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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 23 de setembro de 2024
 

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Mensagem: Por estes dias, fui à vizinha Grão Mogol, a cerca de 150 quilômetros de Montes Claros, rever esta que é cidade irmã da nossa, com o detalhe de ter carcterísticas muito especiais da antiga Vila Rica, do Tijuco e da amorável Serro Frio da Vila do Príncipe. Fui com amigos, em viagem de grande alegria. Queria conhecer os 50 quilômetros de asfalto, que depois do distrito do Barrocão ligam a BR 251 à formosa cidade alpestre, que nasceu sob o nome de Serra de Santo Antônio do Itacambiruçu. Faltam, a asfaltar, 5 kms no início, logo depois do entroncamento, e cerca de 12, na chegada de Grão Mogol. Será uma das opções de turismo de Montes Claros e de Minas, dentro de muito pouco tempo, desde que a cidade alcantilada se prepare para tal - com hotéis, pousadas e lugar de pasto.
Pus-me então a recordar que Grão Mogol, na segunda década do século passado, por ter um imenso território, já acumulou mais habitantes do que o próprio município de Diamantina, reconhecidamente nossa matriz cultural. Um próprio, a pé, chamado de correio era quem levava notícias de M. Claros para lá, e de lá para cá, gastando para isto apenas dois dias - bem menos do que levaria um homem numa montaria, numa besta.
Mas, este nariz de cera, além de louvar o meu hospedeiro, o atual e moderno barão de Grão Mogol, cujo nome não citarei, por modéstia comum, é para transcrever documento que tirei do livro chamado Grão Mogol. Seu autor é o ilustrado Manuel Esteves e o livro veio a lume em 1958, por ocasião do primeiro centenário daquele burgo. Gostei imensamente de uma página, em que o autor - homem honrado e culto, repito - fala de reminscências de nossa Montes Claros. Algo assim de como a vizinha cidade nos via em tempos antigos, nós os montesclarinos. É o que peço licença para transcrever. Leiam. É página bem escrita, de fatos perdidos no tempo, e que já pertencem as calendas.
À leitura, pois:

