gerais. Por seu grau de instrução de ex-aluno do célebre Gymnazio Leopoldinense, recebeu a patente provisória de 2º Tenente e partiu para a frente de combate comandando um pelotão. Participou de escaramuças, no teatro de operações, até que veio a celebração do armistício, com a rendição dos bravos paulistas que clamavam pela convocação de uma constituinte. Após o cessar-fogo, o tenente Jader foi designado governador militar da cidade de Leme, então ocupada por tropas mineiras. Ocupou a prefeitura e passou a administrar o município, sem contar com o apoio da população, que o rejeitava.
No começo da interventoria, mal podia sair à rua, pois os moradores, humilhados com a presença do inimigo, batiam as janelas à passagem do governador militar que, habilmente, encontrou meios para aproximá-lo dos cidadãos lemenses. Tomou gosto pela administração municipal e deixou marcos de sua passagem pelo governo, ao fim do qual conseguiu efetivar diversos melhoramentos urbanos. Conquistou, finalmente, a simpatia da cidade inteira, tanto que ao encerrar seu período deixou Leme debaixo dos aplausos da cidadania agradecida, que compareceu maciçamente ao seu embarque de volta para casa. Quem praticou esta proeza política foi um garoto de vinte anos, mal despertado para a vida.
Jader Dias de Figueiredo, o tenente de que falamos, faleceu há dez anos e nasceu há cem anos, no dia 15 de março de 1912. Poucos montes-clarenses amaram o seu berço com a mesma intensidade que ele o amou. Ele era apaixonado por sua terra natal, sendo capaz até de violência para beneficiá-la, como o fez quando obteve de JK, seu grande amigo e confidente, a transferência da diretoria da Comissão do Vale do São Francisco (hoje Codevasf) de Pirapora, na beira do rio, para Montes Claros, no seco. Por estas e outras, sempre que surgia uma empreitada difícil, tipo missão impossível, lembravam-se de confiá-la ao comando de Jader Figueiredo, tido como o  homem providencial e capaz de operar milagres em situações aflitivas.
Por ocasião do rumoroso crime passional do Hotel Trampolim, no Rio de Janeiro, em 1953, envolvendo o pecuarista João Alencar Athayde em duplo homicídio, Jader comandou uma força-tarefa de homens destemidos dispostos a correr perigo em defesa do amigo em apuros, ferido e exposto à sanha dos colegas das vítimas, dois policiais civis.. Não só garantiu a integridade física do pecuarista, com seus fiéis escudeiros, como também teve participação primordial na coordenação da defesa do réu em juízo, sendo um dos artífices da estruturação da tese de legítima defesa, que foi admitida na sentença de impronúncia que dispensou o júri popular, isentando-o de culpa.
O criminalista Sobral Pinto, patrono da causa, tornou-se grande admirador da inteligência e da habilidade diplomática do montes-clarense, lamentando que não fosse advogado.
Engano do mestre, pois o nosso personagem já tivera experiência de advogado criminal, em tempos idos, na comarca de Coração de Jesus, quando o juiz o nomeava defensor dativo do réu pobre que não dispusesse de recursos para contratar advogado. E diplomata, representando o Brasil, ele o foi também em 1956, chefiando a delegação brasileira em um congresso iberoamericano de municípios, em Madri. Esteve em Roma e foi recebido pelo Papa Pio XII, em audiência especial na residência de verão de Castel Gandolfo. Voltou de lá com a bênção apostólica do sumo pontífice, mas não mudou nada por este motivo. Continuou vivendo como gostava de viver e achava que valia a pena viver.
Foi vereador, foi deputado, foi nomeado secretário de administração pelo governador  Bias Fortes e não quis tomar posse. Passou bom período morando só em uma ilha fluvial, observando a natureza e refletindo. Quem poderia entender o que passava por sua cabeça de elevado QI. Contudo, foi o norte-mineiro mais bem relacionado na vida pública nacional, depois do ministro Francisco Sá, não resta a menor dúvida. Esteve bem próximo de Juscelino, de Jango, de Santiago Dantas, de Tancredo Neves, mas nada pleiteou para si desfrutando da intimidade dos poderosos. Gostava da tranqüilidade, do pôquer com os amigos, de recordar os bons tempos do cassino da Pampulha, onde deslizava pelos salões ao som caribenho da orquestra Lecuona Cuban Boys, quando o jogo era livre; das partidas no Clube Montes Claros e no Automóvel Clube de Belo Horizonte. Na Capital, ele e Hermenegildo Chaves, o Monzeca, depois de fechado o clube e já nos primeiros albores da manhã, iam para o Mercado Central comer feijoada e matar saudades de Montes Claros.
Jader não envelheceu esquecido num canto, embora quase não saísse. Tinha a casa sempre cheia de amigos e recebia o afeto da família, que não lhe faltou. Sua cidade, por projeto da vereadora Fátima Pereira, destinou seu nome à rua situada na lateral esquerda da Codevasf, em agradecimento pelos serviços prestados, faltando apenas colocar a placa. Solenemente, com fogos e banda de música, como manda o figurino.


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Por Haroldo Lívio - 25/12/2011 01:01:46
Crônica de Natal

Haroldo Lívio


Antigamente, Papai Noel, o bom velhinho de barbas brancas, existia de verdade. Chegava de madrugada, enquanto as crianças dormiam, abria um buraco no telhado, descia com sua pesada bagagem de brinquedos e colocava presentes nos sapatos dos petizes. Depois, saía como havia entrado,para voltar no próximo ano. Durante toda a noite santa, o velhinho dos presentes ameaçava aparecer perante os meninos curiosos, como um fantasma benfazejo, porque eles acreditavam piamente na existência real daquele mensageiro da felicidade.
Hoje, todavia, as crianças já não acreditam que aquele velhote simpático seja quem lhes envia dádivas natalinas. Quando eu era menino, era proibido de sair à rua, na noite de Natal, porque aos meninos não era permitido ver os pais de seus amigos fazendo compras. Tínhamos de ficar em casa, fazendo castelos, até às 10 horas; depois, então, todos para a cama. Com ordem de fechar os olhos e dormir porque o santo homem não deixa presentes para meninos acordados.
Só os adultos, os pobres adultos que já sabiam da verdade, é que iam à Missa do Galo. E nunca conseguimos apanhar o velhote mexendo em nossos sapatos, que eram colocados sobre a chapa do fogão. Corria uma lenda de que ele descia na cozinha, e que muito menino já ficara sem presente, por ter posto seu sapato junto à porta da rua. Um meu primo, Nildo, jurava já ter visto Papai Noel. Não acreditávamos, nem desacreditávamos, pois o bom homem de fato existia. E se existia, poderia muito bem ser visto por olhos humanos. Agora, que o mistério foi desvendado, Papai Noelzinho é um boboca, menino que acredita nele é um tolo. Acabou-se o encanto. Os guris vão às lojas com seus pais, olham as vitrinas e voltam para casa com o presente escolhido. Nada de baboseiras. Comem o leitão de madrugada e bebem vinho tinto como gente grande, já que a criança é um homem pequeno. E trocam saudações em inglês: Merry Christmas, Merry Christmas! E riem da fantasia de Papai Noel que Mané Quatrocentos usa todos os anos, para ganhar alguns trocados e reforçar a receita de fim de ano.
Contudo, nossa ilusão permanece intocável, não poderá jamais ser mutilada em sua forma inocente, porque se Papai Noel de fato não existe, ele deve e precisa ter existência real, é necessária a sua vinda. Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade!Que o espírito de Natal esteja nesta sala, entre nós, e principalmente no coração de toda a humanidade.( O Jornal de Montes Claros, edição de 24.12.1963)


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Por Haroldo Lívio - 1/12/2011 22:27:27
Reminiscência

Cine-Teatro Ruy Barbosa

HAROLDO LÍVIO


Em nosso tempo de menino, nas Contendas, conhecia cinema só quem já tivesse ido a Montes Claros, que chamávamos de “a cidade”, como se as demais não tivessem o grau citadino. Foi por aí, por volta de 1948/1949, que tivemos o primeiro contato com a Sétima Arte. Apareceu por lá um cinema ambulante, que se resumia na tela, armada no mercado municipal, e um projetor. Entrada franca, com o comparecimento maciço de adultos que ainda desconheciam o invento e da garotada que estreava como espectador. Recordo-me, mesmo passado tanto tempo, termos ficado maravilhados com o maior espetáculo da Terra, segundo nossa reação diante da novidade que a tecnologia abriu aos nossos olhos inocentes de criança. O filme era em preto e branco e mudo, mesmo assim ficamos encantados, deslumbrados com a magia do cinema, por causa das figuras que se movimentavam, ao contrário do que se via nas fotografias.
Depois do teste satisfatório do cine ambulante, o vigário da paróquia (cônego Pedro Hendriks) comandou a iniciativa de dotar nossa cidade de uma sala de cinema permanente, que funcionaria na sede do nascente Grêmio Ruy Barbosa, usando o salão de baile. E assim se combinou e assim se fez. Inicialmente, teria de haver boa vontade do público, ou melhor, dos freqüentadores, porque os gastos com a compra do equipamento não permitiram a aquisição de cadeiras, que seria feita assim que possível. O público aderiu à proposta e cada espectador saía de casa levando a cadeira debaixo do braço, geralmente daquelas de abrir e fechar. Esse pormenor me emociona até hoje e destaca o espírito comunitário que identifica o brasilminense, sempre disposto a participar do trabalho pelo crescimento de nossa cidade.
Numa segunda etapa, foram adquiridas as cadeiras e o Cine-Teatro Ruy Barbosa continuou funcionando e cumprindo seu papel de divertir e educar a população que lotava as sessões dominicais para conhecer os grandes filmes produzidos pela usina de sonhos de Hollywood. Filme europeu não chegava lá, queixavam-se as pessoas viajadas que freqüentavam cinemas das capitais.
Para nós, meninos e iniciantes, estávamos, contudo, no melhor dos mundos possíveis, principalmente depois que chegaram os filmes coloridos. Estava tudo muito incrível, muito fantástico, muito além da imaginação, considerando que antes da primeira exibição, no mercado, nem sabíamos se o nome correto da novidade era cinema ou “cimema”. Agora, vivíamos a idade de ouro da vida social e cultural de nossa terra. Olha que os mais afoitos já ensaiavam as primeiras palavras em inglês. Enquanto o espectador, já acomodado, aguardava o prefixo, deliciava-se com a música da coleção de discos do cônego holandês. Ficava embevecido com os sucessos da bela música universal: o Bolero de Ravel, a orquestra de cordas de George Boulanger executando o tango “No Mar Negro”, Jealousie, La Paloma e outras doçuras sonoras.
Acredito, hoje, que o saudoso Cine-Teatro Ruy Barbosa foi o único cinema do mundo que vendeu ingresso fiado. Isso mesmo, para primeiro ver o filme e depois pagar. Quem dá esta informação é o próprio autor destas linhas, que era freguês do cinema fiado.
No meu caso, ao chegar à portaria, dizia ao simpático porteiro Neco Lopes para receber o pagamento de meu querido Pai. É que o porteiro era também o cacifeiro de uma mesa de pôquer que funcionava em uma sala atrás da sala de projeção e, ao cobrar o cacife do meu velho, que era o campeão do jogo, acrescentava o ingresso do menino.

(Para Ursinho, o pastor belga que partiu deixando corações entristecidos, especialmente o coração de Luciana, sua dona, que chora de saudade.)


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Por Haroldo Lívio - 15/9/2011 16:50:20
Gente de Hollywood em Montes Claros

Haroldo Lívio

Durante várias décadas, a partir do primeiro salão de cinematógrafo, como se dizia em tempos imemoriais, a paixão do montes-clarense foi o cinema. Desde o advento do cinema mudo, que arrebanhava multidões para ver os primeiros filmes produzidos nos estúdios de Hollywood e protagonizados por ídolos da estirpe de Rodolfo Valentino, Ramon Novarro, Greta Garbo, que nossos ancestrais enchiam a sala de projeção, para viver as grandes emoções despertadas pelos clássicos “Sangue e areia”, em sua primeira versão, “O Sheick” e tantos mais. A trilha sonora do filme ficava a cargo de músicos da cidade, que vitaminavam a sensibilidade do espectador com a beleza das melodias executadas, dando vida à cena muda.
Depois veio a grande novidade do cinema falado, em 1931, no filme “O cantor de jazz”, com Al Jolson no papel principal. Daí em diante, foi a fantástica transformação da Sétima Arte, conquistando milhões de novos aficionados no mundo inteiro. O cinema, que nasceu no século XIX, levou o público ao paraíso, quando juntou imagem e som, tornando-se completo. Em Montes Claros, que conheceu a diversão bem cedo, ir à sessão de cinema, para assistir ao maior sucesso da atualidade, tornou-se hábito de parte expressiva da população. Mais que hábito, havia freqüentadores tidos como viciados, principalmente os jovens.
Há meio século, em 1961, estavam funcionando seis salas: Fátima, Montes Claros, Coronel Ribeiro, São Luís, Ypiranga e Nova Olinda. Ainda não existia televisão, nem videocassete. O rádio transmitia somente o som, e a imagem sempre teve a primazia.
Em torno dessa época, o público, fascinado pelo glamour dos heróis e heroínas das histórias de amor e paixão vividas na tela, começou a identificar em pessoas da cidade, que ainda era pequena, sósias dos maiores astros e estrelas de Hollywood. Dizia-se que o maior de todos os galãs de cinema, Tyrone Power, parecia-se perfeitamente com o jovem Joaquim Carlos Macielo, dos Prates da Rua Dr. Veloso. O fazendeiro e rotariano Nozinho Figueiredo, criador de cavalos puro-sangue e hábil cavaleiro, com compleição física de “cow-boy”, era apontado por todos como o nosso John Wayne. É evidente que se tratava de uma brincadeira entre amigos. O elegante rapaz Wilson Parrela, que brilhava nos salões de dança, pela simpatia e por seu tipo peninsular, era considerado o clone de Errol Flynn. Dizia-se, ainda, que para o comerciante Geraldo Souto, proprietário da antiga Padaria Santo Antonio, ser sósia perfeito do ator Robert Mitchum não faltava nem a covinha do queixo. Um funcionário do Banco de Minas Gerais, Joaquim Pereira de Araújo, brasilminense, foi escolhido, por unanimidade dos votantes para representar Clark Gable, principal intérprete de “...E o vento levou.” Talvez nem se lembre mais desta aclamação. O ator Victor Mature, de “Sansão e Dalila”, se confundia com o advogado e professor de inglês José Carlos Antunes, mais tarde juiz de direito. Muita semelhança, de fato. Quando o ator secundário Victor McLaglen aparecia na tela algum espectador gaiato gritava o nome do esportista Zinho Bolão, e o teto quase desabava de tanto grito e assobio. Era uma farra. A escultora Helena Netto era muito comparada a Deborah Kerr, em sua performance de “Tarde demais para esquecer”. Havia outros sósias de astros e estrelas, de quem se lembraria o saudoso memorialista Necésio de Moraes. Aí pelo fim da década de 1960, o colunista social Theodomiro Paulino conferiu ao jovem José Luiz Rodrigues, rapaz da moda, o título de Alain Delon de sua geração. Deve ter sido a última indicação de clone.


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Por Haroldo Lívio - 17/8/2011 19:10:28
Cidade-Presépio

HAROLDO LÍVIO

Grão-Mogol carrega, como coroa de glória, o inspirado dístico de Cidade-Presépio com que o presenteou um de seus mais diletos filhos, o historiador Manoel Esteves, que é o patrono da biblioteca pública de sua cidade. Ele, que já partiu, passou a mocidade e a maturidade no Rio de Janeiro, onde ganhou renome de escritor e publicou três livros que ainda são lidos; sendo um de memórias de sua terra natal, um segundo de impressões de viagem e um terceiro apresentando um tratado sobre “ex libris”, que versa sobre símbolos em brasões e escudos. Esta terceira obra é considerada um clássico no estudo da heráldica e já foi traduzida para outros idiomas.
Grão-Mogol não tem por onde reclamar dos filhos que o destino lhe deu. Afortunadamente, é berço de nomes ilustres que brilharam em seu tempo, a começar do Intendente Câmara, pai da siderurgia no Brasil, que pesquisadores afirmam ter nascido no Vau, próximo à cidade. Francisco Sá, que foi o maior benfeitor do Norte de Minas, nasceu lá, na Fazenda Brejo de Santo André, na mesma casa onde nasceu o deputado Camilo Prates, representante da região no Congresso Nacional. Estes nomes tiveram repercussão nos grandes centros do país. Outros personagens, mais restritos ao meio local, porém merecedores de igual valor, também contribuíram para elevação do conceito da cidade garimpeira. Alguns estrangeiros e comerciantes de pedras preciosas, como os Laborne, os Jacob e os Blum, que trouxeram a influência civilizatória de seus países de origem. Em outra época, veio o trabalho de homens como os professores Antonio Bicalho, Artur Campos, Cícero Pereira e seu irmão Zeca, Polidoro Figueiredo, José Mendonça Mota e tantos mais.
A mulher grão-mogolense também marcou presença nessa obra coletiva de enriquecimento sociocultural da Cidade-Presépio, merecendo menção a historiadora Teresinha Vazquez, que publicou o segundo livro da história local, e a compositora Teresinha Paulino, autora do hino oficial de Grão-Mogol. Não pode ser omitida, sob nenhum pretexto, a importância da participação decisiva, nos tempos imperiais, do cidadão Gualter Martins Pereira, que foi agraciado com o título de Barão de Grão-Mogol. A cidade sesquicentenária está prestes a ser contemplada, por um de seus devotados filhos, com um precioso e inesperado presente de Natal, que haverá de confirmar a designação de Cidade-Presépio.
O grão-mogolense Lúcio Bemquerer aposentou-se do trabalho, está com a família criada, de missão cumprida, e retornou à casa paterna, que escolheu para seu derradeiro refúgio. Ali, ao lado de Wilma, pretende desfrutar do que a vida possa oferecer para o repouso do guerreiro. Não sendo de ficar parado, está executando o projeto de montagem do maior presépio natural de que se tem notícia. Aproveitando a colaboração da natureza, edifica, entre pedras gigantescas, o cenário bíblico do nascimento de Jesus Cristo, na gruta de Belém, com total conforto para o visitante, que utiliza rampas de acesso no caminho que conduz à manjedoura, sem cansar e apreciando a paisagem. Estátuas em tamanho natural com um metro e noventa de altura representam o carpinteiro José, Maria, a mãe imaculada, e o Menino. Todos os circunstantes do milagre natalino estão presentes: os magos, os pastores, as ovelhas, o boi e o burro, como nas lapinhas de nossa infância. Lúcio deu ao monumento o nome de Mãos de Deus e pretende inaugurá-lo antes de 25 de dezembro, pois é um régio presente de Natal para a cidade onde nasceu.


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Por Haroldo Livio - 9/6/2011 21:03:59
Cinquentenário da Unimontes
 
Haroldo Lívio 
 
Saiu nos jornais a foto da cúpula dirigente da Unimontes soprando as 49 velas do bolo de aniversário da nobre instituição de ensino. A comemoração da efeméride foi preparatória do grandioso evento que deverá marcar a passagem do jubileu de ouro, no próximo ano. Amigo nosso, muito exigente em matéria de datas e números, telefonou estranhando a contagem feita, alegando que a universidade foi criada pela Constituição do Estado, em 1989. Esclareci a ele que a Unimontes é um novo capítulo de uma epopéia iniciada no dia 24 de maio de 1962, quando o governador Magalhães Pinto transferiu para Montes Claros a sede simbólica do governo estadual especialmente para assinar diversos atos de interesse local. Sem a menor dúvida, pode-se afirmar, quase meio século depois, que o ato de maior importância foi a sanção do projeto de lei, de
autoria do saudoso deputado Cícero Dumont, criando a Universidade Norte-Mineira.
Esta foi a pedra fundamental da Unimontes, com outro nome, é claro. Só dois anos depois, em 1964, foi instalada a primeira unidade de ensino superior de nossa história, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, por iniciativa de uma elite de jovens professoras egressas da UFMG. Como a Universidade Norte-Mineira não preenchia os requisitos da legislação federal, para funcionamento, e a Fafil ficou dependendo de estar vinculada a uma fundação educacional, uma das fundadoras solicitou a colaboração do namorado para solução do impasse. Este, com a solicitude própria do pretendente flechado por Cupido, não se fez de rogado e colocou à disposição dos pioneiros a Fundação Educacional Luiz de Paula. (O amor é lindo!)
Mais tarde, houve necessidade de criar uma fundação pública para capitanear o conjunto escolar formado pelos cursos de direito, medicina e economia. Esta foi a fase brilhante da Fundação Norte-Mineira de Ensino Superior, em que, todavia, o aluno ainda tinha que pagar a mensalidade, embora fosse módica.
A gratuidade, que facilitou formação acadêmica para milhares de jovens, foi alcançada através de uma emenda ao projeto da atual constituição estadual, de autoria do deputado Milton Cruz, salvo engano. Tive o privilégio de testemunhar a estadualização de nossa universidade, na galeria da Assembléia Legislativa, durante a sessão solene de promulgação. Pouca gente talvez se lembre de que a Unimontes já poderia ter 55 anos de fundação. No ano de 1956, o deputado Plínio Ribeiro chegou do Rio de Janeiro anunciando, com muita esperança, a possibilidade de o governo federal criar em Montes Claros uma faculdade de odontologia e farmácia. A novidade foi noticiada nos jornais e  está anotada por Nelson Vianna em sua obra Efemérides Montesclarenses. Sabe o que aconteceu? Nada. O presidente JK puxou a brasa para sua sardinha e levou o curso de odontologia para sua adorada Diamantina (cidade que todos nós adoramos). Por que não criou aqui o curso de farmácia?


