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montesclaros.com - Ano 25 - sexta-feira, 20 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Piquenique a cavalo

Ruth Tupinambá Graça

Quem não tem cão caça com gato.
Era o que acontecia, precisamente nos anos trinta.
Com a falta do automóvel, principalmente em nossa cidade, os passeios a cavalo eram a grande moda.
Era um piquenique programado e discutido, bem organizado, no qual os mais interessados eram os rapazes e moças da nossa sociedade.
Hoje, que os carros entopem as ruas dificultando o trânsito, e qualquer guri de quatorze ou quinze anos brinca de cavalo de pau em plena avenida, pondo em risco a sua própria vida e principalmente a dos pedestres, o inocente passeio a cavalo parece à juventude atual coisa da Idade da Pedra. Entretanto, isto acontecia a pouco mais de meio século, quando o automóvel era fruta rara em nossa cida¬de, poderia ser contado nos dedos, pertencendo, na certa, a algum político importante ou a representantes de firmas estrangeiras.
Com a falta das rodovias, o veículo chegava aqui no sertão encarapitado nos vagões da Central do Brasil recém¬inaugurada. Este espetáculo causava admiração e muita gente boa largava seus afazeres para assistir o desembarque dos carros.
Nesta altura, o cavalo gozava de grande prestígio.
Era respeitado e cobiçado. Todo fazendeiro que se prezava, possuía uma boa tropa, um puro sangue marchador para suas viagens, um muito especial para dona patroa e filhas donzelas, e ainda um pequira para o caçulinha.
Avaliem então, a importância daquele passeio a cavalo, naquela época. Além do esporte, unia o útil ao agradá¬vel, pois para os namorados era uma grande oportunida¬de...
Uma semana antes começava a nossa via-sacra (desculpando a comparação) pois o mais difícil era conseguir os benditos cavalos, bons e bonitos, dignos de nossa excur¬são. Queríamos montar elegantemente e não em qualquer pangaré.
Os fazendeiros se esquivavam a emprestá-Ios (os mais supersticiosos) alegando que a mulher estragava os passos dos garanhões, que uma vez montados por elas, perdiam o calor e se tornavam fracos e mofinos.
Mas a nossa turma era insistente: Ieda Maurício, Maria e Ydoleta Maciel, Walkíria Teixeira, Bela e Lourdes Oliveira, Alaíde Amorim, Lucy e Aracy Zuba, Zuleika e Mary Bessoni, Nenzinha Athayde, Biá e Jacy Fróes, Car¬men e Yris Sarmento, Alba e Yika Fróis e outras, com os respectivos namorados e vários outros rapazes que aderiam ao nosso piquenique, com muita alegria.
Nós perseguíamos os fazendeiros enfrentando-os numa tremenda cara de pau. Muitas vezes recebíamos um não e até grosserias, mas havia, em compensação, os educados e cavalheiros: seu Athaydinho, João de Figueiredo, Levindo Dias, Dr. Plínio, Mauro Moreira, Nozinho Cola¬res, Orfeu Fróis, João Câmara, Chiquinho Veriato, Altino Maciel, Carlos Sapé, Elpídio da Rocha, Domingos e Valeriano Lopes, Chico Peres, João Mendonça, Argemiro Machado e outros. Estes, embora preocupados, eram incapazes de desapontar aquelas beldades.
E (com cara de anjo), conseguíamos tudo: cavalos especiais, celas e arriadas caprichadas, até chicotinhos de estimação encastoados de prata.
No domingo cedinho, enfatiotadas num culote e guarda-pó de brim, botas de cano alto, encarapitadas nos enormes cavalos e enquanto a turma se reunia no Largo da Matriz, as que montavam melhor, galopavam pelas ruas da cidade numa total exibição de boniteza sob os olhares curiosos espiando aquelas amazonas improvisadas que cavalgavam com desembaraço, açoitando os chicotinhos. E, apertando as esporas nas gordas barrigas dos animais que, ao se sentirem espetados, arribavam as enormes caudas, soltavam aquela barreIa e disparavam loucamente.
Nesta estrepolia os bonitos chapéus Ramenzoni (o mais chic da época) voavam das nossas cabeças enquanto os moleques os apanhavam, correndo atrás dos cavalos, fazendo grande anarquia.
Reunida a turma, partíamos para a Fazenda da Lapa Grande, propriedade do senhor Filomeno Ribeiro. Era um percurso bem grande para quem não tinha experiência de cavalgar. Mas, ao lado do bem amado, ouvindo doces palavras, o canto dos passarinhos, a beleza das flores e dos verdes campos, queríamos mesmo era que aquela estrada nunca terminasse.
Na Fazenda, dona Laudy, uma perfeita anfitriã, nos esperava com uma enorme mesa de lanche. Um café com leite caprichado, biscoitos e bolos variados, queijo e requeijão especiais, mingau e pamonhas de milho verde, caldo-¬de-cana fresquinho, tudo numa incrível fartura.
Até o sanfoneiro já nos esperava. Dona Laudy era muito alegre e gostava de ver a moçada dançando, num forró animado, que nem as botas nem o calor nos impedia de aproveitar ao máximo.
Na volta já não galopávamos com tanto entusiasmo.
Algumas companheiras, menos experientes, com o bumbum em pandarecos ansiavam por um banho refrescante. Isto acontecia também a certos rapazes, que vindos de Belo Horizonte, principalmente bancários (inexperientes em equitação) ficavam totalmente extropiados.
Um mês depois, prazo suficiente para os fazendeiros curarem as pisaduras dos seus belos animais, e esquecer¬mos os estragos provocados pelas selas, começávamos novamente a organizar o próximo passeio. Aquele piquenique a cavalo era de fato uma festa constante para todas nós, do qual não abríamos mão, e que até hoje ainda senti¬mos grande saudade... tempo bom que passou deixando marcas profundas, que maltratam o meu velho coração.

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