Montes Claros

Manuel Esteves

MONTES CLAROS fica a 24 léguas de distancia da cidade de Grão Mogol.
Nem sempre foram de boa paz as relações entre as duas cidades do sertão mineiro, porque nunca os interesses políticos da outra. Daí o estado de guerra em que, as vezes, viviam, principalmente, por ocasião das eleições. Disse um jornal de Montes Claros, em uma varoa, escrita com azedume, que em Grão Mogol, até água negava-se aos montesclarenses quando aí chegavam em função política. Um exagero, sem dúvida, mas, verdade é que a política as dividia.
Como já foi dito, a distância que separa as duas cidades é 24 léguas, coisa que o correio fazia em dois dias apenas.
Monteiro Lobato, no seu livro “Urupês”, fala-nos do correio a cavalo. Queremos falar aqui do correio que andava a pé. Sem que isso pareça contra-senso viajava mais depressa. A cavalo seriam precisos nada menos que 3 dias para vencer a distancia que separa uma cidade da outra. A pé bastariam somente dois dias. E a coisa se explica. É que o correio, que viaja escoteiro, come com o pé no caminho, não pára, do mesmo modo que aqueles soldados gregos, que, passando pelo rio, bebiam água na concha das mãos e iam andando sempre para a frente. Demais quem viaja a cavalo somente pousa em lugar que tenha pasto para o animal, isso é condição precípua. O correio a pé viaja pela noite a dentro e dorme em qualquer lugar, quando tem sono.
Pois bem, o correio que era portador da mala para Grão Mogol, fazia a viagem em dois dia e fazia também a crônica falada de Montes Claros, Depois de passar pela agencia que, ao tempo, ficava na rua Direita, iniciava ele a peregrinação pelas vendas e , muitas vezes, dava um pulo em alguma casa entregar encomendas. Começavam aí os mexericos, Naturalmente acrescentava alguma coisa a sua conta.
Em Montes Claros, diziam bebia-se muito, bebia-se demais. Só não bebia o sino da igreja e explicava: Porque vivia sempre com a boca para baixo.
Pela quinta ou sexta vez contava ele a historia do Tenente Maldonado, que viera para Montes Claros com poderes discricionários, como hoje em dia se diz.
Foi o caso que, em Belo Horizonte, onde já chegara a fama de Montes Claros, o Coronel Vieira Cristo dissera que só um oficial da policia, com a carta branca poderia dar jeito naquele “FarWest”. E escolheu, a dedo, aquele Tenente Maldonato (que lhe não esqueçam o nome).
Com a chegada do oficial da ´policia mineira, houve pânico nos arraiais do crime. A cidade, que ainda não tinha estrada de ferro que carrega tudo, até esse refugo social, estava infestada de gente suspeita que viera de longe.
Todo mundo que conhece o cinema americano sabe que muitas cidades da América do Norte, no começo, deram que fazer as autoridades policiais, porque nelas corria tanto ouro como corria sangue humano. Pois Montes Claros, no fundo do sertão mineiro, parecia uma daquelas cidades americanas.
E o Tenente, que era o seu tanto arbitrário e, ainda mais, com as ordens que trouxera para dar jeito naquela gente, fez tudo e muito mais.
Esbravejou, exorbitou o mais que poude e suas atribuições, espancou sem reserva, prendeu criminosos e os que não cometeram crime nenhum e os trancafiou a todos na cadeia, raspou a cabeça de alguns malandros e também das mulher da rua do Maribondo e adjacências. Pensam os senhores que depois de todas essas arbitrariedades, Montes Claros assinou termo de bom viver? Aconteceu o que ninguém esperava. O Tenente, muitas vezes ameaçado de morte, mesmo com grande destacamento, foi processado, depois transferido para outro lugar, e pior de tudo, saiu de Montes Claros com um apelido, porque trocaram-lhe uma letra do nome. Quando passava pelas ruas ouvia alguém que gritava: - “Sô Tenente Maldanado”. O Tenente olhava, não via ninguém.
E o correio, maldizente que era, contava mais: Que os bailes que se realizavam antes da hora, porque rapazes de boa sociedade, entrando violentamente pelo salão, com três tiros de revólver, liquidavam primeiramente o belga pendente do teto e tudo ficava às escuras e em polvorosa. Uma vez uma moça, apavorada com a cena selvagem, ia saltando de uma das janelas do sobrado, onde se realizava o baile.
Nesse tempo, Montes Claros era muito visitada pelos caixeiros-viajantes, mais conhecidos pelo nome de – cometas. -. O cometa chegava a ser um acontecimento social na cidade. Promoviam bailes em casas particulares; ao tempo, não existiam os clubes, sabiam contar, muito bem, uma anedota em primeira mão, abriam subscrições de caridade.
Quem quizer conhecer bem a história dessa gente alegre e boa que hoje desapareceu, leia o livrinho “A Milho e a Carvão”, de Mario D’Ilveira, pseudônimo do jornalista Ari de Oliveira.
Montes Claros seria o paraíso dos cometas, não fossem as brincadeiras malucas e de mau gosto do Coronel Sarmento que os expunham ao ridículo.
Por uma certa noite muito escura (não havia luz elétrica em Montes Claros), o autor destas notas passeiava, pacatamente, pelas ruas da cidade, em companhia do saudoso amigo Eliseu Laborne. Vale, que veio a ser depois clínico notável e político. Eleito deputado, teve ocasião de proferir discursos veementes que iam incomodar, no Palácio da liberdade, o senhor Benedito Valadares.
Como dizíamos, descuidados andavamos pelas ruas quando, a certa altura, dispararam alguns tiros. Imediatamente Eliseu caiu ao chão. Assustado, julgando que meu amigo estivesse ferido, ia pedir socorro quando, no escuro, ouvi sua voz que estava calma: - “Deita também se não quizer levar um tiro”.
Nessa noite fizemos a mesma coisa mais uma vez, porque naquela época, em Montes Claros, quem andasse pelas ruas,de nove horas em diante, ouviria sempre o pipocar dos tiros pela noite a dentro até o amanhecer, quando então fazia uma trégua.
O povo de Grão Mogol, bisbilhoteiro, perguntava muitas coisas e ouvia, com prazer, as histórias que o correio contava, ora na porta da farmácia, muitas vezes, nas vendas, entre risadas e dois dedos de cachaça.
Hoje, Montes Claros é uma grande cidade. Tudo isso que se contou, se outro propósito que o de lembrar velhas histórias e velhos tempos que temos saudade, tudo isso, repetimos, ficou para trás. Montes Claros agora é uma cidade ordeira e importante de Minas Gerais. Ora, como esses fatos são de todos os lugares que começam, principalmente quando corre muito dinheiro que atrai aventureiros, tudo foi arquivado e a folha corrida de Montes Claros é limpa. É o que se quer.
No ano passado, Montes Claros comemorou o seu centenário com uma festa tão brilhante que marcou época.
Pois aquela cidadezinha turbulenta, que conhecemos, muitos anos atrás, quando não tinha luz elétrica nem estrada de ferro, quase desapareceu inteiramente para dar lugar a uma outra, nova em folha, com ruas arejadas e bem calçadas, belas avenidas com edifícios de cimento armado, amplas praças ajardinadas, clubes e jornais e com um movimento de grande centro comercial de primeira ordem.
E assim, deixou de ser uma simples cidade do interior, como tantas outras do Estado, para ser a importante cidade de Montes Claros, também chamada pelos seus habitantes e pelos que a conhecem – Princesa do Sertão.

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