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Por Haroldo Lívio - 13/4/2011 15:52:03
Artes: a felicidade do patrocínio

Haroldo Lívio

Aqui, na Cidade da Arte e da Cultura, o patrocínio de entidades que lidam com cousas do espírito – música, pintura, dança, teatro, literatura etc. – tem sido garantido, em sua maior parte, pelos poderes públicos. Aí estão, para confirmar a afirmativa, a vigorosa atuação do Conservatório Lorenzo Fernandez, mantido pelo Estado, e do Centro Cultural Hermes de Paula, da administração municipal.
Ultimamente, a iniciativa dos próprios artistas vem acelerando substancial crescimento do setor através da criação de novos espaços destinados ao aprimoramento artístico das vocações jovens e também dos vocacionados de outras faixas etáreas. Seguindo essa tendência de expansão do cenário, apareceu a galeria da pintora Márcia Prates, local consagrado por várias exposições de artistas plásticos, e mais recentemente, outra galeria, de nível internacional, fundada pelo caricaturista Márcio Leite, que se impôs rapidamente à admiração do público e da crítica. Foram surgindo, no Centro e nos bairros, de iniciativa comunitária, entidades voltadas para manifestações do folclore indígena e afro-brasileiro, consolidando a iniciativa da sociedade.
Nossa cidade mais que sesquicentenária acaba de ser contemplada com mais uma instituição para educação artística, também idealizada, planejada e edificada por um dos grandes nomes de nosso patrimônio intelectual: Felicidade do Patrocínio Silveira. Montes-clarense de nascimento e paixão, Felicidade é multifunção nas letras e nas artes, dedicando maior atenção à cerâmica, por ser o ramo que fala mais perto ao seu coração feminino e atinge mais fundo sua sensibilidade de criadora de beleza. Ela, criatura naturalmente meiga e frágil, se entrega, no mister de ceramista, a um trabalho exaustivo que muito homem rude evitaria enfrentar. É a sua arte, o que se há fazer!
De enxadão em punho, esta artista delicada, de voz suave, moça de boa família, acredite, cava o chão à procura de argila, que é a matéria-prima de sua produção. Depois de extrair o precioso barro, modela a imagem concebida por sua inspiração e a leva ao forno, de onde, após o cozimento perfeito e a custo de muito suor, retira a obra de arte perfeita e acabada. Este seu trabalho árduo e desconfortável contrasta com sua imagem pessoal. Assim funciona o Ateliê/Galeria Felicidade Patrocínio, na Rua São José, atrás da Igreja de Santo Expedito. Alto Severo.
Tem diversos cursos, instalações modernas construídas com seus recursos próprios e contando com a ajuda solidária de seus irmãos. A escola de artes já nasceu fadada ao sucesso. É a criança que já nasceu falando, e nasceu no paraíso criado pela fundadora, onde ainda existem delicadezas como asa de borboleta, ninho de beija-flor, zumbido de abelhas, cantiga de sabiá. Desconfio de que lá ainda corre, debaixo do chão, a nascente do córrego do Jenipapo, cujo curso terminava nos terrenos dos herdeiros de Christino do Ó, onde hoje está o prédio da Prefeitura. Cercada de tanto lirismo, a galeria/escola só poderá crescer e frutificar.


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Por Haroldo Livio - 21/3/2011 22:37:29
ESBOÇO DE KONSTANTIN 

Haroldo Lívio 

O romancista Santos Moraes, crítico literário do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, e detentor do Prêmio Machado de Assis, conferido pela Academia Brasileira de Letras, mostrou a Herman Lima, autor da História da Caricatura no Brasil, alguns desenhos do nosso artista Konstantin, publicados na Revista Encontro. O historiador gostou imensamente do traço de Konstantin e pediu ao romancista que conseguisse na fonte, quer dizer, no ateliê do caricaturista, em Montes Claros, exemplares de outros trabalhos assinados por K. Ch., para publicação no próximo volume de sua obra, que é considerada a enciclopédia da caricatura.
Pouco tempo depois, numa bacalhoada de Sexta-Feira Santa, em 1964, na casa de Santos Moraes, fui incumbido por ele de conseguir de Konstantin os trabalhos solicitados pelo historiador carioca. Retornando, transmiti o pedido ao grande caricaturista, que se mostrou sensibilizado com a atenção despertada por suas criações, principalmente por ter sido reconhecido por um historiador de renome nacional, e respondeu-me que iria providenciar o envio dos desenhos solicitados. Caiu, porém, no esquecimento.  Até ontem, não tive notícia de que a encomenda tenha chegado às mãos de Herman Lima. Já se passaram quase dez anos.
Konstantin Christoff é assim mesmo. Poderia, se quisesse, ser um artista de fama internacional, pois o que não lhe falta é imaginação fecunda, gosto apurado e muito fogo para suas traquinices de caricaturista, quando dá tudo de sua criatividade no trato de tons, de imagens e de formas, despertando emoções adormecidas e provocando risos. Por mal dos pecados é um artista de venetas. Quando se pensa que ele vai fazer um montão charges para a revista, ele sai de circulação e vai operar em outro ramo; no bico-de-pena, mo carvão, na aquarela, ou então se transvia pelo labirinto da escultura. Faz a sandália do tropeiro para o trevo do aeroporto, modela sua mansão, esculpe a mater dolorosa para o monumento à Irmã Beata. Espírito irrequieto, indócil, devia se chamar Inkonstantin, no que tange às artes.
Porque, quanto ao homem de bem e médico virtuoso que exemplarmente é, o próprio povo de Montes Claros é testemunha de sua perseverança. Muito antes de gozar de sua amizade, no convívio da confraria da revista, já admirava sua personalidade singular. Minha geração de ginasianos do extinto Colégio Diocesano o via com olhos de secreta inveja, como modelo do jovem humilde que soube romper barreiras na luta pela vida e vencer com a flama de um campeão olímpico. Invejávamos sua peculiaridade de pessoa diferente das pessoas comuns. A carreira de médico jovem e vitorioso na arte de curar. O seu estilo de vida. A cidadania de jardineiro búlgaro, que lhe dava um ar de aventureiro. O seu carro conversível, que era o único da cidade. Os cães de raças exóticas. O cachimbo de raiz de roseira sempre fumegante e exalando o aroma do tabaco importado. De todos os detalhes de sua personalidade fora de série, o que mais excitava nossa imaginação juvenil era o murmúrio de que ele desfrutava da primazia de ser o único fotógrafo amador da cidade que focalizava o nu artístico. Sua câmera documentava, para a posteridade, a beleza plástica das cortesãs daquela época, os primórdios da década de 1950. O moço era um árbitro do bem viver. E assim foi, pintando, rabiscando caricaturas, fotografando, filmando, salvando vidas com o bisturi, que foi mudando com  a idade.
Viu-se, aos poucos, transformado; feito bom burguês, casado, com família nas costas, de pijama e chinelos, completamente domesticado. Para encerrar o fenômeno de sua desmitificação, acabou, solenemente, recebendo o título de cidadão brasileiro naturalizado. (O Jornal de Montes Claros, 27.05.1973)


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Por Haroldo Lívio - 10/3/2011 17:57:58
Monsieur Arrudá no cinemá francé

Haroldo Lívio

O poeta Wanderlino Arruda está com tudo e está prosa, montado na razão, não conseguindo disfarçar a cara de felicidade que tomou conta de si. Aproveita, amigo, pois não é todo dia que a tal felicidade bate à porta. Se nosso inesquecível João Valle Maurício ainda estivesse entre nós (e poderia estar com suas 88 primaveras), ele certamente diria: “Esse Wanderlino está com a bandeira do Divino!” Estaria comparando sua alegria com a vivacidade do porta-estandarte que dança à frente do terno de dançantes, na festa de agosto, girando e rodopiando.
Nosso poeta acertou na sorte grande e tem motivo de sobra para comemorar o prêmio recebido. Ele publica sempre poemas pela internet e foi surpreendido com a boa nova do aproveitamento de um deles para ilustrar cena romântica de um filme francês recentemente lançado. Não é comum a utilização da poesia brasileira no cinema estrangeiro. No momento, confiando apenas em minha memória, recordo-me do filme “Um homem, uma mulher”, produzido há cerca de quarenta anos, estrelado por Jean Louis Trintignant e Anouk Aimeé, de grande sucesso de público. Na trilha sonora incluíram o Samba da Bênção, de Vinícius de Moraes e Baden Powell, homenageando a musicalidade da nação brasileira. Salvo engano, essa obra-prima ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro. Guardadas as devidas proporções, Wanderlino viveu a mesma emoção de Vinícius.
O diretor francês além de valorizar o poema de nosso contemporâneo e conterrâneo, ainda teve o gesto gentil de colocar seu nome nos créditos do filme. Isto é de grande importância cultural. Já pensaram se também ganhar um Oscar ou vir a ser laureado em Cannes ou Veneza. Quando Elisabeth Taylor tinha 14 anos, em 1946, fez uma ponta no filme americano “Jane Eyre”, no papel de uma linda adolescente, de beleza fascinante, que participou de uma cena rápida, sem fala apesar de ter nome. Pasmem, sua participação meteórica não valeu a inclusão de seu nome real nos créditos.
Como sabemos, a imperdoável omissão de seu nome não representou obstáculo para a realização de uma das mais brilhantes carreiras da Sétima Arte. Palmas para o diretor francês que homenageou o poeta brasileiro, creditando-lhe a participação, embora ainda não se conheçam pessoalmente.
Nem sempre o colaborador é reconhecido por quem se beneficia de sua boa vontade. Há quase trinta anos, o diretor de novelas Walter Avancini e seu assistente Laborda, que faziam os primeiros levantamentos para a gravação da minissérie “Grande Sertão: Veredas”, procuraram conhecido nosso, em sua casa, pedindo orientação sobre usos, costumes e tradições da região focalizada em seu trabalho de televisão. Encontraram as respostas e ainda levaram indicações de locais adequados para as cenas de combate, que foram amplamente aproveitadas. Meses depois, a minissérie estava nas telas de tevê. Nos créditos, muito nome, a equipe técnica, a equipe de produção, governo, prefeituras da região. Esqueceram-se de agradecer ao consultor que tão bem os atendeu. Seu nome não apareceu nos créditos. Por isto, mais aplausos para o diretor francês e para Wanderlino Arruda, o poeta do cinema.


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Por Haroldo Lívio - 28/1/2011 16:11:03
Cerdônio Dias de Quadros

Faleceu quarta-feira passada (25.0l.20ll), no CTI do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, depois de vários dias de internação, Cerdônio Dias de Quadros, empresário montes-clarense radicado em São Paulo há cerca de cinqüenta anos, onde tornou-se expoente da indústria editorial e militou, por algum tempo, na advocacia empresarial.
Ele nasceu em 30.08.1938, na Fazenda Jenipapinho, situada no antigo município de Brejo das Almas, sendo filho do fazendeiro Genuíno de Quadros Faria e de sua esposa, dona Odília Dias de Quadros, ambos descendentes de tradicionais troncos familiares da região norte-mineira. Veio criança para Montes Claros, a fim de adquirir instrução. Estudou no Colégio Diamantinense, em Diamantina, e no Colégio Diocesano desta cidade, nos quais ganhou a admiração e o respeito de seus condiscípulos, que se encantavam com seus dons de poesia e oratória.
Mudou-se jovem para a capital paulista, onde encontrou campo fértil para seus atributos intelectuais, bacharelando-se em direito pelas arcadas do Largo de São Francisco e conceituando-se, nas lides forenses, como especialista em falência, o Dr. Quadros bastante conhecido no fórum e na praça, Como editor, participou da fundação de uma das mais famosas editoras do país, Sugestões Literárias, infelizmente levada à bancarrota por gestão fraudulenta de um, sócio estrangeiro. Recuperado do prejuízo, partiu para novo empreendimento editorial, tendo fundado a empresa Nova Dimensão Jurídica, focada em obras de direito administrativo e treinamento de pessoal para o serviço público. Publicou dezenas de autores e, ironicamente, deixou inédita sua obra poética.
Ultimamente, retornou à origem rural e adquiriu a fazenda onde nasceu, para explorar a criação de gado selecionado, por diletantismo, tornando-se figura de destaque em feiras e leilões, comprando e vendendo bovinos. Casou-se em primeiras núpcias com Elza Lopes Quadros, já falecida, e depois com Teresa Cristina de Oliveira Quadros, que lhe sobrevive. São seus descendentes três filhos, cinco netos e um bisneto.
A família está convidando parentes, amigos, ex-colegas do Colégio Diocesano (Turma de 1956) e do Tiro de Guerra 87 (Turma do Centenário) para a Missa de 7º Dia em intenção de sua alma, às 19 horas do dia 1º de fevereiro, na capela do Colégio Imaculada Conceição, nesta cidade. (Haroldo Lívio)


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Por Haroldo Lívio - 7/12/2010 16:15:51
O fundador de jornais

Haroldo Lívio

Ele deve ter lido jornal, pela primeira vez em sua vida, na escola de sua avó materna, dos Cavalcanti, onde foi alfabetizado e encaminhado para o universo das letras e dos números. Lá no ermo onde nasceu, nos Gerais de São Felipe, imperava a lei do mais forte, e ele aprendeu, muito cedo, a lutar contra a adversidade que o destino coloca no caminho de quem quer crescer e subir na vida. Foi, desde pequenino, prestando atenção no mundo que o rodeava, nas pessoas, nos animais, na natureza madrasta. Dessa observação, nasceu o sonho de alterar o rumo traçado para sua caminhada na vida. Teria de ser, inevitavelmente, fazendeiro, proprietário de vastas extensões de terras, onde engordaria o gado e exerceria o domínio senhorial, sucedendo ao avô Teodoro do Condado e ao pai Adelino, que derrubaram a mata e semearam o capim colonião.
Décio Gonçalves de Queiroz, que chegou ao marco dos oitenta anos, no dia 21 de novembro passado, ao completar dezoito anos de idade, em 1948, tomou a decisão heróica de mudar o rumo traçado para sua sina, de ser fazendeiro nos Gerais de São Felipe. Mudou-se para a cidade, para aprender mais do que pôde ensinar a avó nordestina e adquirir instrução para exercer o mister do jornalismo. Desde o momento em que se matriculou na primeira série ginasial, no Instituto Norte-Mineiro de Educação, do Dr. João Luiz de Almeida, ele decretou que seu futuro era ser jornalista, fundador de jornais, como realmente procedeu e deixou para trás os campos natais, das invernadas, dos cantos de aboio, das cavalgadas debaixo do sol e da chuva.
Procurou espaço mais amplo para realização de seu projeto pessoal e pegou o trem para São Paulo, querendo recuperar o tempo da juventude que passou fora dos bancos escolares, no batente da produção rural, levando sua transferência para o Colégio Independência. Lá chegando, viu que o colégio não tinha jornal, como imaginou que tivesse, e cuidou de fundar seu primeiro jornaleco, O Independente. Estava ungido e sacramentado jornalista. Podia até se considerar colega de Assis Chateaubriand, sendo fundador e proprietário de um órgão de imprensa, que fatalmente deve ter expirado por falta de anunciantes. Em seguida, teve a grande oportunidade de adquirir tirocínio profissional, no período em que trabalhou na redação das Folhas.
A maré baixa o trouxe de novo para o nosso meio e para o seio da família, num momento em que sua presença era indispensável no lar paterno, em face da perda do chefe. Aqui instalado, retomou os estudos, no curso científico, e fundou o segundo jornal de sua vida, a Tribuna do Estudante, onde o conheci e publiquei minha primeira matéria assinada. (Muita ousadia para um “foca”). Era 1956. Preciso dizer que o jornaleco faliu e obtivemos asilo, eu, ele e Lúcio Benquerer, no O Jornal de Montes Claros, do jornalista Oswaldo Antunes, onde já encontramos Waldyr Senna Batista na reportagem política. Sempre fundando e, às vezes, afundando, por culpa dos anunciantes, Décio participou, no ano de 1960, da fundação da Revista Encontro, que preencheu uma fase gloriosa da história de nossa imprensa e circulou durante quase dez anos. Em 196l, salvo engano, ele se associou ao talentoso Júlio César de Melo Franco para dotarem a cidade de mais um órgão de primeira linha, o Diário de Montes Claros, ao qual dedicou os melhores anos de sua vida e consolidou seu conceito de jornalista sério e comprometido com o bem público
É claro que se realizou como pessoa, principalmente se casando com sua querida Chichica e constituindo bela família. Concederam a mim e à minha esposa, Maria do Carmo, a honra de levar à pia batismal o pequenino Cláudio. Daí para frente é o repouso do guerreiro, que deu por cumprida sua missão de fundador de jornais e retornou ao ponto de partida, no campo, e hoje repete as vidas de Teodoro do Condado e Adelino, na labuta da cria, recria e engorda de bovinos, na comarca do Brejo das Almas, com o entusiasmo de quem, finalmente, descobriu sua verdadeira vocação: o pastoreio do gado. O confrade e compadre voltou a ser boiadeiro e está por demais felicíssimo.


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Por Haroldo Lívio - 22/11/2010 07:16:11
1960 - Ano Dourado em Montes Claros

Haroldo Livio

Resumo do Brasil no ano de 1960: Bossa Nova na música popular brasileira; Cinema Novo na tela; e JK inaugurando Brasília. Resumo de Montes Claros no ano de 1960: lançamento da Revista Encontro; inauguração do Cine Fátima; fundação do Conservatório Lorenzo Fernandez; e, lamentavelmente, a perda da Capela do Rosário, relíquia da história da cidade. De um encontro marcado de quatro jovens montes-clarenses, Décio Gonçalves de Queiroz, Waldyr Senna Batista, Enock Fernandes Sacramento e Lúcio Marcos Benquerer, em um escritório de Belo Horizonte, resultou a fundação da mais nova revista brasileira que, obviamente, nasceu com o nome de Revista Encontro. A publicação chegou em junho de 1960 e conquistou a simpatia e a preferência do público desde o primeiro número, cujo conteúdo foi a manipulação perfeita da receita ideal formulada pelo próprio leitor. Montes Claros, que já percorria a grande caminhada para o futuro, foi presenteada pelos editores com uma revista mensal que se tornou motivo de orgulho para todos que militavam na imprensa. Tudo nela, da capa à quarta capa, era moderno, avançado e revolucionário. Tinha redação, composição, paginação e ilustração impecáveis. Dava-se ao luxo de ter os anúncios comerciais ilustrados pela pena de Konstantin Christoff, um fundador que não pôde comparecer à reunião de fundação, embora tenha sido um verdadeiro patrono da revista. Lúcio Benquerer editou até que sua empresa exigiu dedicação integral aos negócios e foi substituído pelo jornalista Carlos Lindemberg, aí por volta de 1965. Mais tarde, dois anos depois, o novo diretor foi sucedido pelos jornalistas Jorge Silveira e Fernando Zuba. Infelizmente, a crise cíclica que fechou O Cruzeiro, Alterosa, Realidade, Visão e outros magazines de circulação nacional também fulminou a Revista Encontro, que merece ser lembrada nestes cinqüenta anos de fundação, pela grande e inegável importância que alcançou em uma década de circulação a serviço da cidade e da região, sempre colocando o interesse público acima de tudo. Encontro fechou mantendo o mesmo conceito que passou a desfrutar desde o primeiro número. Conversando com o mestre Konstantin, algum tempo atrás e rapidamente, ele se queixou de que as pessoas já se esqueceram de nossa revista. Gostaria de ter dito a ele que não é bem assim; porém calei-me, pois é a verdade.
O segundo presente para Montes Claros, no ano dadivoso de 1960, foi a inauguração do Cine Fátima, na Rua Dom Pedro II. Poderia ter sido inaugurado na Times Square, na Broadway, em Nova York, porque era a última palavra em conforto para o público e em tecnologia. Quem nos presenteou foi o empresário Euler de Araújo Lafetá que não teve mãos a medir nos gastos de instalação da monumental sala de espetáculos que contava com 1300 poltronas estofadas, ar-condicionado, som estereofônico de quatro faixas e tela flutuante. Foi projetado para os próximos 50 anos, que já passaram e poderia estar funcionando até hoje, na vanguarda. Neste caso, éramos felizes e sabíamos muito bem disso. O terceiro presente, digno de reis, foi a fundação do Conservatório de Música Lorenzo Fernandez, materializado no momento histórico em que o prefeito Simeão Ribeiro Pires, cultor das ciências, letras e artes, entregou à fundadora Marina Lorenzo Fernandez Silva as chaves da casa que a municipalidade desapropriou para funcionamento do novel estabelecimento de ensino. O decurso do tempo confirmou a importância social do evento, impulsionando o desabrochar de vocações que poderiam ter se perdido, se não existisse a sementeira representada pelo CELF, de que a cidade tanto se ufana, por seus cantos e encantos. Como não há rosas sem espinhos, registram-se os 50 anos da derrubada da Capela de Nossa Senhora do Rosário, na Avenida Coronel Prates, por uma decisão administrativa que, desafortunadamente, errou com a intenção de acertar na solução de um problema viário. O templo estaria mal colocado em relação ao alinhamento da via pública e seria preferível sua demolição para construir no local outro com maior visibilidade para o trânsito. Assim foi pensado e executado. E as picaretas e tratores derrubaram as paredes da casa santa onde Deus fez a morada e onde moram o cálix bento e a hóstia consagrada. E onde moram os catopés, marujos e caboclinhos da festa de agosto: Joaquim Poló, Aníbal Carroceiro, Mané Quatrocento, Maria de Custodinha... E onde também moram os mordomos e festeiros Hermes de Paula, Geraldo Athayde, Darcy Ribeiro, Cyro dos Anjos, Raimundo Chaves, Newton Prates... E onde ainda, bem adiante no futuro, deverão morar Ucho Ribeiro,Yuri Popoff, Paulo Narciso, Roy Chaves, Bernardo Brant, Tico Lopes, Zezé Colares, Yara Tupinambá, Tino Gomes, Georgino Júnior, Paulo Henrique Souto, Raquel Mendonça e mais devotos que, de qualquer forma, vêm segurando a tradição de agosto.


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Por Haroldo Lívio - 24/10/2010 18:39:02
100 anos de “Amo-te muito”

Haroldo Lívio

O bardo João Chaves contou à filha Lola Chaves, curadora de sua obra musical e literária, que compôs sua obra-prima, a modinha “Amo-te muito”, no ano de 1910. Não se lembrava, contudo, da data precisa em que a produziu. Deixou de revelar a história da avassaladora paixão que o inspirou no ato de celebração de uma das maiores declarações de amor da literatura brasileira. Sendo poeta de escol e possuindo educação musical, uma vez que cantava em serenatas, dedilhava o violão e era insuperável ao tocar a flauta, sobrou-lhe inspiração para escrever a letra irretocável e ornamentá-la com uma melodia que cativa e enternece o público ouvinte.
“Amo-te muito”, durante décadas, esteve reclusa às serenatas de rua e aos serões familiares, nos limites da vida social da acanhada Montes Claros do início do século XX, quando ainda não havia rádio nem a possibilidade de gravá-la, para preservar a autoria e tornar a preciosa peça lírica conhecida de todo o Brasil e Portugal, que também cultivava a modinha. Imagina-se sua primeira execução: o autor, rapaz de 25 anos, perdidamente enamorado da senhorita Julieta Guimarães, de família tradicional da cidade, em noite de luar embriagador e ao pé da janela da amada, cantando e se acompanhando ao violão. Imagina-se o encantamento da família da jovem diante dos apaixonados versos do trovador.
A modinha, que teve no saudoso Telé Prates, o seu maior intérprete, somente ultrapassou os limites da cidade quando a musicista Marina Lorenzo Fernandez, grandiosa benfeitora de nossa cultura musical, ensinou a cantora lírica Maria Lúcia Godoy a interpretá-la e enriquecê-la com a maviosidade de sua bela voz. Daí em diante, o país inteiro pôde desfrutar da emoção dionisíaca de deleitar-se com a inenarrável beleza da canção de amor que honra o patrimônio artístico de Montes Claros. Empolgada, Maria Lúcia cita João Chaves, seu irmão Hermenegildo (Monzeca) Chaves, o maestro Carlos Gomes e o poeta luso Gonçalves Crespo, como os quatro maiores modinheiros. Ela expressou toda sua admiração pelo bardo, surpreendendo-o com uma serenata em sua porta, acompanhada das vozes do Madrigal Renascentista, em noite alta de céu risonho.
Andaram tentando fraudar a autoria, por esperteza ou falta de informação, como na apreensão de um disco que dava o nome do maestro Camargo Guarnieri como autor. Realmente, deve ter sido o arranjador, e houve algum equívoco da gravadora. Tudo esclarecido, “Amo-te muito” seguiu a escalada de sucesso absoluto, divulgando a opulência da cultura montes-clarense. Vieram as gravações de Nara Leão, do curvelano Luís Cláudio e de outros cantores de prestígio nacional. A televisão a divulgou como fundo musical da novela Rei do Gado, em horário nobre. Em 1962, foi aproveitada para trilha sonora do filme Rebelião em Vila Rica. O cinema voltou a valorizá-la em outro filme, Jardim de Guerra, e foi peça de confronto em festival de seresta realizado em Ouro Preto, em 1967.
O centenário de “Amo-te muito” merece ser lembrado por tudo que ela significa como expressão de nosso sentimento lírico, por ser um marco inapagável da arte local e estar consagrado como hino nacional da seresta.

(Do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros)


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Por Haroldo Lívio - 24/8/2010 19:53:49
Necésio (Velloso) de Moraes

Montes Claros e Pedra Azul acabam de sofrer uma perda irreparável com o passamento de um de seus maiores filhos. Ele conseguiu o feito até então inédito de ser filho amado e amoroso de duas cidades. ´E´ isto mesmo, dupla maternidade, embora pareça aberração, fenômeno teratológico, porém muito fácil de explicar a quem não o conheceu de perto.Tive o privilégio de com ele conviver por cerca de cinqüenta anos. Lembro-me de que cheguei a ele pela mão de Waldyr Senna Batista, de quem tinha sido colega de trabalho e já fazia parte de seu círculo de relações sociais, que admitia novos membros com certa parcimônia. Necésio tratava a todos com lhaneza e respeito e gozava de geral simpatia, mas a roda de amigos para o bate-papo tinha número reduzido. Voltando ao assunto das terras-mães, ele nasceu mesmo foi em Pedra Azul, que antes fora Fortaleza e Boca da Caatinga, no ano de 1922, do qual se gabava de ter sido o ano do Centenário da Independência do Brasil e da realização da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, de incomparável importância histórica. Seu pai, coletor de rendas, dos Moraes da Bahia, e sua mãe, da família Velloso, afazendada no município de Grão-Mogol, proporcionaram-lhe a infância feliz junto com os irmãos. Ele se orgulhava de ser pedrazulense e jamais esqueceu a terra que o viu nascer. Surgida a necessidade de ampliar os estudos mudou-se para Montes Claros, aos 16 anos, em 1938, a fim de trabalhar no Armazém 13, de seu primo Armênio Velloso, e estudar contabilidade no Instituto Norte-Mineiro de Educação, sob a regência do Dr. João Luiz de Almeida. Foi aí que se tornou montes- clarense de coração e bebeu na mesma fonte onde Ubaldino Assis, Luiz de Paula, Herculino Miranda e outros jovens daquele tempo haviam matado a sede de sabedoria e ilustração. Diplomado perito-contador, não demorou em granjear a justa reputação de ser um dos mais escrupulosos e idôneos profissionais da classe contábil. Trabalhou sempre com o maior apuro, com muita cautela e rigor, reunindo o zelo do guarda-livros e o conhecimento sólido do contador. Em sua ascensão, deixou o nome gravado em letras de ouro por onde passou, na Agência Ford, na fábrica de cimento Matsulfur, na CODEVASF, sempre reconhecido como exemplo de competência e probidade. Fora da contabilidade, ele também brilhou, sendo apontado como homem culto, lido e corrido, de conhecimento enciclopédico, que pontificava e era muito apreciado em suas agradáveis palestras. Era considerado o maior conhecedor vivo da história desta cidade, que muito amava e exaltava. Constantemente, era solicitado para desvendar mistérios de nosso passado, e o fazia baseado em leituras antigas ou em conversas que tivera com fontes fidedignas. Tinha cuidado com o que dizia. Nunca caluniou, nunca difamou, nem injuriou. Sofreu assédios para se casar, mas atravessou a vida invicto, sem ser levado aos pés do altar. Arrependeu-se de não ter se casado com uma bela morena, que foi sua namorada há cinqüenta anos. Mas ela fumava e abusava no trajar... Poderiam estar, hoje, rodeados de filhos e netos, quem sabe até bisnetos. Deus fecha uma janela e abre outra, concedendo-lhe a graça de ser pai de Cristina, a menina de seus olhos, dona de seu velho coração e herdeira universal, que fez dele o mais ditoso dos pais. Há poucos meses, já recluso na cadeira de rodas, confiou-a aos cuidados do esposo, em belíssima cerimônia nupcial, no Santuário de Bom Jesus, a capelinha das almas, em ambiente romântico. Sentiu-se que aquele ato para ele teve o mesmo significado do fechamento de um balancete, em que todas as contas se acham conferidas e comprovadas.Rubricou tudo e deu por cumprida sua missão. Ele faleceu no dia 22 de agosto passado, quando a cidade que tanto amou e honrou estava em festa, louvando o Espírito Santo, São Benedito e Nossa Senhora do Rosário. (Haroldo Lívio)


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Por Haroldo Lívio - 6/8/2010 17:20:36

Saudade disque 800
Haroldo Lívio

Leio, no noticiário, com sentimento de pesar, o regresso do radialista Ubirajara Toledo, mais conhecido como Tio Bira, para sua cidade natal, a formosa Juiz de Fora, que se coloca entre as melhores metrópoles do Brasil. Ele deve ter suas razões, com sobra, para deixar Montes Claros, que aprendeu a amar desde que aqui aportou, parece que no já distante ano de 1964, como dirigente do SAPS - Serviço de Alimentação da Previdência Social, que abastecia a população com produtos subsidiados, numa época em que ainda não se falava, por aqui, em supermercados.
Recordo-me, como se fosse hoje, de que me encontrava em um grupo de amigos, quando alguém nos apresentou ao recém-chegado Ubirajara Toledo, informando-nos sobre seu currículo de radialista e ex-vereador na Manchester mineira, a segunda cidade de maior importância em Minas Gerais, que perdia em população apenas para a Capital. Atualmente, classifica-se em terceiro lugar, porém conserva sua característica de estar entre as cidades ideais para morar, razão por que é conhecida como a localidade preferida pelos militares do Exército para encerramento da carreira.
Vê-se, logo, que o veterano radialista nem precisa se justificar, por estar se afastando do nosso convívio. Embora saibamos de seu grande amor por nossa cidade, ele ouviu a voz do coração, que fala mais alto e retorna ao cenário da infância e da juventude. É um direito seu, de filho amado, que não lhe pode ser negado.
Sua decisão de retorno ao regaço materno pode ser facilmente traduzida pelo verso do poeta gaúcho Vargas Netto: “Querência, eu ouço a tua voz que não fala, mas que todo gaúcho ouve quando longe de seu .rincão!” Por outro lado, temos de reconhecer que o Titio Bira ama estremecidamente esta cidade, berço de seus netos, e prestou valiosa contribuição ao seu desenvolvimento artístico e cultural.
Quando aqui chegou, encontrou somente uma emissora de rádio, a ZYD-7, e a televisão era ainda um sonho para o futuro. Passou a apresentar um programa dedicado ao publico saudosista, onde declamava versos de sua autoria e de poetas locais, destacando-se a obra lírica de Cândido Canela e canções que embalavam os ouvintes. A cidade, antes de dormir, sintonizava “Saudade disque 800”, no horário de maior audiência. Não se pode negar o sucesso do radialista e a importância de sua participação na radiofonia de Montes Claros.
Nos últimos anos, parece ter-se recolhido ao remanso do lar e encerrou seu trabalho, ainda lembrado, com muita saudade, pelos rádio-ouvintes daquela quadra feliz em que nossos telefones tinham apenas três dígitos. Bastava discar 800 para ouvir o canto triste da saudade.

(N. da Redação - O texto do escritor Haroldo Lívio é uma homenagem das rádios 93, 98FM e deste mural ao eterno Titio Bira, que nesta data se encantou.) Texto reeditado


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Por Haroldo Lívio - 28/7/2010 14:36:57
Velórios - Haroldo Lívio - Antigamente, em minha cidade natal, os sinos da Matriz dobravam, de hora em hora, para anunciar um falecimento. Seguia-se o cerimonial da morte. Duas moças da Pia União das Filhas de Maria, uniformizadas e de fita no pescoço, saíam de porta em porta, convidando para o enterro. O velório era sempre em casa, para que o morto permanecesse mais algumas horas entre parentes e amigos. O velório transcorria, invariavelmente, em meio à grande consternação, entre orações e o mais absoluto respeito pelo irmão que partira. Ninguém ousaria elevar a voz ou mesmo esboçar o mais leve e imperceptível sorriso. Exigia-se, de todos os presentes, decoro e a mais severa compunção. Qualquer comunicação era feita em voz baixa, quase murmurado. As pessoas entravam e saíam do recinto com o maior cuidado possível, discretamente, como se temessem despertar o finado do sono eterno.
A apresentação de pêsames à família enlutada era executada segundo as regras de etiqueta então em vigor. Havia lances surpreendentes, como no velório de meu irmão de três meses de nascido, quando um senhor idoso, muito polido e cerimonioso, deu parabéns a Mamãe por haver mandado mais um anjo para o céu. Abalada pela dor da perda inconsolável, ela nem pôde notar a delicadeza e o lirismo do cumprimento. Normalmente, o cortejo fúnebre passava pela igreja, onde o pároco celebrava o ritual da encomendação.Quando o falecido era pessoa de alto relevo, como meu padrinho Egídio, celebrava-se a missa de corpo presente e havia a participação da banda de música local, que acompanhava o cortejo arrancando lágrimas de saudade até dos corações mais empedernidos. Conforme a biografia do falecido, acontecia o pungente discurso à beira da sepultura, encerrando o cerimonial da morte.
Todos voltavam para suas casas, calados, com cara de enterro, e o morto ficava sozinho em seu jazigo perpétuo, cercado de coroas de flores. Na Montes Claros de hoje, em crescimento galopante e com a sociedade vivendo um período de transição para metrópole, vai desaparecendo o cerimonial da morte, principalmente quando o falecido é pessoa pública e de largo círculo de relações sociais. Nota-se que as pessoas que chegam ao local do velório encontram parentes, amigos ou conhecidos que não viam há muito tempo e se esquecem de que devem observar silêncio e, sobretudo, respeitar a solenidade do funeral.
As pessoas, distraidamente e sem nenhuma intenção de irreverência diante do ente querido que partiu para a eternidade, confraternizam-se em clima de alegria, falando alto e se esquecendo de que se encontram em um recinto sagrado. Essas pessoas, infelizmente, somos todos nós, que não resistimos à tentação do bate-papo com o amigo que anda sumido ou veio de longe para o enterro. Tomemos o exemplo do velório da pranteada e querida Amelinha Prates Souto, pessoa das mais estimadas e admiradas da sociedade montes-clarense. Quem ali chegasse sem ver o grande número de coroas mortuárias que ornamentavam o local e davam uma idéia do prestígio pessoal da homenageada, imaginaria, pelo vozerio reinante no ambiente, que havia chegado em uma comemoração festiva. Houve mesmo um momento em que a oração dos presentes no salão foi interrompida por apoteótica salva de palmas.
Em Montes Claros é assim e não tem jeito de mudar...Teria havido um ambiente fúnebre, se não estivesse recebendo sua derradeira homenagem pública uma pessoa que encarnava as virtudes e qualificações do que esta cidade tem de mais autêntico e tradicional. Amelinha era jucapratista de quatro costados e incorrigível em seu bairrismo. Nasceu na praça que tem o nome de um seu tio-avô, o Doutor Chaves. Seu avô materno é o patrono da Rua Camilo Prates. Seu primo João Chaves dá nome a avenida. Seu sogro é o homenageado da Rua João Souto, onde morava há alguns anos, e seu esposo, nosso primeiro ortopedista, é lembrado pela Rua Dr. José Veloso Souto, na Morada do Sol. Com tantas homenagens e pelo tanto que trabalhou para o engrandecimento de sua terra, ninguém conseguiria controlar as emoções de todos que foram apresentar suas despedidas à pequenina grande filha de Montes Claros. Estamos todos perdoados pela falta de educação.


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Por Haroldo Lívio - 18/3/2010 14:41:34
Nossos governadores e presidentes

Haroldo Lívio

A quase totalidade dos governadores de Minas Gerais proveio, evidentemente, das regiões mais ricas e mais desenvolvidas do estado, que são o Sul de Minas, o Triângulo Mineiro e a Zona da Mata. Nossa região, isolada e castigada por calamidades de toda sorte, até o presente momento, só dei dois governantes para todos os mineiros. Quem abre a lista é o jurista Antonio Gonçalves Chaves, que foi professor de Ruy Barbosa, na faculdade de direito de São Paulo, e é homenageado pelos montes-clarenses como patrono do fórum, da praça da Matriz e da primeira escola pública local. Ele gozava de invejável prestígio político na Corte e, por seu mérito pessoal, foi nomeado pelo Imperador Dom Pedro II, em 1882, para o cargo de presidente da província de Santa Catarina. Cumpriu a missão a contento de Sua Majestade, que, para premiá-lo, nomeou-o, no ano seguinte, em 1883, presidente de sua província natal, Minas Gerais. Exerceu o honroso encargo na antiga capital, Ouro Preto, berço de nossos primeiros sonhos de liberdade.
Há poucos dias, por um equívoco, o “site” do montesclaros.com informou que ele teria governado também o Espírito Santo. Foi outro montes-clarense que governou os capixabas, de 1930 a 1943, como interventor federal e governador eleito. Ele nasceu na Rua Doutor Veloso, numa casa ao lado da residência do historiador Eugerson Novaes Avelins, saiu daqui criancinha e era oficial do Exército Brasileiro. Chamava-se João Punaro Bley. Ali por 1960, ele comandava a Academia Militar das Agulhas Negras e, examinando o fichário dos alunos, descobriu um seu conterrâneo de Montes Claros e mandou chamá-lo ao seu gabinete. Sem saber de que se tratava, o cadete Jefferson Esteves Xavier, que veio a ser o organizador da Telebrás, foi ao encontro do general, que o cumprimentou emocionado e lhe fez muitas perguntas sobre a cidade natal que não conhecia.
O segundo governador norte-mineiro foi o diamantinense Juscelino Kubitscheck. Diamantina está no Norte de Minas, tanto que ostenta o epíteto secular de Atenas do Norte. Montes Claros deu um governador para o Espírito Santo e outro para o Rio de Janeiro, este nos dias contemporâneos. O mitológico Darcy Ribeiro foi vice-governador dos fluminenses, no segundo mandato de Leonel Brizola, tendo exercido o cargo de governador, por diversas vezes, nas eventuais ausências do titular. Será que teremos o terceiro governador norte-mineiro de todos os mineiros? O ex-deputado Antonio Soares Dias, quando presidia a Assembléia Legislativa, estava em segundo lugar na linha de substituição do governador Aureliano Chaves, mas não surgiu a oportunidade.
Volta e meia, o nobre deputado Ruy Muniz, entrevistado pela mídia, declara solenemente que, depois de eleito prefeito de Montes Claros, sua meta seguinte será o Palácio da Liberdade. E se propõe, ainda, a ser o primeiro presidente da república nascido em Montes Claros. Certamente que enfrentará muitos concorrentes pesados, porém, impossível, neste mundo, é só Deus pecar... Afinal, Diamantina já teve um presidente, e Bocaiúva poderia ter tido o seu, se o presidente Castelo Branco tivesse proporcionado, pelo menos por um dia, o exercício da presidência por seu vice-presidente José Maria de Alkmim.


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Por Haroldo Lívio - 13/12/2009 23:16:13
Crônica de Natal

Montes Claros, dezembro de 1949

HAROLDO LIVIO


Foi uma aventura que aconteceu, há sessenta anos, entre o Natal e o Ano Novo. Então, o menino de onze anos veio das Contendas, trazido pela mamãe, em tratamento de saúde, com um pedido de exame de fezes, sangue e urina assinado pelo Dr. Francisco Florentino Diniz Pacheco, que foi uma sumidade em clínica geral. Passado tanto tempo, seis décadas precisas, é humanamente impossível reconstituir, na mente de um idoso cansado, todas as impressões que o garoto de ontem conseguiu guardar nos arcanos da memória. Obviamente, não é possível relatar, com minúcias e particularidades, tudo que viu e ouviu, como faz, prodigiosamente, a novel memorialista Raquel Souto Chaves, descrevendo cenários e passagens de sua meninice, que ainda nem teve tempo de virar saudade, porque ontem para ela representa o que ainda consideramos hoje, o dia corrente. Falar de uma aventura fantástica que sucedeu há sessenta anos requer muito mais fosfato.
O menino e sua mamãe ficaram hospedados na Pensão Ribeiro, na Rua Justino Câmara, que primava pelo asseio e pela mesa farta, de pratos saborosos. Foi lá que o menino tomou o primeiro banho de chuveiro de sua vida, uma vez que em sua cidade a água ainda era apanhada no rio, em potes, e imperava o costume secular do banho de bacia. Lembra-se de que encontrou dificuldade para controlar o registro e acabou tomando banho de botinas e dando trabalho à mamãe. No dia seguinte à chegada, foram ao laboratório do Dr. Hermes de Paula, que funcionava onde hoje está o Café Galo, e ele ficou conhecendo o famoso médico e historiador e o local em que, tradicionalmente, encontra os amigos para o bate-papo matutino.
Causou especial impressão ao menino o tamanho da cidade, com vários prédios de dois pavimentos, com ruas movimentadas, cheias de transeuntes, muitas bicicletas e carros. Andar pelas ruas da cidade de cerca de 30.000 habitantes já exigia cuidado e atenção. Atualmente, está difícil manter a cidade limpa, por motivos que todos conhecem, mas a Montes Claros de 1949 era uma cidade que se impunha ao visitante pelo aspecto de limpeza e higiene que se via por toda parte, exceto na feira de sábado, nos arredores do mercado municipal. Havia variedade de vitrinas de boa apresentação, nas lojas do Centro, contudo, guardou forte impressão do que viu na Casa Luso-Brasileira, de Ramos & Cia., e na Loja Americana, de Waldir Nascimento Bessa, que poderia ter se transformado numa rede de lojas cobrindo o país inteiro, se a expansão da firma não tivesse sido interrompida por uma tragédia.
De tudo que admirou, acredite o leitor, o que mais o encantou foram os postos de gasolina, especialmente a lavagem de veículos com mangueira de alta pressão, que para ele o m aior espetáculo da tecnologia. Em sua terra ainda não havia chegado essa novidade do século XX. A Catedral, desafiando as alturas e dominando o panorama do casario baixo, o deixou extasiado. Até hoje, quando vê o templo, não se cansa de admirar a eterna majestade do belo edifício, que causa impacto a quem o contempla. Lembra-se, nitidamente, de que foi ao Cine Coronel Ribeiro, em sessão noturna, acompanhado do Sr. Chiquinho Oliveira, conterrâneo amigo, porém nada se lembra do filme visto, muito embora se lembre de um cartaz, no corredor de saída, anunciando o próximo filme, “Quem casa, quer casa”. Este é mais um mistério da mente humana...Achou o cinema confortável, principalmente porque não era preciso levar a cadeira de casa. (Em sua cidade, havia um cinema em fase experimental, e o dono ainda não havia comprado a mobília, de modo que o expectador ou ficava de pé ou trazia a cadeira).
Depois da sessão de cinema, conheceu sorvete, no Bar Soberano. É claro que achou uma delícia, bem melhor que o picolé feito em geladeira a querosene, que já conhecia.Realmente e em poucas palavras, foi um verdadeiro banho de civilização, que acrescentou prática ao conhecimento teórico de um escolar que acabara de concluir o terceiro ano primário, no ano do centenário de Castro Alves, o poeta dos escravos. Naquele ano, o livro de leitura foi a biografia do imortal autor de “Vozes d’África”.
Em suas andanças pela cidade, pode ter cruzado caminho com outros meninos que viriam a ser seus grandes amigos, alguns anos depois. Pode ter passado por Rey Souto, por Cerdônio Quadros, Wilson Dantas, Marinho Rodrigues, Waldyr Senna Batista, Zé Parrela, Joãozinho Albuquerque e outros tantos que foram, mais tarde, seus colegas de estudos e de trabalho. O premiado jornalista Paulo Narciso nasceria somente oito meses depois, no Ano Santo de 1950; em agosto, para ser ungido catopê do terno de São Benedito. Luís Carlos (Peré) Novaes e Raquel Mendonça só viriam a existir quatro anos mais tarde. No vaivém da multidão, na Rua Quinze ou algures, poderia ter visto o moço Luís de Paula, no viço dos trinta e dois anos, Cândido Canela, Godofredo Guedes, João Chaves, Dulce Sarmento, Nelson Vianna, João Valle Maurício, Konstantin Christoff e outras celebridades locais, mas o menino nunca ouvira falar de tais pessoas. Para ver o atual romancista Flávio Pinto, teria de ir à sua casa, na Rua Lafetá, levando um brinquedo pedagógico indicado para um pequerrucho de três anos. Muito dificilmente poderia ter tido a primeira visão de sua futura consorte, Maria do Carmo, uma meninota de seis anos que não saía sozinha à rua, como era de bom costume naquela era.
Não é preciso dizer que o menino de 1949 regressou ao lar felicíssimo, com o mesmo deslumbramento de um menino de 2009 que acaba de chegar do Natal na Disneylândia


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Por Haroldo Lívio - 24/10/2009 13:55:30
O maior orador sacro

HAROLDO LIVIO

A imprensa noticia que Dom Antonio de Almeida Moraes Júnior, nosso ex-bispo diocesano e ex-arcebispo de Olinda e Recife, e mais tarde de Niterói, está bastante idoso, enfermo e vivendo com dificuldade, dependendo, para sobreviver, de duas irmãs, como ele carentes de recursos. Sensibilizado com a situação precária do ilustre dignitário da Igreja de Roma, o presidente da República enviou projeto de lei ao Congresso Nacional concedendo-lhe pensão especial de dois salários mínimos, a fim de aliviar suas condições de subsistência, atualmente agravada pela necessidade constante de assistência médica. Dois salários, realmente, é pouco para quem muito necessita e já prestou relevantes serviços ao país, mas, não se pode negar que o gesto do governo encerra uma lição de generosidade e de respeito aos valores eternos, que a traça não destrói e o ladrão não rouba, na afirmação bíblica. Há poucos dias, na seção Daqui e Dali, Waldyr Senna Batista narrou , com riqueza de detalhes, a trajetória de Dom Antonio pelo firmamento de nossa diocese, e deu verdadeira aula prática de astronomia, porque sua passagem pelo nosso bispado foi breve e agitada como a passagem de um cometa.
O articulista descreveu, concisamente, o meteórico episcopado, esquecendo-se, contudo, de registrar que o venerando prelado é autor de treze obras publicadas e é membro da Academia Mineira de Letras, tendo sido, há poucos anos, já avelhantado, aclamado pelos bispos do mundo inteiro, reunidos em Roma, como o maior orador sacro da primeira sessão do Concílio Ecumênico Vaticano II, falando em latim.
Causa até vertigem, agora, pensar que esse monumento de saber e virtudes peregrinas tenha sido um dia o pastor de nossa humilde diocese sertaneja. Ora, um religioso dessa estirpe deveria ter feito carreira na Santa Sé, onde poderia ter prestado serviços de maior monta à causa que abraçou e dignificou, como um verdadeiro apóstolo do Evangelho.
No entanto, em toda sua grandeza de espírito privilegiado, cultivava a plantinha da humildade. Quem sabia de todas as ciências, como ele, costumava ir assistir às aulas, assentado entre os alunos do Colégio Diocesano, e fingindo-se ignorante, fazia perguntas ao professor,para que os estudantes aprendessem a perguntar e tirar melhor proveito da aula.Em seu comentário, o articulista dispensou-se de comentar sobre a melancólica partida de Dom Antonio, desta cidade, numa madrugada fria, com apenas meia dúzia de amigos comparecendo para dar-lhe o adeus do rebanho ao pastor. Águas passadas não rodam moinho, principalmente quando se trata de um ex-missionário que pregou a palavra do amor e do perdão. A prefeitura de Montes Claros, segundo me adiantou o prefeito Luiz Tadeu Leite, vai examinar a possibilidade de também integrar a corrente de solidariedade em favor de Dom Antonio, que conheceu os pináculos da glória e hoje, pobre,doente e alquebrado pela idade provecta, precisa da ajuda de todos os seus irmãos. Seria uma vergonha para a nação, e particularmente para as dioceses que pastoreou, permitir que uma das mais elevadas expressões da cultura brasileira e emérito servidor do Verbo Divino não tenha as condições mínimas para viver o ocaso de sua vida com a dignidade de um cidadão comum, que cumpriu seu dever e merece a retribuição da sociedade. Não se trata, portanto, de conceder-lhe a esmola da caridade, que humilha e santifica, mas, de retribuir-lhe pelos serviços prestados ao Cristianismo e à Humanidade. (Publicado n`O Jornal de Montes Claros, em 29.07.1984)


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Por Haroldo Lívio - 22/10/2009 14:44:15
Parabéns, Jornalista Oswaldo Antunes!

Haroldo Lívio

Parabéns por tudo que tem feito na vida, por tudo que escreveu até agora, pela prosa escorreita e pela poesia que reluta em mostrar, apesar dos elogios recebidos de Alphonsus de Guimaraens Filho. Principalmente parabéns por estar alcançando hoje, 21 de outubro de 2009, em pleno gozo de saúde e de bem com o mundo, a idade bíblica de 85 anos, dos quais mais de 60 dedicados a uma das mais completas carreiras no jornalismo, que pode colocá-lo em pé de igualdade com os nomes mais conhecidos e festejados da imprensa brasileira.
Não há nenhum excesso neste comentário sobre a trajetória profissional de um jornalista que fez sua caminhada num jornal do interior, O Jornal de Montes Claros, deixando de atuar nos órgãos do eixo Rio de Janeiro e São Paulo, onde se consagra a carreira e para onde vão os jovens que ambicionam o sucesso e a fama. Você se contentou com a reputação adquirida na imprensa de Belo Horizonte, na cobertura política, em período de efervescência nacional, após a redemocratização, na década de 1940, e tomou a decisão de retornar às origens sertanejas, no momento em que deveria ter se transferido com armas e bagagens para a metrópole. Foi este o rumo tomado por seus colegas de redação, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino, Fernando Sabino, Alphonsus Filho e tantos que tomaram o trem Vera Cruz e foram brilhar no Rio.
Dá para acreditar no destino. Bandeira fala da “vida que poderia ter sido e que não foi.”, que não é o seu caso, conforme relata em seu livro de memórias. Aconteceu que foi flechado por Cupido e trocou o sucesso pela felicidade. Apaixonado por uma beldade loura, mandou o jornal às favas, tendo decidido casar e abrir uma banca de advocacia em Montes Claros. Queria apenas ser feliz e acertou na escolha de seu par, dona Inilta, sua companheira da vida inteira e musa inspiradora. Juntos, trabalhando lado a lado, comungando os mesmos pensamentos, constituíram bela família de que muito se orgulham. Realmente, foi melhor do que ter ido para o Rio...
A advocacia durou pouco, e o jornalista teve uma recaída, Comprou o jornal, que circulou de 1951 a 1990, funcionando como um baluarte na defesa das reivindicações mais destacadas da comunidade. Nas grandes crises, abria as baterias e fustigava as autoridades competentes buscando soluções para as necessidades prementes, como ocorreu na década de 1950, com a falta de luz. Houve outras campanhas memoráveis, merecendo destaque a moralização do tribunal do júri, que fez de Montes Claros uma cidade finalmente civilizada. Anteriormente, nossos jurados, submetidos ao domínio dos caciques políticos, absolviam até cangaceiro, como aconteceu em 1930, no julgamento do famigerado Rotílio Manduca, com muitas mortes nas costas e merecedor da pena máxima.
O jornalista corajoso, que não teme cara feia, que caminha em cima da fumaça, realizou esta obra desafiando forças poderosas, até sucumbir com o fechamento do jornal, para não perder a tradição de independência e dignidade conquistada em quatro décadas de circulação.


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Por Haroldo Lívio - 30/8/2009 23:15:50
81 anos de Duca & Nazareth

HAROLDO LIVIO


Quem comprova a remota origem da marca gastronômica Duca & Nazareth muito apreciada pelos conhecedores da arte culinária, é o próprio atual patriarca da família, João da Silva Prates, o famoso esportista Zinho Bolão, que é o viúvo de Duca, Maria do Carmo Lopes, e irmão de Nazareth Prates.,
Antes que alguém se apresse a corrigir o tempo de existência do empreendimento, convém esclarecer que a denominação Duca & Nazareth foi adotada há poucos anos, sucedendo a dois nomes do estabelecimento criado pelo fundador Egídio Prates.
O conceito da tradicional empresa familiar, que é a mais antiga de Montes Claros e tem funcionado estes 81 anos sem parar um dia sequer , começou a ser formado no ano de 1928, em um cômodo da Rua 15, posteriormente transferido para outro local, na Rua Simeão Ribeiro, ao lado do Cine São Luiz. Neste local, funcionou nas décadas de 40, 50, 60, 70, 80 e 90. Um registro curioso, quando o jovem Egídio iniciou seu trabalho, em 1928, o cinema ainda era mudo, e o acontecimento do ano, em nossa cidade, foi o assassinato do delegado Burlamaque pelo celebérrimo Chico Dominguinho, cuja história agitada ainda é assunto nos serões das famílias mais antigas. Depois de estabelecer-se, o fundador do “Buffet” casou-se e passou a contar com a colaboração da esposa, Catarina, que lhe foi de grande valia, preparando quitutes e guloseimas que cativaram a freguesia da “garapa”, nome sempre usado pela família para se referir ao boteco, uma vez que ainda não chegara aqui o estrangeirismo lanchonete.
Vinte anos depois da fundação da “garapa”, Egídio Prates, que havia perdido a companheira prematuramente, em 1943, também faleceu, deixando como arrimo da família o primogênito João, a quem coube a missão de cuidar, educar e prover o sustento de três irmãs menores, as quais tiveram a felicidade de contar com a presença da avó materna, Dona Pretinha, que suavizou a orfandade dos netos. Eram todos menores, inclusive o estudante Zinho Bolão, nadador da Praça de Esportes, de apenas 17 anos de idade, que teve de cancelar o sonho do curso de engenharia para assumir o lugar do pai, na chefia da família.
Neste ponto da trajetória, marcada por trabalho, disciplina e seriedade, nasceu a reputação do capítulo mais longo e conhecido de todos como o Café de Zinho Bolão, que foi sucedido pelo Buffet Duca & Nazareth, que é a atual denominação do estabelecimento iniciado em 1928, agora sob o comando da terceira geração, representada por Joãozinho Prates, neto de Egídio e Catarina e filho de Zinho Bolão e Duca.
Em 1959, Nazareth Prates passou a aceitar encomendas de bombons para recepções e festas. Na década de 1960, associou-se com a cunhada Duca, que trouxe estímulo e planos de crescimento. Joãozinho cresceu e formaram o trio vitorioso. Esta é a justificação da festa de arromba dos 50 anos de Duca & Nazareth & Joãozinho.


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Por Haroldo Lívio - 7/8/2009 18:06:57
APRESENTAÇÃO


Este bem elaborado documentário poderia, muito bem, salvar as Festas de Agosto, numa eventual ameaça de extinção. Disse documentário, mas se o leitor preferir, poderá chamá-lo de reportagem fotográfica, memorial descritivo ou álbum, como queira, que o brilho será o mesmo. Nossos historiadores informam que o terno de catopês se apresenta ao público de Montes Claros, anualmente, todo mês de agosto, desde o primeiro quartel do Século XIX, quando negros forros e cativos requereram licença à autoridade municipal para saírem à rua trajados à caráter,batucando, dançando e louvando os santos padroeiros, tal qual seus ancestrais africanos nas cerimônias tribais, que invocavam os orixás.
Depois dos catopês vestidos de branco, que em outros lugares são chamados de congados, guardas de Moçambique e outras denominações de uso local, vieram completar a riqueza folclórica das Festas de Agosto os marujos e os caboclinhos de arco e flecha. Neste caldo de culturas estão representadas as três principais etnias que formam a nação brasileira: o negro que veio da África, nos porões dos navios negreiros, lamentando a saudade da pátria distante; o branco descobridor e colonizador, que nos legou o patrimônio da língua portuguesa; e o índio, que era o dono da terra e foi desapossado dela.
As Festas de Agosto, com seu derramamento barroco de cores e cantigas merencórias, algumas primitivas, outras mais melodiosas, são o que nossa cidade tem de melhor para mostrar ao visitante, se lhe pedirem para ver as jóias, adereços e roupas de gala que deve ter guardados e usa e veste em apenas três dias de folia, como se fosse carnaval. Dá arrepio pensar que este festival da Cidade da Arte e da Cultura já poderia ter acabado, na voragem do progresso material e do crescimento urbano acelerado. Consta que a primeira ameaça de extinção ocorreu quando aqui chegaram os cônegos premonstratenses, há cem anos, em cumprimento de missão evangelizadora dos hereges. Oriundos da civilizada Bélgica, os padres brancos confundiram os catopês com culto pagão, de gentio que não seguiria os ensinamentos de Cristo, e teriam impedido a entrada do terno em templo católico. Porém, esclarecidos de que os catopês veneravam as imagens de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, contemporizaram e retiraram a censura eclesiástica.
A segunda ameaça de extinção veio nas décadas de 1950 e 1960, do século passado, em que se observou, com preocupação, o enfraquecimento das irmandades dos catopês, marujos e caboclinhos, que estiveram perdendo, gradativamente, o prestígio social de que gozaram em outros tempos mais ditosos. Houve um ano, não sei qual precisamente, em que ficou decidido que a festa centenária não seria realizada, por absoluta falta de recursos financeiros. Foi aí que entrou em cena, inconformado com a decisão, um montes-clarense apaixonado por sua terra, sua gente e seus costumes, o médico e historiador Hermes de Paula, cujo centenário de nascimento se comemora neste ano, e que botou o bloco na rua. Em atitude de verdadeiro mecenas, protetor das artes e da cultura, e sem que fosse milionário, custeou de seu próprio bolso as despesas para a apresentação de nosso maior espetáculo popular. Ele não deixou o samba morrer. As Festas de Agosto foram salvas pela segunda vez.
Tenho a mais absoluta certeza de que não haverá a terceira ameaça. Porque a efeméride faz parte do calendário turístico e cultural e conta com a simpatia da sociedade e o apoio efetivo da administração municipal, por ser considerada a cara de Montes Claros, cantada e decantada em verso e prosa, pintada, fotografada e filmada em todos os ângulos. Este valioso trabalho da fotógrafa Ângela Martins Ferreira é um documento iconográfico que indica a real importância da manifestação folclórica e mostra todo o esplendor de sua beleza cênica. A fotografia perpetua a imagem. Os chineses, em sua sabedoria milenar, já diziam que uma imagem vale mais que mil palavras. Ângela, que merece o nome angelical que ostenta, capta a imagem e externa seu sentimento de contemplação com palavras que enriquecem o flagrante. Poesia é com ela mesma, e é fácil explicar o porquê. Quando criança, na histórica São João Del Rei, sua cidade natal, morou em uma casa ao lado de outra onde já havia morado, em priscas eras, Bárbara Heleodora, a heroína da Inconfidência Mineira e musa inspiradora do marido, o poeta Inácio de Alvarenga Peixoto. Quem não se lembra dos versos que seu consorte lhe enviou do cárcere: “Bárbara bela, do norte estrela, que meu destino sabes guiar.”
Penso que a dedicada autora deste documentário, ao empunhar a câmera e procurar o melhor ângulo para estas fotos fantásticas, incorpora a inspiração trovadoresca de Bárbara bela, que também versejava, e dá mais beleza às belíssimas Festas de Agosto. Afinal, fotografia é arte, é magia, é poesia.

(Do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros)


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Por Haroldo Lívio - 23/5/2009 17:00:58

MESTRA ROSITA ROSA AQUINO

HAROLDO LIVIO*


A grande dama alcança a gloriosa idade de noventa anos, e a família comemora a passagem da efeméride e convida os amigos, ex-alunos e admiradores para a festa. A aniversariante possui, realmente, mérito para a celebração de sua chegada a esse marco da existência que poucos conseguem alcançar. Trata-se de cidadã de alto valor moral e social, mercê de sua atuação no campo do magistério, em que participou da educação de gerações de jovens.Se o leitor ainda não a conhece, procure conhecê-la, porque passará também a admirá-la, sabendo de suas elevadas virtudes. Ela tornou-se muito conhecida em Montes Claros, sua cidade natal, sendo conceituada como expoente de sua classe e profunda conhecedora do vernáculo. Tive a honra e o privilégio de ter sido seu aluno de Português, no Colégio Diocesano, no distante ano de 1953. Como o tempo voa! Ela era um jovem senhora de 34 anos, no auge da mocidade, e seu aluno era um frangote de 14 anos com dificuldade para aprender os mistérios da complicada análise lógica. Separava-nos e continua nos separando a diferença de 20 anos, estando a mestra glorificada pelos novent’anos e o aluno vivendo os setent’anos, que não passam de uma questão de números a mais ou a menos.
Delicada, de voz baixa, meiga e naturalmente educada, não dá para acreditar, agora, que dominava com sua autoridade moral e peculiar bondade, uma turma de adolescentes que perturbavam a disciplina e que, volta e meia, recebiam punições. Com ela não tinha mão de ferro nem cara fechada. Ela chegava risonha e transbordando simpatia. Começava a chamada dos presentes, com a ordem se estabelecendo, até o silêncio total, no último nome. Mesmo moleques endiabrados como o campeão Marcelino Nascimento, Mário Tourinho, João Ruas, Nequinho Martins, Briguelito, Valmy Brito e outros menos votados se inclinavam, respeitosamente, diante da jovem professora, que se impunha pela doçura de temperamento.
Diante de uma mestra cujo nome, Rosita Rosa, parece ter sido tirado de um verso, mau elemento nenhum se atreveria a perturbar a ordem, embora fossem bons garotos, a maior parte deles vivos apenas na saudade. Se estivessem todos por aqui, gostariam, por certo, de aplaudir os noventa maios da professora de Português.
Dona Rosita Rosa Aquino, nonagenária pela graça de Deus, merece os aplausos que
saúdam sua inscrição na seleta lista de que fazem parte Yvonne Silveira, Ruth
Tupinambá, Luiz de Paula, Maria Celestino
Todos em atividade literária aos noventa anos, produzindo com o mesmo apuro da mocidade. Dona Rosita dedicou-se à gramática , que preparou muita gente para a arte de escrever. Parece ter escrito pouco, ou não publicou o que pode ter produzido, o que é uma pena, se tiver acontecido. Pessoalmente, ganha nota 10 como amiga, como mestra, como filha, como esposa modelo, como mãe, avó e bisavó apaixonada por seus entes queridos. Poucas pessoas conseguiram tanta felicidade na vida. Assim, recebendo a coroa de glória de seu merecimento, ensina a todos nós, seus eternos discípulos, que vale a pena viver, em paz e com a consciência tranquila do dever cumprido.

* Do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros


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Por Haroldo Lívio - 6/4/2009 18:27:02
ACADEMICO OLYNTHO SILVEIRA

Em nossa casa paterna, éramos assinantes da Gazeta do Norte e tínhamos preferência pela leitura das crônicas e artigos dos colaboradores mais constantes, entre os quais eram mais assíduos Nelson Vianna, Candido Canela, Sylvia Velloso dos Anjos, Sebastiao Tupinambá, Felicidade Perpetua Tupinambá, Yvonne Silveira e seu consorte Olyntho Silveira, este casal residjndo então em Francisco Sa. Reconhece-se que a matéria mais lida era justamente a assinada pelos colaboradores, todos eles redatores da melhor qualidade e expoentes de nossa literatura regional.
Com o mesmo interesse com que líamos as crônicas e pequenos contos de um Nelson Vianna ou de um S. Tupinambá, éramos atraídos pelos versos imortais de Candido Canela ou de Fely. O casal Yvonne e Olyntho também agradava aos leitores contando as novidades de seu pequeno mundo do Brejo das Almas, em prosa e verso.
Vimos a conhecer pessoalmente o simpático e brejeiro casal de literatos somente alguns anos depois de ler suas publicações no jornal de Jair Oliveira. Temos a data exata gravada na memória, por incrível que pareça, como se fosse gravada a fogo. 4 de julho de 1959: festa de inauguração da agencia do Banco do Brasil em Francisco Sa, há exatamente meio século. A chegada do ilustre casal ao local do evento foi um momento que despertou a atenção de todos os presentes. Muito estimados e admirados, por isto mesmo não chegaram para os abraços e saudações.
Em 1962, aconteceu a inevitável mudança do casal para Montes Claros, marcando o ponto de partida da nova fase de sua vida, em que deram o melhor de si pelo engrandecimento social e cultural de nossa cidade. Trabalharam pelo enriquecimento de nossa vida espiritual, sem descanso e apenas com o propósito de servir e participar do plantio da cidade das futuras gerações, na implantação do ensino superior e de entidades voltadas para o aprimoramento de nosso nível intelectual.
Olyntho nasceu há 100 anos, no poeirento Brejo das Almas do tempo do valentão Benedito Picuamba. Menino bem comportado e exemplar, foi coroinha do Padre Augusto Prudêncio da Silva, com quem assimilou a doutrina da Igreja e adquiriu rudimentos de latim e frances, sem perder de vista a gramática da Língua Portuguesa. Deveria ter ido para o seminário do Caraça, como se usava na época. Porem, tal fato não se deu e teria mudado o rumo de sua vida. Ele ficou no Brejo aguardando o progresso da vila que se tornou cidade, no ano de 1923, ate que um acontecimento extraordinário do cotidiano brejeiro assinalou definitivamente o seu destino.
Estabeleceu-se, ali, o farmacêutico Antonio Ferreira de Oliveira, diplomado em Ouro Preto e pai de uma formosa moça de 14 anos chamada Yvonne, por quem o distinto rapaz Olyntho Silveira, de família fidalga, perdeu-se de amores.
Segue uma historia de lirismo e muita poesia, coroada por um matrimonio longo, eterno e feliz. Quando namoravam, ele foi para São Paulo com o ideal de regressar trazendo na bagagem o canudo de bacharel. Ocorreu que a saudade da namorada distante falou mais alto e ele desistiu do plano de bacharelar-se em Direito. Se tivesse insistido, não obstante o chamado do coração, poderia ter cumprido carreira promissora, pois contava com a simpatia do chefe de gabinete do governador paulista, o poeta montes-clarense Agenor Barbosa, que pretendia encaixa-lo no serviço publico. Ai, outra vez, a mao caprichosa do destino marcou o rumo que os manteve sempre juntos e felizes. (Haroldo Lívio)


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Por Haroldo Lívio - 23/3/2009 18:59:48
Curimataí/Curumataí

HAROLDO LIVIO

Trafegando, um dia desses, pela BR 135, nas proximidades de Augusto Lima, meu colega de ginásio Reynaldo Velloso Souto teve sua atenção despertada por uma curiosidade. Uma turma de operários, em serviço de manutenção da rodovia, havia retificado a grafia da placa colocada junto à ponte sobre o Rio Curumataí. Simplesmente mudaram o nome do curso d’água para Curimataí. Rey, que conhece a estrada como a palma de sua mão, achou o procedimento muito estranho, e anotou para futuro esclarecimento. Também já fui tomado pela mesma dúvida, em passado recente, por ocasião de uma excursão a Santa Bárbara, conhecida pela fábrica de tecidos centenária e pela fonte de águas termais, onde construíram um luxuoso resort.
Lembro-me de que, em visita ao interior da tecelagem, perguntei ao industrial Ferreirinha Paculdino qual o nome correto da localidade, se Curimataí ou Curumataí. Ato contínuo, ele esclareceu que se tratava de dois nomes diferentes de dois lugares diferentes, distantes entre si cerca de vinte quilômetros. Ilustrando a informação segura, situou Curimataí como povoado que já foi distrito de Diamantina e hoje pertence ao município de Buenópolis, dotado de clima saudável, no sopé da Serra Geral, e desfrutando do privilégio de possuir também águas termais de mais alta temperatura do Norte de Minas. Trata-se de um recanto paradisíaco, ainda conhecido por poucos, que aguarda a iniciativa de um empreendedor para instalar ali um balneário de primeira linha. Curumataí, completou o informante, é apenas a denominação de um rio da bacia do Rio das Velhas e de uma estação da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil, situada à sua margem, entre as estações de Buenópolis e Augusto de Lima.Era nessa estação que a fábrica recebia os fardos de algodão beneficiado e despachava os volumes de tecidos manufaturados.
Agora, vem o DNIT mudando a grafia do rio com o nome de um outro rio, que nem existe no mapa. O sinalizado Rio Curimataí não passa de um engano, de um equívoco que pode ser facilmente corrigido, a bem da verdade. Basta o pintor ir lá e colocar o U no lugar do I. Antes de levar este fato ao conhecimento do publico que se interessa por cousas aparentemente sem importância, ou seja, cousas que não dão dinheiro, tive a cautela de ouvir quem entende do riscado e pode falar do assunto com a autoridade de catedrático. Um amigo de longa data, aposentado como alto funcionário da Rede Ferroviária Federal, Rosendo Martins Rabelo, nascido e criado por aquelas bandas de Curimataí e do Rio Curumataí, corroborou as informações que havíamos conseguido com outras pessoas conhecedoras da região. Para que não paire nenhuma dúvida, ele consultou a nominata de estações da RFF e descobriu uma falha em publicação oficial do IBGE que chama o Rio Curumataí de Curimataí. Certamente que o engano decorre de ser o povoado de Curimataí muito mais conhecido do que o Rio Curumataí, de caudal razoável escurecido pelas águas do Rio Preto..


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Por Haroldo Lívio - 3/3/2009 19:05:22
AMADEU FERREIRA PAULINO

A história da vida deste grande homem daria um romance de trezentas páginas, se fosse contada em seus mínimos detalhes. Sejamos breves, todavia, relatando apenas o básico, o essencial. Ele nasceu em Grão-Mogol, em 29 de março de l926. Foram seus pais o famoso tabelião Hilário Marinho e sua esposa, dona Alda Barbosa Paulino, de famílias senhoriais da Cidade-presépio. Aos doze anos de idade, começou a trabalhar no cartório de seu pai. Curso primário nas Escolas Reunidas Dr. Christiano Monteiro Machado e ginasial nos colégios Afonso Arinos e Anchieta, em Belo Horizonte. Em 1945, era recruta no TG 299, da Capital, onde aguardava, ansioso, a ordem de embarque de sua unidade para os campos de batalha, na Europa, quando sofreu a maior decepção de sua vida. Acabou a Segunda Guerra Mundial.
Retornou ao torrão natal, em 1947, para assumir o cartório de Paz e Registro Civil, para o qual prestara concurso. Casou-se, em 1949, com a tabeliã Maria Teresinha Rodrigues Paulino, autora do hino oficial da cidade, que lhe deu treze filhos. Em outra etapa de sua atribulada existência, teve mais quatro filhos com a Sra. Maria José Alves, aos quais não deixou faltar o teto e o pão, bem como o afeto e a bênção paternal.
Abriu um intervalo, na atividade de escrivão, para realizar o recenseamento de1950, na cidade de Virgem da Lapa, onde nasceu o primogênito do jovem casal. Trabalhou, ainda, em diversas áreas, para onde o encaminhou sua natureza de homem inteligente e empreendedor. Foi fazendeiro, no Pontilhão, foi farmacêutico e dentista prático, fotógrafo, alfaiate. Foi até parteiro, muito solicitado pelas famílias. Na oficina de seu sogro, Chico Pataquinha, teve uma rápida iniciação na arte da ourivesaria. Naturalmente que foi músico, como não poderia deixar de ser. Regia, compunha e tocava diversos instrumentos de sopro, de corda e percussão. Executava o violão com muito sentimento e unção, porém o instrumento de sua predileção era a clarineta em Si. Costumava animar os bailes da cidade serrana com os acordes melodiosos de sua sanfona.
Era um homem romântico, muito querido por seus conterrâneos, familiares e amigos, que amava a vida, a música, o seu trabalho, a beleza da mulher, a leitura de bons livros, um bate-papo animado e regado pela cerveja gelada e uma talagada da Barquinha, pinga de renome. Era um tipo inesquecível, que será sempre lembrado por quem o conheceu ou ouviu contar seus casos fantásticos. Recebeu, em vida, a merecida homenagem oficial da Câmara Municipal de Grão-Mogol pelos relevantes serviços prestados à cidade e seu retrato se encontra entronizado no salão do júri do Fórum Dr. Christiano Rello.
Na tarde de 7 de fevereiro passado, em meio a grande pesar, faleceu em paz e serenamente. Como disse o poeta, a noite desceu e encontrou o campo lavrado, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar. (Haroldo Lívio)


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Por Haroldo Lívio - 6/2/2009 16:51:33
Minas e Gerais

HAROLDO LIVIO

Minas Gerais não admite separação das duas palavras que compõem o nome da “formosa província”. O nome da Capitania do Ouro é inteiriço; se olhados isoladamente perdem a significação, tanto o substantivo Minas como o adjetivo Gerais. Quem chamou nossa atenção para a particularidade foi o cronista Itamaury Telles, que sabe das coisas e não deixa escapar nada à sua observação muito perspicaz. Ele vai mais longe, ainda, colocando-se em guarda contra essa novidade de querer distinguir-se as minas dos gerais, quando não existe a propalada diferença. Sabe-se que Minas Gerais são as minas geralmente encontradas, as minas em geral, as minas buscadas por todos os rincões da terra mineira. Quem faz esta discriminação quer mesmo é distinguir a parte considerada rica do estado montanhês da parte que é tida como o primo pobre. Tem aquela anedota de que o ribeirão do Arrudas, em Belo Horizonte, seria o limite natural que deveria separar as duas partes. Tudo que se situasse na margem direita do córrego seria Minas, e na margem esquerda Gerais. Assim, Minas seria a região das minas e Gerais a região dos campos gerais, da labuta agrícola e pastoril. À primeira vista, parece até que faz sentido, mas não faz. É apenas um jogo de palavras bem articulado, que dá a impressão de embasamento lógico. Nossa região, ou melhor, nossa parte das Minas Gerais também é mineradora, também é rica em depósitos minerais. De improviso, sem necessitar de consultar os alfarrábios, apontamos a presença, nos municípios de Rio Pardo de Minas, Porteirinha e Grão-Mogol, da maior jazida de ferro contínua do mundo, aguardando para breve sua exploração industrial. Dentro de poucos meses, entrará em operação a mina de ouro de Riacho dos Machados, com produção diária de duas toneladas do precioso metal, segundo notícia do Hoje em Dia. Em Paracatu, funciona a todo vapor outra mina de ouro maior ainda. A Serra Geral, que corta a região, é rica em minérios preciosos e estratégicos. Teófilo Otoni é pólo internacional no mercado de pedras preciosas e semipreciosas, conhecida em todo o mundo. Em tempos remotos, teria funcionado uma casa de fundição em São Romão, conforme tradição oral. Era o ouro, hoje é o gás natural, em volume superior ao da Bolívia, que acalenta o sonho do barranqueiro, de dias melhores que estão chegando. Temos, em nosso subsolo, tesouros de valor incalculável. Falta só cavar e tirar a riqueza guardada debaixo do chão. Foi o que aconteceu com as águas-marinhas de Pedra Azul e os diamantes de Diamantina, Grão-Mogol e Jequitaí. Você pode até não acreditar, mas já houve uma corrida do ouro em Montes Claros, em dias de antanho. Não é preciso enumerar outras ocorrências minerais, para provar que também somos Minas, Minas Gerais. Na verdade, o alvo deste comentário é a campanha cívica do Movimento Catrumano, que pleiteia a criação do Dia dos Gerais, em virtude de ter sido erguido na atual cidade norte-mineira de Matias Cardoso o primeiro templo católico em terras mineiras. Sentimos a presença da humildade, que é apanágio de nossa gente, na pretensão desproporcional à importância que deve ser atribuída ao fato histórico. Ora, se for finalmente comprovado e reconhecido que Minas Gerais começou na igreja jesuítica à beira do Rio São Francisco, nada mais justo e correto do que transferir para Matias Cardoso a comemoração oficial do Dia de Minas Gerais, com todos os efes e erres. Atualmente, a efeméride é comemorada todo 26 de julho com a transferência simbólica do governo estadual para a arquiepiscopal Mariana, primeira vila, primeira cidade, primeiro bispado e primeira capital de Minas Gerais, musa inspiradora dos versos divinos de Alphonsus de Guimaraens. Dia dos Gerais parece representar prêmio de consolação para nós, humildes catrumanos que somos.


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Por Haroldo Lívio - 9/1/2009 16:15:47
JOSIAS IGNACIO DE LOYOLA

Há exatos 70 anos, em 1938, chegou a Montes Claros, vindo de Pedra Azul, por estrada precária, pilotando uma motocicleta e querendo subir na vida, um rapaz de 22 anos. Viajava a serviço da firma Singer Sewing Machine Co., obviamente vendendo máquinas de costura, e mal sabia que aqui encontraria o destino que tanto almejava em seus castelos de jovem sonhador e trabalhador. Josias Ignácio de Loyola, falecido no último 26 de dezembro, aos 92 anos de idade, deve ter sido um dos ´poucos remanescentes da classe de empresários da década de 1940, marcada por grande impulso da atividade comercial, numa ocasião em que se abriram importantes estabelecimentos do comércio atacadista, ocorrendo a modernização de todos os ramos. Josias nasceu, em 1916, na cidade sergipana de Lagarto, da qual muito se orgulhava por ter sido berço de brasileiros ilustres como o político Leandro Maciel, que esteve como candidato a vice-presidente na chapa de Jânio Quadros, e os literatos Tobias Barreto e Sílvio Romero, pertencentes à Academia Brasileira de Letras. Era filho do casal Joaquim Ignácio de Loyola e Maria Ernestina Loyola da Silva, de tradicional tronco nordestino.
Antes de vir para cá, estivera em Ilhéus, na Bahia, onde se casou pela primeira vez, ainda adolescente de 18 anos, com a jovem Guiomar, que pouco depois faleceu. Não teve filho desse casamento juvenil. Em busca do crescimento pessoal, chegou em nossa cidade e sentiu, desde o primeiro momento, que esta era a terra prometida. Primeiramente, caixeirou na firma Loyola & Cia., espreitando a oportunidade para se estabelecer por conta própria, porque confiava num futuro bem próximo de extraordinário desenvolvimento econômico e social da cidade. Cuidou de fundar nova família contraindo segundas núpcias com a senhorita Geralda Prates, da elite montes-clarense, que também teve morte prematura, deixando os filhos Carlos Catão Prates Loyola (in memoriam), bioquímico, e Maria Ernestina Prates Loyola Ruas, professora, casada com Roberto Xavier Ruas. Estabeleceu-se, ainda na década de l940, fundando, em parceria com o concunhado Abel Barroso, o primeiro empreendimento livreiro local, a Livraria e Papelaria Barroso, com seção de brinquedos. Josias tinha gosto e entusiasmo de participar da vida comunitária, tanto que seu nome figura entre os refundadores do Rotary Clube, no ano de 1946. Mais tarde, em idade provecta, perto dos 90 anos, voltou a presidir aquele clube de serviço com o mesmo vigor da mocidade. Ajudou bastante o historiador Hermes de Paula, nos trabalhos de instalação do campestre ´Pentáurea Clube, que adorava freqüentar. Seu maior empreendimento, sem dúvida, foi a fundação do bar e lanchonete A Cristal, no ano de 1959. Este estabelecimento de primeira linha nada ficava a dever a outros congêneres das maiores metrópoles do país, pela excelência do serviço oferecido. Olha que nossa cidade já tivera antes casas da categoria do Minas Bar, do Big Bar, do Soberano e do restaurante de Valério, de cozinha internacional. Dotou Montes Claros da primeira casa de frios e explorou padaria, em Belo Horizonte, no edifício Maletta. Casou-se pela terceira vez com dona Nely Celestino Loyola, que lhe sobrevive. Porque amava viver, dirigiu, dentro da cidade, até os noventa anos, com a carteira de motorista em dia. Ultimamente,limitava-se a uma volta pelo quarteirão onde morava, para matar a saudade do jovem motociclista que foi um dia. Choram sua partida 9 netos, 7 bisnetos e todos os entes queridos. Este é o perfil de um montes-clarense de coração que muito bem merece ser lembrado com uma placa de rua. (Haroldo Lívio)


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Por Haroldo Lívio - 27/12/2008 17:28:09
Crônica de Natal

HAROLDO LÍVIO


Antigamente, Papai Noel, o bom velhinho de barbas brancas, existia de verdade. Chegava de madrugada, enquanto as crianças dormiam, abria um buraco no telhado, descia com sua pesada bagagem de brinquedos e colocava presentes nos sapatos dos petizes. Depois, saía como havia entrado,para voltar no próximo ano. Durante toda a noite santa, o velhinho dos presentes ameaçava aparecer perante os meninos curiosos, como um fantasma benfazejo, porque eles acreditavam piamente na existência real daquele mensageiro da felicidade.
Hoje, todavia, as crianças já não acreditam que aquele velhote simpático seja quem lhes envia dádivas natalinas. Quando eu era menino, era proibido de sair à rua, na noite de Natal, porque aos meninos não era permitido ver os pais de seus amigos fazendo compras. Tínhamos de ficar em casa, fazendo castelos, até às 10 horas; depois, então, todos para a cama. Com ordem de fechar os olhos e dormir porque o santo homem não deixa presentes para meninos acordados.
Só os adultos, os pobres adultos que já sabiam da verdade, é que iam à Missa do Galo. E nunca conseguimos apanhar o velhote mexendo em nossos sapatos, que eram colocados sobre a chapa do fogão. Corria uma lenda de que ele descia na cozinha, e que muito menino já ficara sem presente, por ter posto seu sapato junto à porta da rua. Um meu primo, Nildo, jurava já ter visto Papai Noel. Não acreditávamos, nem desacreditávamos, pois o bom homen de fato existia. E se existia, poderia muito bem ser visto por olhos humanos. Agora, que o mistério foi desvendado, Papai Noelzinho é um boboca, menino que acredita nele é um tolo. Acabou-se o encanto. Os guris vão às lojas com seus pais, olham as vitrinas e voltam para casa com o presente escolhido. Nada de baboseiras. Comem o leitão de madrugada e bebem vinho tinto como gente grande, já que a criança é um homem pequeno. E trocam saudações em inglês: Merry Christimas, Merry Christimas! E riem da fantasia de Papai Noel que Mané Quatrocentos usa todos os anos, para ganhar alguns trocados e reforçar a receita de fim de ano. Contudo, nossa ilusão permanece intocável, não poderá jamais ser mutilada em sua forma inocente, porque se Papai Noel de fato não existe, ele deve e precisa ter existência real, é necessária a sua vinda. Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade. Que o espírito de Natal esteja nesta sala, entre nós, e principalmente no coração de toda a humanidade.

( O Jornal de Montes Claros, edição de 24.12.1963)


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Por Haroldo Lívio - 2/11/2008 20:54:38
PASSEIO EM DIAMANTINA

Estrella Polar
Redacção – Officinas

A placa do jornal do arcebispo de Diamantina já passou, invicta, por mais de uma reforma ortográfica. E ninguém providenciou a atualização de sua grafia .
A placa parou no tempo, mumificou-se, petrificou-se.

Poesia, este deveria ser o outro nome do Arraial do Tijuco.

Cena trivial do dia-a-dia diamantinense:
o visitante passa pela porta do jornal e vira à esquerda, na Rua do Contrato;
passa pela casa de Chica da Silva e entra na Rua do Jogo da Bola;
vira novamente à esquerda e sai na Avenida da Saudade.
É possível itinerário mais poético?

Diamantina canta e reza nos nomes de suas ruas, largos e becos.
A rua atrás da Sé Metropolitana se trifurca:
Macau de Cima, Macau do Meio e Macau de Baixo.
(Herança dos navegantes lusos que fundaram a colônia de Macau, na China).
Os nomes de suas ruas nos embriagam de tanta beleza: Rua do Rosário, Rua da Glória, Rua das Mercês, Rua do Carmo, Rua do Amparo, cada qual com sua igreja e sua invocação de Nossa Senhora. Seguem Rua da Quitanda, Beco da Tecla, Rua Direita, Rua do Fogo, Beco de Zé de Lota, Beco do Alecrim, Arraial dos Forros, Rua do Peixe Vivo, Rua do Caminho de Carro.
Mais o Burgalhau, onde tudo começou com o achado dos primeiros diamantes.
Para falar dos encantos da geografia tijucana não é preciso ser nenhum Manuel Bandeira, não!
Basta pegar o catálogo telefônico, como fiz, e ir pinçando aqui, ali e acolá, endereços que reluzem como versos lapidados nas joalherias da cidade de JK, dos Matta Machado, dos Felício dos Santos, de Aureliano Lessa, Theodomiro Alves Pereira, Helena Morley, Marina Hygino, Lobo de Mesquita, José Márcio de Aguiar, João Walter Godoy e3 muita gente de tutano.
Para louvar as bênçãos e graças de Diamantina não é preciso ser, necessariamente, menestrel.


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Por Haroldo Lívio - 24/10/2008 14:52:40
Jubileu de Ouro à vista

HAROLDO LÍVIO

Sei muito bem que a coluna social de Theodomiro Paulino está completando 43 anos de publicação ininterrupta e não 50, como faz parecer o título acima. Porém, seu entusiasmo com a comemoração do evento é tão grande que já dá para anunciar o Jubileu de Ouro, no ano de 2015, de hoje a apenas 7 anos. Se agora, nos 43, que nem chega a ser uma data redonda, ele se empolga a ponto de até publicar esta revista, imagine bem o que deverá ser a festa de arromba do meio século de jornalismo.
Supõe-se que a futura celebração da efeméride de meio centenário poderá, dada sua importância histórica, ser oficializada pelos poderes públicos. E há motivo para isto. No momento, Theodomiro já se coloca entre os colunistas sociais mais antigos da imprensa brasileira. Tenho a impressão de que pode integrar uma lista dos 10 colunistas do país que há mais tempo mantêm suas colunas funcionando. E também deve estar entre os mais lidos, por assinar colunas diárias em Montes Claros e Belo Horizonte e ainda apresentar um programa de variedades, na televisão.
Dessa dedicação exclusiva e em tempo integral resultou a profissionalização do jornalista, que se tornou personalidade bastante conhecida nos meios em que circula. Dá para entender a alegria que está vivendo. Ora, corre tudo bem em sua carreira e em sua família. Suas promoções, em razão de sua experiência e domínio da matéria, fazem sucesso. Todos sabem que suas festas são sempre de casa cheia e muita animação. Além de todas essas recompensas pelo esforço para crescer cada vez mais, não tem do que se queixar.
É notório que mora bem,veste bem, come bem, está sempre na moda. Principalmente é muito viajado; faz pião em Paris, de onde parte para países distantes e exóticos. Pouca gente já voou tanto quanto ele. Pelo tipo de vida que leva, buscando desfrutar da carreira que soube organizar e dignificar, pode ser considerado a pessoa mais rica de nossa cidade e que mais sabe gozar a doce vida.
Se perguntarem a ele quantas condecorações ele recebeu até agora, certamente que terá dificuldade para informar o número exato. Agora mesmo, há poucos dias, foi homenageado com a Medalha JK, que faltava em sua coleção de troféus. Em sua prestigiosa coluna diária, de vez em quando ele manda o recado para a galera de que ”está apenas começando”. Deve vir chumbo grosso por aí... De qualquer forma, Théo está de parabéns pelos 43, que devem ser a ponta do iceberg dos 50.


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Por Haroldo Lívio - 12/9/2008 09:20:23
Catálogo Telefônico de Grão-Mogol - 2008

HAROLDO LÍVIO

Realmente, como afirmava o saudoso editor Júbal Fróes, o guia telefônico grão-mogolense prima por facilitar a consulta para quem deseja fazer uma ligação. Não há necessidade de saber o nome completo da pessoa com quem se quer falar, pois, usualmente as listas telefônicas relacionam os assinantes a partir do último sobrenome. Em Grão-Mogol, se você souber apenas o apelido ou o nome pelo qual a pessoa é conhecida, o catálogo da Cidade-presépio tem para você a informação segura do número que deve discar. Não tem como errar. Por exemplo, se quer falar com o comerciante Geraldo Silva, para encomendar a deliciosa feijoada que serve aos sábados, em seu bar da Rua Direita, ao lado da venda do famoso Bicalho, é só verificar no catálogo de Júbal qual o telefone de Gê de Zé de Santinha.
Além da lista de telefones da cidade, oferece também listas de localidades vizinhas, fixos e celulares úteis de outras cidades, fixos e celulares de taxistas, celulares das ambulâncias, telefones dos distritos de Barrocão e Vale das Cancelas, hospitais de Montes claros, Francisco Sá e Salinas e, finalmente, telefones da zona rural do município de Grão-Mogol. Para arrematar o capricho com que elaborou seu catálogo, o talentoso editor indicou os locais onde estão instalados os 44 “orelhões’ da cidade, informando qual o morador ou estabelecimento mais próximo do aparelho. Nota curiosa: em Grão- Mogol o “orelhão” não é danificado por vândalo, seguindo a tradição local de máximo respeito aos monumentos, prédios públicos e jardins. As rosas brotam, desabrocham e fenecem intocadas. Porque a cidadania faz parte dos bons costumes.
Como se não bastasse tanto esmero, o editor orientou os assinantes sobre os horários mais econômicos para ligação interurbana. Encerrando o catálogo, ele fez um desabafo, que transcrevemos: “Para você que foi oportunista e adquiriu esta lista sem contribuir com sua elaboração, cheia de facilidades e praticidades, quando vir Júbal, em qualquer lugar, que pelo ou menos sua consciência dirija a ele um MUITO OBRIGADO.”
Quem pretender agendar uma visita à Usina Hidrelétrica de Irapé, anote o telefone 3238-3060; e se quiser saborear o franguinho de Dê, a 14 quilômetros da cidade, na barragem da Extrema, basta combinar com Lúcia pelo 3238-1475, que vai dar certo. Nome claramente identificador do assinante é o que caracteriza a lista, e a faz diferente das demais publicações. Assim temos, na letra J, João d’Angola, João da Pinta, João das Meninas, João de Zé de Santinha, João dos Relógios, João do Forró, Joãozinho do Cartório, José do Banco, gente amável e hospitaleira de Grão-Mogol, que logo, logo, estará inaugurando a sonhada rodovia pavimentada, que colocará a cidade alterosa nos roteiros do turismo.

Do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros


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Por Haroldo Lívio - 12/8/2008 12:33:11
A PARTIDA DE “SEU” GODOFREDO
HAROLDO LÍVIO
Noel Rosa, o filósofo do samba, entre dois copos de chope, disse que a saudade não tem cor. Isso nos faz lembrar que o baiano-montesclarense Godofredo Guedes, o artista que descobriu a cor da saudade, está partindo para Belo horizonte, pois sentiu a necessidade de galgar as alturas, voar em céus mais amplos, onde a linha do horizonte não seja tão próxima como em Montes Claros. Durante vinte e sete anos, GG viveu, pintou, entalhou, solou e compôs aqui na terra. A sua partida, portanto, representa uma perda para a cidade, pois o seu talento versátil já havia sido incorporado ao património cultural do lugar. Já era considerado bem público de uso comum do povo, tal como a Praça da Matriz ou a capela dos Morrinhos, que cantara e decantara em suas telas famosas. Realmente, o vazio da ausência de GG só encontraria fato análogo no desmonte dos Morrinhos.
O pintor privilegiado, que soube interpretar a alma das ruas, das casas coloniais e das igrejas centenárias de Montes Claros do passado, em busca de novo clima, trocou o ambiente provinciano de nossa comunidade pelo brilho e pelo fausto espiritual que encontrará, por perto, na Capital da formosa província de Minas. Lá, nas galerias de arte, onde pontificam os grandes mestres da pintura mineira, GG finalmente encontrará o seu habitat, o lugar que sempre mereceu, para cultivar a vocação. O baiano de Riacho de Santana desde criança sentiu o chamado da Arte universal. Meninote ainda, meteu-se no mundo das tintas e das notas musicais. Aprendeu a manejar o pincel sozinho, sem auxílio de terceiro. Ainda de calça curtas, fez a decoração da sacristia da gruta de Bom Jesus da Lapa. Chegando a necessidade de ganhar o pão de cada dia, GG aprendeu prática de farmácia, com um seu parente, médico baiano formado em Paris. Como os livros de Química fossem todos escritos em francês, GG não teve outro caminho senão que aprender, sem mestre, o idioma de Balzac.
Sentindo-se solitário na Pintura, aprendeu a tocar e dominou três instrumentos musicais: violão, saxofone e clarineta. Já construiu, em seu atelier, dois instrumentos de grande porte: uma marimba e um piano. Parece brincadeira, mas o homem não sabe tocar piano. Construiu os instrumentos na esperança de ter um pianista em casa. Os garotos, no entanto, o decepcionaram. Gostam mesmo é do violão.
Não negam, assim procedendo, sua origem da Boa Terra.
Na célebre época da construção da Central rumo a Monte Azul, GG dedicou-se à música das dez da noite às cinco da manhã. Tocava tanto no fidalgo Clube Montes Claros como nos cabarés afamados da zona boémia, dos quais o romancista carioca Marques Rebello disse que ferviam como os night-clubs da Broadway.
Mesmo fugindo de nós, Godofredo Guedes já estava fixado na História local, por ter esbanjado aqui vinte e sete anos de inteligência, beleza e emoções.
Seus quadros a óleo ornamentaram muitos lares da cidade, suas estatuetas estão por toda parte, aqui, ali, alhures no Brasil. Sua valsa Saudade da Bahia percorreu o País, como se fosse de autor desconhecido, muito antes do samba homónimo de Dorival Caymmi. Dificilmente se poderá falar de Montes Claros sem mencionar o nome de GG. É uma verdadeira associaçãp de odeias: um homem que se doou a uma cidade; a cidade que admira seu valor de artista.
Agora, Godofredo partiu e nos deixou. Deixou a poeira e o sol abrasador do sertão; foi viver no asfalto.
Quem se candidata a pintar as ruas de Montes Claros?
(O Jornal de Montes Claros, 26/03/63)


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Por Haroldo Lívio - 5/7/2008 10:35:45
Patão, o brucutu

(Hélio de Castro Guedes – 1948/2008)

3 de julho de 2008: feriado municipal e luto, infelizmente. Montes Claros, a Cidade da Arte e da Cultura, sopra as 151 velas de seu bolo de aniversário e, em lugar de ser presenteada, foi atingida, em seu coração de mãe, pela perda de um filho amado. Hélio de Castro Guedes, na verdade, era apenas um nome para constar no documento de identidade, para ser conhecido apenas pelos familiares e amigos mais chegados. Dos tais que ele guardava, no lado esquerdo do peito, como na canção. E que eram muitos. Sempre achei o superlativo. Patão inadequado para uma criatura tão delicada e amorosa. E achava esquisito que ele fosse chamado de ex-brucutu, que era o nome da banda de rock em que tocava guitarra. Esse conjunto de beatlemaníacos marcou época, na vida social de nossa cidade e na vida de Patão.
Ele vinha padecendo, há vários meses, de implacável reincidência de um tumor maligno cerebral, porém, não se deu por vencido e nutria alguma esperança de cura. O poeta Patão amava a vida, como amou as mulheres, e queria continuar vivendo, e bem merecia, porque tinha projetos pessoais de grande importância para serem realizados. Primeiro, pretendia colocar novamente no ar o “site” jornaldocafegalo.com, por ele fundado e no qual tive a subida honra de ser colaborador. O jornal eletrônico estivera em franco crescimento, quando adoeceu pela primeira vez e não pôde prosseguir no empreendimento. Depois, reagiu bem ao tratamento, obteve alta e retornou ao trabalho. Estava arrumando a casa para o evento que marcaria sua obra de artista, no momento em que veio a recaída que acabou lhe roubando o bem supremo da vida.
Desde o ano passado, vinha anunciando aos amigos sua dedicação exclusiva, neste ano de 2008, à comemoração festiva do centenário de nascimento de Godofredo Guedes. Segundo o compositor Tico Lopes, seu companheiro de noitadas homéricas, Patão tinha DNA de artista. Sendo filho de Godô, nasceu com a inclinação natural pelas artes. Os três filhos homens de Godofredo Guedes são todos artistas, saíram puxando o velho. Zeca, meu velho amigo, é pintor como o pai, pinta paisagens, retratos, sendo mais conhecido, entretanto, como pintor de publicidade. Beto Guedes é um dos maiores ídolos da MPB. A primogênita, Teresinha, pinta e expõe suas telas, aqui, em Belo Horizonte e alhures. As outras moças, Dolores, Estela e Lúcia devem ter algum dom artístico, pois têm o mesmo DNA.
Dona Júlia reinava absoluta, na família, e esmerava no preparo da moqueca de surubim à baiana, pra baiano nenhum botar defeito. Salve a Bahia! O espírito da Boa Terra deve morar entre as paredes daquela casa hospitaleira da Rua Ruy Barbosa. Patão era um artista de sete instrumentos. Pintava, desenhava, tocava violão, cantava e compunha como Godô, fazendo a letra e a melodia. Era um artista muito respeitado e citado onde se falasse de cores e notas musicais. Com profunda tristeza, o acompanhamos em sua ida para o campo santo. Seu corpo desceu ao túmulo, ao lusco-fusco, no Dia da Cidade, debaixo de aplausos e ao som mavioso do violino de Gabriel Guedes, seu sobrinho. Mui merecidamente, já tinha sido velado na Galeria Godofredo Guedes do Centro Cultural. Decididamente, não pode haver homenagem maior para o grande artista montes-clarense.


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Por Haroldo Lívio - 27/6/2008 16:37:24
Beto Viriato

A cidade perdeu, no dia de São João (24.06.2008), uma das figuras marcantes de nossa cultura popular, Alberto Afonso de Oliveira, da família Gonçalves de Oliveira, relacionada na genealogia do historiador Hermes de Paula. Beto Viriato, ou Betão do Trator, ou Beto do Rebentão etc., era pessoa muito querida, em nosso meio social, e batalhou pela preservação de nossos costumes e tradições. Seu falecimento, aos 74 anos de idade, repercutiu dolorosamente em Montes Claros, seu torrão natal a que muito serviu e amou.
Beto pertencia à estirpe dos Viriatos, um numeroso tronco familiar estabelecido nas terras férteis das fazendas Guiné, Rebentão dos Ferros e Baixa, desde o Século XIX, e que devia seu apelido ao patriarca Viriato Gonçalves de Oliveira, que veio de Espinosa e era casado com dona Amélia. Os descendentes deste casal de pioneiros se multiplicaram e são encontrados por toda parte. Muitos brilhando na vida, como os bisnetos: senador Carlos Patrocínio e sua irmã Felicidade, Maristela Kubitschek, Ângela Zimbardi, o cantor Fernando Ângelo, Carlos Marly Abreu, Wagner Gomes, Itamaury Telles, Vinícius Gomes (Tuca Porreta), secretário João Rodrigues, da Cultura, para falar só de bisnetos. (Conheço esse pessoal porque me casei com uma bisneta, Maria do Carmo, e sou pai de três tataranetas.) A lista dos tataranetos ilustres se encontra em formação, para reconhecimento futuro e aplauso.
Beto se orgulhava muito de seus parentes e recebia, em retribuição, o carinho e apreço de todos, que viam nele um baluarte da tradição familiar dos viriatos. Trata-se de gente de boa índole, convivente e ordeira, que tem se dedicado, de corpo e alma, ao trabalho na gleba. É de grande importância sua participação no crescimento de Montes Claros, no comércio, na indústria, na vida social e esportiva. Tem marca registrada, conhecida nacionalmente pela excelência de seu produto, a afamada cachaça Viriatinha que, sem o braço de Beto, passou aos cuidados da quarta geração de fabricantes.
Ele se notabilizou como seresteiro, que cantava no grupo de serestas João Chaves; como acordeonista que embevecia o público, na execução de canções queridas, como Zíngara e outros sucessos. Também era exímio dançarino de salão, cantador de aboios e dançador de guaiano e lundu. Participou de diversas excursões destinadas a divulgar, pelo Brasil afora, as belezas de nosso patrimônio musical e folclórico.
Acrescenta-se a essa contribuição pessoal, sua oceânica simpatia, fortalecida pela fidalguia no trato, por sua convivência amena e civilizada, herdada do berço, razão maior de seu prestígio. Embora galante e cortejador do belo sexo, Beto Viriato nunca se casou e morreu celibatário. Poderia ser amantíssimo esposo e pai, se tivesse optado pelo matrimônio. Parece que não deixou descendente. Deixou, sim, imorredoura saudade de todos que pranteiam seu desaparecimento.


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Por Haroldo Lívio - 2/5/2008 17:53:40
“Por cima dos telhados,
por baixo dos arvoredos”

HAROLDO LÍVIO *

Foi bem assim: o menino de 8 anos estava com saudade de casa e arquitetou um plano de fuga infalível. Estava bem tratado em casa de tios queridos, é verdade, porém quisera estar com o pai e a mãe, com os irmãos, à beira de seu rio piscoso, perto do peixe e do martim-pescador, em seu povoado de uma rua só. Rua de uma banda só, pela metade. Aí, então, o menino saudoso achou que se pulasse de um lugar mais alto que o chão poderia decolar, como fazem os pássaros, e voltar voando para casa, “por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos”. Lamentavelmente, por motivo óbvio, não conseguiu voar e deu graças a Deus de não se machucar muito na queda inevitável.
Foi deste relato autobiográfico que o autor Luiz de Paula retirou o pitoresco título de seu quarto livro, publicado aos noventa anos, em edição artesanal da Editora Millenium, daqui mesmo. Sabe-se que, até recentemente, cobrava-se do autor haver contribuído avaramente para a bibliografia da literatura montes-clarense, rica em obras e da qual é uma das mais expressivas referências. Sempre foi muito conhecido e reconhecido por suas aplaudidas incursões no território da poesia e da prosa, marcando presença, nas folhas locais, com poemas, canções e crônica bissexta.
Depois de se aposentar do mister empresarial, e olha que não tem mais a idade de um menino passarinho, ele resolveu colocar suas letras e artes em dia, e o faz caprichosamente, como é de seu feitio, de estudante que sempre foi o primeiro da turma, da escolinha rural de Várzea da Palma até a faculdade no Rio de Janeiro. Numa idade em que os idosos, em geral, julgam estar no limiar do crepúsculo, Luiz de Paula faz de conta que a luzinha distante, no fim do túnel, é o clarão do dia novo que nasce. Enganosamente, não é o pôr-do-sol; é a aurora, é a alvorada que desperta. O menino de 8 anos que desejou voltar para casa, na Palma, partindo de Montes Claros e navegando num céu que só existe no imaginário infantil, conseguiu chegar ao destino. Valeu o sonho do menino exilado do Rio das Velhas, porque ele caiu, levantou e continuou querendo voar. Decolou na vida.
O vôo “por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos”; este é o sonho do menino que permanece menino, que não envelhece, que não pára de estudar, que não pára de trabalhar, que sempre tem um projeto para construção imediata. Vejo que, repetindo a gentileza de quando publicou o segundo e o terceiro livros, o autor concedeu-me a primazia de ser contemplado com um dos 10 exemplares da edição artesanal, devidamente autografado. Sendo a edição tão escassa, como o livro chegaria ao alcance do grande público? Fiquei sabendo, depois, que a obra está disponível no site eletrônico montesclaros.com .
Ainda bem, porque seria um absurdo impedir o acesso dos demais leitores a tão interessante publicação, de autor muito apreciado. Se não estivesse exposta na internet, seria o caso de se sugerir ao Sr. Prefeito seu tombamento como bem do patrimônio cultural montes-clarense, para em seguida decretar a utilidade pública para efeito de desapropriação da obra literária. (Amigável ou judicial!). Seria uma medida coercitiva, realmente, mas uma criação desse jaez jamais poderia ser sonegada ao leitor. Quem leu “Na venda do meu pai” e “Momentos”, e obviamente deliciou-se com a leitura, vai sentir que a festa continua animada, com muito foguete, com muita sanfona.

*Do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros


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Por Haroldo Lívio - 16/3/2008 13:58:54
O PRIMEIRO GENERAL

HAROLDO LÍVIO*


Faleceu, dia 20 passado, no Rio de Janeiro, aos oitenta e dois anos de idade, o primeiro filho de Montes Claros que alcançou o posto de oficial-general nas Forças Armadas. Em aviso fúnebre publicado no Jornal do Brasil, no dia seguinte (feriado de Tiradentes), a família do extinto general João Punaro Bley convidou parentes e amigos do velho soldado para o seu sepultamento no Cemitério São João Batista.
Poucos montes-clarenses sabem quem era o falecido, isto porque, tendo aqui nascido, deixou esta cidade ainda criancinha de peito e nunca mais retornou à sua terra de origem, que morreu sem conhecer. Sua biografia, contudo, ficou registrada nos anais da nossa história. O competente Nelson Vianna, em sua obra Efemérides Montes-clarenses, edição de 1964, anota evento ocorrido no dia 14 de novembro de 1900:
“Nasce, em Montes Claros, o general João Punaro Bley, filho do engenheiro João Bley Filho e D.Maria Punaro Bley. Fez o curso primário no grupo escolar de Teófilo Otoni, o secundário no Colégio Militar de Barbacena e o superior, na Escola Militar de Realengo. Tem desempenhado as seguintes funções: interventor e governador do Estado do Espírito Santo; comandante do Regimento Escola de Artilharia; chefe da 5º Seção do Estado Maior do Exército; Subchefe do Gabinete do Ministro da Guerra; comandante da Academia Militar das Agulhas Negras, por duas vezes. Dirigiu a Cia. Vale do Rio Doce, na sua primeira fase, e foi comandante da ID-4, de Belo Horizonte.”
Na hora em que morre nosso primeiro general, acrescento uma achega ao resumo biográfico ora reproduzido ipsis litteris e também à notícia dada pelo historiador Hermes de Paula, em sua monografia. No tempo em que comandava Academia Militar das Agulhas Negras, o general Punaro Bley, compulsando papéis relativos ao corpo discente,encontrou o nome de um seu conterrâneo, entre os alunos da AMAN, e mandou chamá-lo ao seu gabinete.
O cadete Jefferson Esteves Xavier (hoje chefe do gabinete do Presidente da Telebrás), convocado à presença do seu comandante, chegou ao gabinete sem saber do que se tratava e a que vinha. Para surpresa sua, foi recebido festivamente pelo general, que se mostrou contente em estar, pela primeira vez em sua vida, falando com um conterrâneo de Montes Claros. Discorreu sobre a rápida passagem de sua família por esta cidade que lhe serviu de berço. O pai, engenheiro, dirigia a construção de uma linha telegráfica. Era o pouco que sabia de seu lugar de nascimento.
Muito interessado em saber coisas de seu torrão natal, crivou o cadete com uma porção de perguntas sobre a cidade e o povo seu irmão, num açodamento de filho ausente que ainda não pôde conhecer a terra que o viu nascer. Disse pretender conhecê-la e, ao que tudo indica, nunca esteve por aqui, a não ser que tenha feio incógnito o seu passeio sentimental, para poupar-se de imensa emoção.
Na ocasião em que comandava a ID-4, em BH, o general Punaro Bley teve a má sorte de ver-se envolvido em desagradável incidente. Durante operação de intervenção militar, na redação do semanário O Binômio, numa quadra tumultuosa de tensão política, em 1963, o general, em atrito pessoal com o diretor do jornal, teria sido atingido na face com um bofetão dado pelo jornalista e que o apanhou descuidado, segundo o noticiário divulgado pela imprensa. O jornalista, exilado após 64 e, muitos anos mais tarde, anistiado, é o senhor José Maria Rabello, atual assessor do governador Leonel Brizola.
Essa ficou sabendo a nota melancólica na brilhante carreira de militar e administrador público que cumpriu o nosso primeiro general.
Se nossa juventude, até aqui, tem mostrado escassa vocação para a carreira das armas, ainda há, todavia, no efetivo das Forças Armadas, mais três oficiais-generais montes-clarenses, com o dado curioso de pertencerem todos ao serviço médico. No Exército, está o General de Divisão João Caldeira Veloso, com três estrelas; na Marinha, o Almirante Hélio Vecchio Maurício; e na Aeronáutica, o Brigadeiro Robson Veloso.
E se o general João Caldeira Veloso não fosse médico e sim oficial combatente, poderíamos alimentar a ilusão de ter um conterrâneo presidenciável, visto estar aguardando a quarta estrela. Não consegui saber se há outro montes-clarense prestes a chegar ao generalato.
Só sei que o ex-vereador (suplente convocado) José Mário de Araújo, muito orgulhoso de sua prole exemplar, está anunciando aos quatro ventos, para futuro próximo, mais um general montes-clarense, que desta vez será um de seus filhos, um jovem capitão de Infantaria que vem cumprindo rápida e promissora carreira.
Quem viver verá o ato de promoção, no Diário Oficial, garante o papai coruja... (O Jornal de Montes Claros, 2 de maio de 1983).

PS: Vinte e cinco anos depois, a lista de generais aumentou de quatro para seis. O quinto é o almirante Délcio Machado de Lima, atual diretor de Saúde da Marinha, sobrinho do inesquecível Lazinho Pimenta; e o sexto é o general Mário de Araújo, recém-promovido conforme a profecia paterna ora realizada.

*Do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.


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Por Haroldo Lívio - 12/3/2008 07:27:11
O Roxo Verde decifrado
HAROLDO LÍVIO *

A origem da esquisita denominação de Roxo Verde, dada a um dos bairros mais antigos de Montes Claros, já foi suficientemente esclarecida por Nelson Viana, em sua obra “ Serões Montes-clarenses”. Na semana passada, o jornalista Benedito Said, que adora esmiuçar tudo que lhe parece misterioso, veiculou, em sua lidíssima coluna de variedades, no Jornal de Notícias, uma versão que lhe contaram, supostamente explicando o porquê do Roxo Verde. Trata-se de uma deturpação de fato real que, de boca em boca, acabou confundido com o nome do cardeal Richelieu, que entrou de gaiato no caso. Isto costuma acontecer em informações transmitidas apenas pela tradição oral. Diz o velho ditado que quem conta um conto aumenta um ponto.
Nelson Viana conta que, ali pela década de 1920, aproximadamente, o comerciante José Fernandes de Araújo, de tradicional família da cidade, gostava imensamente de informar-se e de instruir-se pela leitura de jornais, tanto que era assinante do ‘Correio da Manhã”, do Rio de Janeiro. Ele tinha o hábito de, pela tarde, pegar o último jornal recebido e procurar um local aprazível para saborear a leitura. Gostava muito, quando dispunha de maior folga, já que o trabalho o esperava, no balcão de sua casa de negócios, de ir a um recanto bucólico , na saída para Juramento, além da Malhada das Almas, hoje Santuário do Bom Jesus. Ali, á sombra refrescante de árvore frondosa, punha-se a par do que acontecia pelo país e pelos cinco continentes.
Entretanto, o que mais lhe dava prazer era a emoção despertada pelos romances de capa- e –espada, que o matutino carioca publicava em folhetins. Ainda não se falava em rádio e muito menos em televisão, portanto, o folhetim era a novela daquela quadra distante. José Fernandes de Araújo, em seguida à leitura prazerosa, narrava a amigos e familiares as peripécias vividas pelos espadachins e aventureiros. Uma destas histórias fantásticas e rocambolescas o impressionou, particularmente. Era a saga de um tal conde Rochefert, que pintava e bordava em lances de amor e paixão, deixando o leitor empolgado. Por isto, quando alguém indagava por seu paradeiro, os amigos respondiam com segurança e confiança:
_ O Zé deve estar lá no seu cantinho, lendo o Rochefer...
Daí, dá para notar que foi se desdobrando a seqüência de corruptelas: Rochefer, Rochever, Rochover, Roxo Verde. Assim, o gabinete de leitura ao ar livre passou a ser chamado por todos de Roxo Verde. Esta é a razão, muito adequada, da existência, naquele local, da Praça José Fernandes de Araújo, que veio a ser o pai do saudoso José Mário de Araújo, o popular Zé Amaro. Quando o fundador do Roxo Verde morreu, colocaram em seu caixão o último “Correio da Manhã” recebido, que ele não pudera ler, para que fosse lido em algum recanto do Paraíso.
Seus descendentes, netos e bisnetos, honram a cidade que muito amou. Um deles, o general Mário de Araújo, é o sexto montes-clarense que recebeu a espada de general das mãos do Presidente da República, há poucos dias. O avô José Fernandes de Araújo adoraria ler a notícia da promoção do neto, em seu jornal preferido, que também já morreu. Não dá nem para imaginar como seria o foguetório e a afobação de Zé Amaro, pai coruja do novo general do Exército Brasileiro.

* DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS


32128
Por Haroldo Lívio - 19/2/2008 15:54:54
DINDINHA CLEMENTINA

HAROLDO LÍVIO

Natal de 1941. Eu era apenas um garotinho de três anos e três meses de nascido. Esta é a impressão mais remota gravada em minha memória nascente, que começou nesse dia santo. Revejo, com imagem turva, a cena natalina em minha casa: meu avô materno, chamado pelos netos de Ioiô, segundo costume ancestral trazido do Ceará, muito atarefado com a montagem do presépio. Utilizava tesoura, pincel, grude, cordões, jornais velhos, borra de café, tintas, elásticos; e punha o presépio vivo funcionando, porque alguns bichos de brinquedo tinham movimento. De todo esse espetáculo fantástico, que para os netos maravilhados valia mais que uma viagem à Disneylândia (que ainda nem se falava em construir), ficou gravada, em minhas retinas, para a eternidade, a cena do rato que atravessava a pista correndo. Nem se pode, hoje, imaginar o encantamento produzido na alma de uma criança que mal despertava para a vida.
Quatro meses depois, o avô foi fazer outro presépio, no céu, para os anjos, querubins e serafins. Lembro-me, muito bem, de Mamãe chorando muito e montando a cavalo, de silhão, para ir ao enterro do pai. Uma semana depois, ela voltou vestida de preto, ainda em prantos e deixando toda a família consternada. Dindinha, nossa empregada doméstica, cuidou de me comunicar que eu não tinha mais o avô. Explicou-me, tentando consolar-me da perda, que ele morreu porque a corda do coração caiu, e que nunca mais o veríamos. Esta sábia explicação deu-me uma noção vaga, muito superficial, do que seria a morte, que era uma novidade para mim, um infante de três anos e sete meses de nascido.
Algum tempo mais tarde, quando me achava mais taludinho, Dindinha pegou-me pela mão e me levou para conhecer um velório. Ela achava que eu tinha de conhecer a realidade da vida e da morte, para amadurecer. Era noite escura, de chuva, e fomos à “sentinela”. Pela primeira vez, vi um defunto, com certo medo, evidentemente, agarrado à mão de minha guardiã. Enquanto algumas pessoas rezavam o padre-nosso, em voz alta, outras comentavam, entre sussurros, a causa do óbito. Lembro-me, ainda, de que o cadáver era de um rapaz que bebera estricnina, por desgosto, e que deixara uma carta de amor. Curioso, perguntei a Dindinha o que vinha a ser uma carta de amor. Sem me responder, fez um sinal para que esperasse um pouco e continuou concentrada na ladainha. “Regina patriarcarum! Virgo predicanda! Mater inviolata! Ora pro nobis!”
Quando voltávamos para casa, na escuridão, ela, com muito tato, me disse, em resumo, que amor era um assunto de gente grande, complicado demais para ser revelado a um ser inocente. Arrematou justificando que, quando crescesse,o amor deixaria de ser um mistério. E botamos o pé na estrada... Passado tanto tempo, muito tempo, nunca me esqueci dela e ainda sinto sua sombra protetora me seguindo, velando por mim, cobrindo-me de carinho.
A benção da senhora, Dindinha!


31286
Por Haroldo Lívio - 25/1/2008 16:55:41
NOSSOS GOVERNADORES

HAROLDO LÍVIO *

A quase totalidade dos governadores de Minas Gerais proveio,
evidentemente, das regiões mais ricas e mais desenvolvidas do estado,
que são o Sul de Minas e a Zona da Mata. Nossa região norte-mineira,
isolada e castigada por calamidades de toda sorte, até o presente
momento, só deu dois governadores para o povo mineiro. Quem abre a
lista é o jurista e parlamentar Antônio Gonçalves Chaves, que foi
professor de Ruy Barbosa, na Faculdade de Direito de São Paulo, e é
homenageado por seus conterrâneos montes-clarenses como patrono do
fórum, da praça da Matriz (onde nasceu) e da primeira escola pública
local. Ele gozava de invejável prestígio político na Corte e, por
este motivo, foi nomeado pelo Imperador Dom Pedro II, em 1882, para o
cargo de presidente da província de Santa Catarina. Cumpriu a missão
a inteiro contento de Sua Majestade, que, para premiá-lo, nomeou-o, no
ano seguinte, em 1883, presidente de sua província natal, Minas Gerais.
Exerceu o mandato na antiga Capital, Ouro Preto.
Há poucos dias, por um equívoco facilmente explicável, o site
montesclaros.com informou que o Doutor Chaves governou também o
Espírito Santo. Esclarece-se, para ilustração da notícia, que foi
outro montes-clarense que governou os capixabas, de 1930 a 1943, como
interventor federal e como governador eleito. Ele nasceu na Rua Doutor
Veloso, foi embora daqui criancinha e jamais conheceu a terra que o viu
nascer. Chamava-se João Punaro Bley e era oficial do Exército
Brasileiro. Ali por volta de 1960, ele comandava a Academia Militar das
Agulhas Negras, no Rio de Janeiro. Despachando em seu gabinete, examinou
o fichário dos alunos, descobriu um seu conterrâneo e mandou chamá-lo
à sua presença. Sem saber de que se tratava, o cadete Jefferson
Esteves Xavier, que veio a ser o implantador da Telebrás, foi ao
encontro do general comandante, que o abraçou comovido e lhe fez
várias perguntas sobre a terra natal que não conhecia .
O segundo governador norte-mineiro foi o diamantinense Juscelino
Kubitschek. Diamantina está no Norte de Minas, tanto que ostenta o
epíteto secular de Athenas do Norte. Montes Claros deu um governador
para o Espírito Santo e outro para o Rio de Janeiro, este nos dias
atuais. Sabe-se que o mitológico Darcy Ribeiro foi vice-governador dos
fluminenses, no segundo mandato de Leonel Brizola, tendo exercido o
cargo de governador, por diversas vezes, nas eventuais ausências do
titular.
Será que veremos o terceiro governador norte-mineiro? Volta e
meia, o nobre deputado Ruy Muniz, sempre que é entrevistado pela
mídia, declara solenemente que, depois de eleito prefeito de Montes
Claros, sua meta seguinte será o Palácio da Liberdade. E se propõe,
ainda, a ser o primeiro presidente da república nascido em Montes
Claros. Certamente que enfrentará muitos concorrentes poderosos e
tidos como imbatíveis, porém, impossível, neste mundo, é só Deus
pecar... Afinal, Diamantina já teve um presidente, e Bocaiúva poderia
ter tido o seu, se o presidente Castello Branco tivesse permitido, ao
menos por um dia, o exercício da presidência pelo vice-presidente
José Maria de Alkimin.

*Do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros


31285
Por Haroldo Lívio - 25/1/2008 16:55:00
Tombamento da mansão de Luiz de Paula

HAROLDO LÍVIO

A poetisa Raquel Mendonça, que tem sido o anjo tutelar de nosso
Patrimônio Histórico, recomenda que todos dêem sinceros parabéns ao
poeta Luiz de Paula Ferreira, seu primo e autor da canção do
Centenário. Os cumprimentos, desta vez, são pelo futuro tombamento de
seu palacete estilo neoclássico, onde mora, na Rua Doutor Santos. Seria
um ato de barbárie, convenhamos, se algum dia viessem a botar abaixo
aquela imponente construção, para erguer em seu lugar um edifício
de apartamentos ou de salas , em face de sua localização privilegiada
no hipercentro comercial, uma região que se destaca pelo preço
astronômico do metro quadrado. Aquele prédio foi construído, no
início da década de 1950, pelo invernista Domingos Barbosa Braga, que
ensinou os ricos a viverem como ricos,dotando a cidade,ainda na casa dos
30.000 habitantes, de uma residência luxuosa e monumental,que veio a
ser palco de acontecimentos políticos e sociais de suma importância.
Trata-se, então,de documento histórico de inestimável valor,que deve
ser preservado em sua integridade arquitetônica. Em boa hora, o
Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural
proporá ao Sr. Prefeito Municipal a promulgação do ato de seu
tombamento.
O proprietário do bem a ser tombado é um dos nomes mais conhecidos e
respeitados da cidade e da região. Pode ser considerado uma
celebridade local, uma vez que é focalizado quase todos os dias na
mídia. Aparece nos jornais, no rádio, na televisão, e comparece aos
grandes eventos. Aos noventa anos de idade, dedicando-se ao lar doce
lar, parece viver o apogeu da sua existência. Depois de uma carreira
empresarial bem sucedida, priorizou o tempo disponível para retornar
à literatura, que é sua primeira vocação, talvez seu verdadeiro
destino. Tem procurado devolver para as musas o tempo que empregou no
trabalho diuturno, em viagens, em reuniões de diretoria. Já apresenta
razoável saldo credor para quitação da dívida com os leitores.
Publicou o volume de memórias ?Na venda de meu pai?;e, em
seguida,?Momentos?, dedicado às barrancas do Rio das Velhas,sua
origem. Luiz de Paula merece congratulações pela biografia completa,
pela caminhada de menino da beira do rio, de negociante, de
congressista, de rotariano, de capitão de indústria, de menestrel.
Por que não dizer que está de parabéns pelo conjunto da obra,
principalmente por haver proposto ao Conselho que se proceda ao
tombamento de seu palacete. Seu maior desejo, em termos de poesia, é
que sua morada permaneça intacta, sempre viva, testemunhando sua
história de amor com esta cidade, que o acolheu, quando chegou de
Várzea da Palma,ainda usando calças curtas.


29844
Por Haroldo Lívio - 28/11/2007 09:56:25
HISTORIADOR JOÃO BOTELHO NETO

Finados. O pavilhão brasileiro hasteado a meio pau, na entrada da Câmara
dos Vereadores, em São Francisco, confirmava o decreto de luto oficial de
dois dias pelo falecimento do ex-vereador João Botelho Neto, notório
pesquisador da história local e ecologista consagrado. Merecidamente
homenageado pela municipalidade e aplaudido por todas as pessoas que o
estimavam e admiravam, seu nome está imortalizado na galeria dos
beneméritos de sua cidade por ter sido guardião do patrimônio histórico e
cultural e zelador vigilante da Natureza. Cogita-se de sua indicação para
patrono do centro cultural a ser implantado no prédio do antigo Cine
Canoas, ora fechado.
João Botelho Neto, um nome que jamais será esquecido pelas gerações
sanfranciscanas, provém de tronco familiar tradicionalmente vinculado ao
amanho da gleba e ao pastoreio, no sertãozinho do Pajeú. Nasceu em
31.01.1932 e faleceu em 01.11.2007, aos 75 anos de idade, querendo viver
mais algum tempo para completar sua obra de pesquisa histórica e ver o seu
amado Rio São Francisco salvo da degradação que o ameaça. Ele era um homem
que sonhava e trabalhava pela realização de seus sonhos.
Fez seus estudos no afamado Colégio São João, de Januária, e na
Universidade de Viçosa, de onde saiu graduado técnico agrícola. Dedicou
seu talento e as energias de sua juventude ao serviço público, nada
exigindo em troca de sua dedicação. Exerceu a vereança em Brasília de
Minas e São Francisco, gratuitamente, e chefiou gabinetes de diversos
prefeitos, em seu município natal.
Sobretudo, apaixonou-se pela narrativa dos sábios naturalistas europeus
que percorreram o Norte de Minas, no século XIX, tanto que pretendia
publicar um estudo especial sobre a matéria que tanto o atraiu. Deixou
livros publicados e também uma grande saudade. Era membro do Instituto
Histórico e Geográfico de Montes Claros e secretário da Academia de
Letras, Ciências e Artes do São Francisco - ACLECIA. Casou-se, em
primeiras núpcias, com Áurea Neves de Oliveira, com quem constituiu
família. Enviuvando, contraiu matrimonio com Joanita Cunha, que chora sua
ausência. Gozava de invejável reputação de cidadão e chefe de família
exemplar, impondo-se ao respeito geral. Fundou a ONG Preservar, cujo nome
diz tudo: preservação dos bens culturais e naturais para manter viva a
memória de um povo rico em tradições. Sabe-se que o eminente historiador
Braziliano Braz registrou atos e fatos ocorridos no passado de São
Francisco. E que o pesquisador João Botelho Neto batalhou para que a
história local não caísse na vala comum do esquecimento coletivo.
Sua alma partiu para a Eternidade, no dia de todos os santos.
E seu corpo desceu ao jazigo, no dia de todos os finados.


26577
Por Haroldo Lívio - 26/7/2007 13:52:31
Do Centenário ao Sesquicentenário

HAROLDO LÍVIO


Por mera distração, deixei de participar do grandioso desfile
histórico folclórico do Centenário da Cidade, em três de julho de
1957. Da turma do diretório dos estudantes, Lúcio Bemquerer
caracterizou-se no papel de Fernão Dias Paes,o Caçador de
Esmeraldas,e Lauro Vasconcelos Nascimento representou o bandeirante
Antônio Gonçalves Figueira,que fundou a fazenda Montes Claros,há
precisos 300 anos. Perdi de desfilar, porém, não posso me queixar do
que aproveitei na empolgação vivida por todos nós naquelas manhãs,
tardes e noites inesquecíveis, ao som da ?Vovó Centenária?, do
fox ?Only you? e da canção francesa ?Du rififi chez les
hommes?.
Hoje, meio século passado, também não posso me queixar das atenções
que me foram dispensadas, na comemoração do Sesquicentenário da
Cidade. Talvez nem seja merecedor, em face das falhas que foram
cometidas, mas seria falsa modéstia negar que fiquei muito feliz por
terem se lembrado de mim, na hora de jogar confete. Primeiro, fui
colhido de surpresa quando a inspirada fotógrafa Ângela Ferreira me
incluiu na galeria de retratos, em formato de folhinha, das pessoas de
Montes Claros, entre vivos e mortos, por quem ela tem predileção.
Trata-se de uma escolha pessoal,sem interferência de terceiro.
Na etapa seguinte, elegeram-me para a lista ?Eles fizeram
história?, da medalha Civitas, que tanto deu o que falar. Achei,
aí, que estavam exagerando, pois para mim já era muito aparecer na
folhinha de Ângela, que tem a bondade de. um anjo. Em seguida,o jornal
o Norte fez uma eleição?on line?das ?150 pessoas mais ilustres
de Montes Claros?e fui incluído,embora,sinceramente não me
considere como tal. Não sou nenhum poço de vaidades,mas sou
humano,de carne e osso,com direito a uma dose discreta de vaidade.Acho
que me envaideci quando meu livro?Nelson Viana?,o Personagem? foi
selecionado para integrar a Coleção Sesquicentenária,editada pela
Unimontes sob a coordenação da historiadora Marta Verônica
Vasconselos Leite. Parece que essa escolha me deixou mais feliz do que
quando meu livrinho foi selecionado para a Coleção Mineiriana,da
Fundação João Pinheiro,porque agora é santo de casa fazendo
milagre.Porque livro é como filho da gente,e quem beija a boca do
filho adoça a boca do pai,segundo já diziam nossos tataravós.
Nessas farras do Sesquicentenário, minha maior emoção, contudo, foi
ter participado na redação de um discurso para ser lido pelo
Presidente da República, na solenidade de entrega das medalhas Civitas
e Urbis, na data magna do aniversário da cidade. Fiquei sabendo de
minha participação somente quando o Presidente em exercício
discorria, eloquentemente, sobre as origens históricas da cidade. Com
grande surpresa e muita honra para mim, reconheci trechos inteiros de
uma reportagem que escrevi, no ano 2000, para o catálogo telefônico
do Jornal de Notícias. O redator aproveitou o máximo que pôde e não
citou a fonte onde bebeu o conteúdo histórico do discurso
presidencial.
Ele deve ter lá suas razões para dispensar-se da citação. Se fosse
um autor conhecido,como Cyro dos Anjos ou Darcy Ribeiro, talvez tivesse
citado. Tudo bem, já que fiquei imensamente feliz e gratificado com a
transcrição de meu texto na fala presidencial. Da mesma forma, sou
grato e penhorado ao amigo oculto que recomendou meu texto ao redator
do Palácio do Planalto. Eu sei quem é o amigo oculto, e ele sabe que
eu sei que foi ele quem indicou a transcrição. Quem encontra um
amigo, encontra um tesouro, diz o Livro Sagrado.


26364
Por Haroldo Lívio - 15/7/2007 21:08:04
A cidade dos centenários

HAROLDO LÍVIO

.... Montes Claros também é a cidade dos centenários. Primeiramente,
em razão de aqui viverem pessoas saudáveis que já completaram um
século de vida, a exemplo do fazendeiro Neco Martins e da senhora
Alyria Prates Athayde. Em segundo lugar, nossa cidade merece o título
devido às comemorações de centenários que têm sido feitas por
aqui. A febre começou em 1932, quando nosso primeiro prefeito, Dr.
Orlando Ferreira Pinto, irmão do farmacêutico Aluísio Ferreira
Pinto, promoveu a comemoração festiva dos cem anos de emancipação
político-administrativa. Portanto, o município completara seu
primeiro centenário.
Acontece que, vinte e cinco anos depois, em 1957,o historiador Hermes de
Paula, para animar o ambiente, entendeu de comemorar o centenário de
elevação da sede do município da humilde condição de vila para a
de cidade. Vivia-se a era dos Anos Dourados e tudo contribuiu para que
Montes Claros realizasse a maior festa de sua história. O efeito dessa
festança foi tão forte que, meio século depois, resolveu-se matar a
saudade daqueles dias memoráveis comemorando, numa cidade várias
vezes maior, o sesquicentenário da cidade, que vai durar um ano de
festividades. Vem mais festa por aí.
A geração a que pertenço só tem o que agradecer à iniciativa do
"homem que inventou o Centenário", porque fomos enormemente
bafejados. Ora, perdemos o primeiro centenário do município, em 1932,
e não será fácil alcançar o segundo, em 2032. Comemorando, porém, a
elevação da vila à cidade, ganhamos o centenário,em 1957, no apogeu
da juventude, e ainda aproveitamos o sesquicentenário. Muito obrigado,
Dr. Hermes de Paula!

Constata-se que, para nós, acabou a temporada dos centenários e
sesquicentenários de Montes Claros. Dizem que festa acabada, capiau na
chapada, porém, ainda temos muitos discursos e banquetes pela frente,
comemorando centenários de nossos grandes vultos.
Para começar a série, no próximo ano, em 2008, teremos expressiva
comemoração do centenário de nascimento do artista Godofredo Guedes,
que já esta sendo planejado pela família, capitaneada por Patão.
No ano seguinte, em 2009, vamos festejar os cem anos do legendário
Hermes de Paula, cuja biografia, pesquisada e lavrada por Amelina
Chaves, aguarda patrocínio para ser editada.

E em 2010, teremos o centenário de nosso querido poeta Cândido Canela,
cuja comissão organizadora poderá ser presidida por seu segundo filho,
Reinine, uma vez que o primogênito, Reivaldo, decretou que não sai
mais de casa à noite. Por vivermos na Cidade da Arte e da Cultura,
aguarda-se a participação da municipalidade, na programação destas
três grandes festas, tal qual ocorreu no Centenário de João Chaves,
em 1985.


25961
Por Haroldo Lívio - 2/7/2007 07:26:14
NONAGENÁRIOS E STRADIVARIUS

HAROLDO LÍVIO

Vou pedir a inclusão de meu nome no Guiness, o livro dos recordes, por ter sido convidado para duas festas de noventa anos, em uma mesma data, no último 23 de junho. Os dois ditosos aniversariantes, que foram contemplados pelo Criador com a graça de alcançar a idade bíblica, em pleno gozo de saúde e total lucidez, foram o poeta Luiz de Paula e o telegrafista emérito Geraldo Diê de Souza. O primeiro deles, muito conhecido por sua biografia e bagagem literária e musical, recepcionou os convidados no Portal de Eventos; e o segundo, que foi personagem de comovente história de amor, na juventude, recebeu as homenagens devidas, em sua residência, no Santa Rita. Lamentavelmente, não pude comparecer, por motivo de viagem.
Duas festas de noventa anos simultâneas, numa cidade de 350.000 habitantes, causariam espécie, realmente, se não vivêssemos numa cidade em que temos, graças a Deus, vários amigos nonagenários, circulando por aí e participando da vida da cidade, numa prova evidente de que pessoas de tão gloriosa idade já são, hoje em dia, menos raras que o violino Stradivarius (fabricado há 300 anos). Começa-se o comentário registrando a excepcional performance do bardo Luiz de Paula, que vem dedicando seu tempo de lazer à conclusão de sua obra em prosa e verso. Depois de publicar “Na venda de meu pai” e “Momentos”, ambos frutos de reminiscências de infância, nas barrancas do Rio das Velhas, está anunciando, para breve, um volume de poemas já publicados na imprensa juntamente com outros inéditos.
Falando em nonagenários, estamos inchando as mãos de tanto bater palmas para as manifestações da oradora e poetisa Yvonne de Oliveira Silveira que, no esplendor de seus 92 anos, maravilha a todos com o alto nível de sua oratória. Essa grande dama de nossa melhor sociedade tornou-se uma referência pelo respeito inspirado por sua presença nas mesas de honra, em eventos sociais e culturais. Seu esposo, Olyntho Silveira, prestes a completar 98 anos, também é outro jequitibá resistindo às intempéries. Infelizmente, por motivo de saúde, está ausente do convívio dos amigos que tanto o admiram e estimam. A historiadora Ruth Tupinambá Graça, cheia de graça, cheia de luz, a cada dia mais inspirada em sua tarefa de rememorar a Montes Claros de antanho, cumpre sua agenda de trabalho e é, por tudo que representa, motivo de orgulho para seus familiares e conterrâneos. E assim, nesse diapasão, vai crescendo o clube dos nonagenários, de tal sorte que já não adianta fazer festa de 70 ou 80 anos, porque está todo mundo querendo chegar aos 90.
Outro felizardo, o simpático sergipano Josias Loyola, que fundou A Cristal, em 1959, também está comemorando a chegada dos 90. Até agora, está invicto na forma física, tanto que, recentemente, dirigia seu carro para todo lado, dentro da cidade. Por cautela e por respeito à nova idade, está dirigindo apenas no quarteirão onde reside, no que faz muito bem.
Lembro-me do querido amigo Mário Magno Cardoso, um dos pioneiros da aviação ainda vivos, que vai noventar no próximo 24 de agosto, dia de São Bartolomeu, e da professora Maria Celestina de Almeida Leão, da Academia Montesclarense de Letras, ainda versejando. Temos também dona Lygia, viúva do inesquecível Jader Figueiredo, temos dona Geralda, mãe da poetisa Miriam Carvalho, e Luiz Rodrigues Soares, o conhecido “Bola Preta”, que foi um dos comensais e fundador da famosa feijoada de “Belo”. Sei que pode haver outros nonagenários, aos quais imploro relevar a omissão, pois, neste tempo de listas, muito gostaria de citar todos os nomes. Quantos serão?


22843
Por Haroldo Lívio - 13/4/2007
“Lá vem o Dó, cambada!
Quem não tem canoa,
cai n´água.”

SERRANO DE PILÃO ARCADO

HAROLDO LÍVIO

Ultimamente, ando lendo, com muito gosto, o romance de Petrônio Braz, indo e vindo pelos capítulos, conferindo seu relato com as narrativas que ouvi de meus pais, barranqueiros de São Francisco, em saudosos serões dos bons tempos. Era quando a família se reunia, à luz do lampião, num tempo em que éramos crianças e ouvíamos, encantados, histórias das façanhas dos capitães de jagunçada que perturbaram a paz pública, em cidades da beira do rio. Falava-se, principalmente, das tropelias de Indalécio, de Antônio Dó e de Rotílio Manduca, que formaram o triunvirato do banditismo no sertão sanfranciscano.
Esses caudilhos desafiaram as autoridades e cometeram toda sorte de abusos, supostamente no intuito de reparar injustiças, atos de arbitrariedade cometidos pelos poderosos contra os humildes e despossuídos. Alguns desses bandidos, a exemplo de Rotílio, que gozava da proteção de políticos influentes, tiveram a petulância de substituir o próprio Estado, com tropa uniformizada e agindo em nome da lei. O famigerado Rotílio chegou a ter parceria com a polícia militar, imaginem só, participando do combate à Coluna Prestes, nos anos 20. Petrônio Braz, que se glorifica com a publicação de Serrano de Pilão Arcado, é um estilista, sem nenhum favor, e soube transmitir ao leitor a melhor informação possível sobre a origem e os episódios marcantes dessa era de desmando e terror. E, com rara felicidade, escolheu a figura mitológica de Antônio Dó para romancear a epopéia da jagunçada.
Honestamente, não é todo dia que aparece um livro digno de ser lido inteiramente. Estou, com muita convicção de acerto, recomendando este livro aos amigos que me solicitaram indicação para leitura agradável. Trata-se , no caso presente, de obra de tomo, mas o leitor não encontra nenhuma turbulência na travessia prazerosa da leitura. Nota-se divergência quanto ao gênero literário da obra. Muitos, na maioria, acham que é romance histórico, porém o alcance do enredo vai muito além disso. Contém história documentada e comprovada, sim, mas exposta com pinceladas de romantismo e acentuado lirismo. E não é puramente romance porque não se afasta do compromisso com a verdade dos fatos. Simplesmente, o autor narra a saga de seu personagem real tal como sucedeu. Isto basta.
Este livro segue a trilha da literatura regionalista de Minas Gerais, que começou com “Inocência”, de Taunay, e prosseguiu nas obras de Afonso Arinos e Mário Palmério, os autores mais proeminentes, que vieram antes do imaginário de João Guimarães Rosa. Enquanto me delicio com a leitura, troco figurinhas com Petrônio Braz, pois afinal de contas, conheci pessoalmente personagens do livro, como o Dr. Tarcísio Generoso e Dona Laurinha Mesquita. Levo as vantagens de ser filho, neto e bisneto de barranqueiros e ser, por conseguinte, muito enfronhado nesses “causos” de jagunços. Confesso que estou lendo a saga de Antônio Dó com o mesmo prazer que desfrutei, há longos anos, percorrendo as páginas dos romances de José Lins do Rego, que abordou a temática do cangaço, muito parecida com a trajetória dos jagunços de Petrônio Braz, este serrano da Serra das Araras.


20874
Por Haroldo Lívio - 8/2/2007 12:10:12
DEPARTAMENTOS DO BANCO NO PAÍS
(Viagem de numerário para a Capital)

HAROLDO LÍVIO*
Nada como uma viagem de numerário para espantar a rotina. Se, de um lado, havia o sacrifício de uma viagem em condições árduas para Espinosa, com mais de 600 quilômetros de lama ou poeira, no percurso de ida e volta, por outro lado, havia a confortável viagem para Belo Horizonte, por via aérea, no DC-3 da Real Aerovias, em vôo que durava pouco mais de uma hora, de pista a pista. Para o candidato fazer jus à indicação, obviamente, a administração adotava o critério de exigir o pré-requisito de já haver o funcionário adquirido milhagem na estrada de terra. Nesse caso, quem roeu os ossos é que merecia, depois, o prêmio de saborear o filé à Chateaubriand.
Em nossa agência, localizada em cidade-pólo de região afastada dos grandes centros, registrava-se, freqüentemente, excesso de caixa que tinha de ser recolhido à coirmã de Belo Horizonte. Essa viagem era uma festa. Eu me recordo muito bem de que, em nosso quadro de pessoal, havia expressivo número de jovens auxiliares de escrita admitidos em concurso de 1.962. Quase todos eles, Laércio, Lineu, Washington, Edgar, Helton e outros de que não me lembro, neste momento, tinham família na Capital, principalmente tinham ali noivas e namoradas saudosas de seus pares. Essa rapaziada viajava de trem de ferro, para namorar, e invejava os eleitos dos deuses que eram escalados para voar até a Capital de Minas Gerais.
E tinham toda razão de invejar porque o desencargo dessa missão oficial tinha para os condutores de numerário o mesmo sabor de um feriadão nas areias de Copacabana. Ora, a Belo Horizonte de quarenta e muitos anos atrás ainda era a Cidade Vergel cantada e decantada em prosa e verso pelos poetas mineiros. Então, dava gosto levar dinheiro do Banco para a Capital. Primeiramente, pelo ar que se respirava nas vias públicas, fortemente carregado da suave fragrância das árvores. Aquele perfume exalando de magnólia, madressilva, dama-da-noite, todas essas essências de uma cidade artificial que era um verdadeiro jardim, deixava o visitante inebriado. Não havia shopping center, nem motel, nem self-service. Nem se cogitava de Mineirão e Palácio das Artes. Havia suntuosos cinemas, havia o chope que não havia nas cidades do interior, havia a Camponesa, na Goitacases, havia o Tip-Top, o Pingüim, o Alpino, a Gruta Okey, a Cantina do Ângelo, o Mocó da Iaiá, o Restaurante Califórnia que servia uma deliciosa lagosta. Naquele tempo, a ajuda de custo para a viagem de numerário permitia esses requintes de cozinha e bodega.
E havia os endereços confidenciais e misteriosos muito bem recomendados pelos mosqueteiros da noite belo-horizontina; na Rua dos Pampas, na Rua Mariana e em outros logradouros públicos por demais conhecidos dos boêmios e noctívagos, que pagavam para dançar no Montanhês Dancing, que na época era atração turística. Os rapazes, obrigatoriamente de paletó e gravata, assistiam ao desfile de beldades, no “footing” da Afonso Pena, entre Rio de Janeiro e Bahia, no lado direito de quem sobe a avenida. Convencionava-se que o lado direito da avenida nada tinha a ver com o lado esquerdo. Este era da pesada. Sempre existiu a turma da pesada, mas não havia essa pivetada de hoje, apenas algum raro vigarista ou batedor de carteira já fichado na polícia. Gente, esse Belô já foi um céu aberto.
Nossa romântica Capital tem até uma valsa com seu nome, antigamente muito tocada no rádio pelo acordeonista Antenógenes Silva. Hoje, esta belíssima peça musical parece já ter caído no esquecimento da população da megalópole. Agora, deve ser música restrita aos sexagenários e demais idosos, aposentados, pensionistas e assemelhados. Fiz algumas dessas viagens, com milhagem adquirida na rota da poeira e da lama, e tenho marcantes recordações, como sempre me lembro com saudades dos ótimos amigos que tenho na Casa. Em umas dessas viagens, não encontramos vaga para o retorno, no vôo do dia seguinte, sexta-feira. O colega de viagem propôs que voltássemos de trem, imediatamente, porém, conseguimos telefonar para o gerente Jacy Muylaert Reis, um carioca boa praça, e ele autorizou a volta para o primeiro vôo de segunda-feira.
Nunca me esquecerei, passe o tempo que passar, dessa excursão inesquecível, que fez do serviço uma fonte de prazer. Para nós, encantados com os encantos da Capital das Alterosas, foi como um fim-de-semana em Paris.
Ex-funci. de 1958/1976 em M. Claros, Metr. Barro Preto e Centro BH (SEFUN).


20172
Por Haroldo Lívio - 19/1/2007 08:38:19
CAPELA DO ROSÁRIO

HAROLDO LÍVIO

... No ano de 1960, aconteceu a derrubada da antiga Capela do Rosário, na Avenida Coronel Prates, que já foi Rua da Fábrica, do Jatobá e da Estrela. Na época, a demolição do templo centenário não causou nenhum trauma coletivo, como pode supor quem apenas conhece a atual campanha de preservação do patrimônio histórico da cidade. Há 47 anos atrás, vivendo em outra realidade, ainda não existia essa mentalidade de poupar da extinção predatória os prédios remanescentes de nosso passado colonial. Em face do que, o desmantelamento daquela relíquia de nossa arquitetura religiosa foi recebido passivamente pela comunidade. Nada de lágrimas e condenações.
A imprensa não abriu manchetes denunciando a destruição do prédio. Registre-se, por oportuno, que o bardo João Chaves, que havia dedicado um soneto antológico a uma velha palmeira que tombou na Praça da Matriz, não se manifestou tangendo sua lira. E registre-se, ainda, que o admirável trovador Cândido Canela sequer teceu uma trova de saudade. Poderia ter aproveitado a chance de trovar rimando capela com estrela e rosário com relicário. Eu, como seu leitor, não o perdôo pela falta, porque privou a todos de mais uma jóia literária de sua lavra.
Agora, em janeiro de 2007, numa visão retrospectiva do passado, não se pode condenar ninguém por omissão de socorro, neste triste episódio da derrubada da vetusta Capela do Rosário. Consta, nos anais da História, que a licença para demolição foi concedida para facilitar o trânsito de veículos. Acredito que não se limitou a esse pretexto burocrático. Naquele momento decisivo da vida de nossa cidade, predominava um clima cívico de grande empolgação com a política nacional de desenvolvimentismo.
Aqui, a Sudene se instalava programando a implantação de um pólo tecnológico e industrial, e a energia de Três Marias estava chegando para a execução de todos os projetos concebidos. Todos sabiam que o futuro já havia chegado. Era a hora de botar abaixo os pardieiros infectos e construir uma nova cidade moderna e confortável. Sobreviveu ao autor uma frase retumbante do ilustrado Dr. Plínio Ribeiro, que define e resume aquele momento de bairrismo e euforia:
Montes Claros, para o alto, para a luz, para o dorso altaneiro da cordilheira.
Portanto, a hora era de avançar, de seguir em frente, em marcha apoteótica, ao encontro do grande destino que nos esperava. O entusiasmo de renovação era tamanho, que o prefeito da época, engenheiro Simeão Ribeiro Pires, mesmo sendo laureado historiador, não teve como impedir a demolição do patrimônio da Igreja. Se tivesse indeferido, teria sido tachado de retrógrado empedernido, de inimigo do progresso urbano. Lembro-me de que o próprio historiador Hermes de Paula, que era o porta-estandarte do jucapratismo, deixou-se contagiar pela idéia de substituir o antigo pelo novo e aceitou o plano de construção de uma nova capela para os marujos, catopês e caboclinhos da festa de agosto.
Eu o vejo, como se fosse agora, no salão de barbeiro de Nélson Dias, mostrando a planta da capela de linha futurista assinada pelo jovem arquiteto Mércio Guimarães. E ele não estava equivocado em seu entusiasmo, estava somente, como todos nós, atraído pelo clarão da alvorada que despontava. Era a Nova Montes Claros que renascia da antiga.




Selecione o Cronista abaixo:
Avay Miranda
Iara Tribuzi
Iara Tribuzzi
Ivana Ferrante Rebello
Manoel Hygino
Afonso Cláudio
Alberto Sena
Augusto Vieira
Avay Miranda
Carmen Netto
Dário Cotrim
Dário Teixeira Cotrim
Davidson Caldeira
Edes Barbosa
Efemérides - Nelson Vianna
Enoque Alves
Flavio Pinto
Genival Tourinho
Gustavo Mameluque
Haroldo Lívio
Haroldo Santos
Haroldo Tourinho Filho
Hoje em Dia
Iara Tribuzzi
Isaías
Isaias Caldeira
Isaías Caldeira Brant
Isaías Caldeira Veloso
Ivana Rebello
João Carlos Sobreira
Jorge Silveira
José Ponciano Neto
José Prates
Luiz Cunha Ortiga
Luiz de Paula
Manoel Hygino
Marcelo Eduardo Freitas
Marden Carvalho
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Maria Ribeiro Pires
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