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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 25 de novembro de 2024
 

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Mensagem: DULCE SARMENTO, A INESQUECÍVEL

Ruth Tupimanbá Graça

Desnecessário se torna uma biografia de Dulce Sarmento, montes-clarence cem por cento que viveu e conviveu aqui conosco, numa enorme doação, tanto como professora e mulher na nossa sociedade, cheia de entusiasmo, amor e persistência, dando-nos o maior exemplo de solidariedade humana, colaborando em tudo com todos, em qualquer acontecimento de nossa sociedade.
Voltando ao passado, um passado longínquo, quando esta Montes Claros adulta, grandiosa e forte, transbordando de população e progresso, era apenas uma criança começando a engatinhar.
A nossa praça Dr. Carlos, hoje tão movimentada, cheia de barracas coloridas e infinidades de objetos, de todos os tipos, artigos do Paraguai e de nossos artesãos, exposto como uma grande feira, ao contrario dessa paisagem bizantina, esta praça apenas um largo tranqüilo, cercado de arame farpado e se chamava Largo de Cima.
Este Largo simples sem grandes atrativos era a sala de visitas da nossa cidade e também um lugar aconchegante, sombreado por árvores seculares, onde a tarde as crianças brincavam correndo entre os canteiros, onde apenas a boa noite, flor agreste, desabrochava em profusão, numa demonstração de força da natureza.
Neste largo, uma grande e confortável casa colonial antiga, de telhado escuro pelo mofo (retrato do incontrolável tempo), enormes janelas envidraçadas tipo guilhotina, morava o coronel Sarmento, chefe de uma grande e tradicional família de nossa terra, onde a Dulce era a décima segunda filha. Nessa casa, Dulce passou sua infância cercada pelo carinho de seus pais e irmãos. Era uma casa alegre, cujos saraus se repetiam constantemente, pois o coronel Sarmento gostava de música e alegria.
Brincando despreocupadamente neste largo que a viu crescer, Dulce Sarmento chegou a adolescência e já era uma mocinha bonita e saudável. Bem cedo demonstrou grande inteligência, sobressaindo entre suas colegas na escola, com um temperamento excessivamente alegre, comunicativo e dinâmico, voltado para a música.
Dulce era o dodói do coronel Sarmento e como homem inteligente e culto percebeu cedo, a vocação de sua filha, que ao seu ver, era gênio, uma artista inata e que se tornava urgente a sua ida para a capital cursar um bom colégio.
Foi um drama sua ida para Belo Horizonte, até conseguir convencer dona Afra, sua mãe, se separar da alegre e querida Dulce.
A falta de estradas, o desconforto da viagem, a separação dificultavam o sonho do coronel Sarmento, mas Dulce era persistente e sabia o que era melhor para si e que aquele sacrifício, deixando a casa, a cidade e a convivência familiar, seria compensado futuramente.
E numa manhã clara e ensolarada, uma grande comitiva com pessoas da confiança do coronel Sarmento, partia daquele mesmo Largo, a cavalo, conduzindo a Dulce até Corinto, onde pegaria o Expresso para Belo Horizonte.
E assim, Dulce se foi para realizar seu sonho e do seu velho pai.
Os anos passaram, as dificuldades de transporte prenderam-na na capital e as cartas, embora atrasadas, eram o consolo para toda a família, narrando o sucesso daquela aluna aplicada, que surpreendia seus professores pela sua capacidade e criatividade musical, enchendo de alegria o coração do saudoso pai.
Sem perder tempo e aproveitando todas as horas de folga para um constante treinamento, a Dulce formou-se rapidamente, com muitos elogios e prêmios. Foi uma aluna brilhante.
Convidada para lecionar na capital, preferiu retornar à sua terra natal, da qual sentia muita saudade e amava demais.
Aqui chegando, recém-formada e cheia de entusiasmo, a cabeça e coração transbordando de sonhos e esperanças, sua vontade era trabalhar e repartir o que aprendera. Mas nossa cidade era muito pequena e com um campo de trabalho restrito. Entretanto, não desanimou e com alegria contagiante atendia a todos que a procuravam, não se fazendo nunca de rogada. E assim, tocava em festas, em sertões de famílias (não existiam elites sociais na cidade), nas igrejas e no único cinema local (no antigo Cine Montes Claros) numa total boa vontade.
Uma vida inteira dedicada às obras da Matriz. Era ela que ensaiava os anjos nas coroações de Nossa Senhora, ensinando-lhes os mais belos cantos, orgulhosa e feliz quando dentre eles, descobria uma voz mais afinada e forte. Era como se descobrisse um tesouro. Para ela, os lindos anjos da cidade eram a vida da Matriz, eram a vida de Montes Claros, eram a sua própria vida. E à noite lá estava Dulce, incansável, a pedido dos pais, acompanhando os cantos nas coroações, juntamente com o Toninho de Naná, Ducho e Adail Sarmento.
Sua estréia no Magistério foi no Grupo Escolar Gonçalves Chaves, Substituindo sua irmã Lainha, sentindo-se felicíssima e desdobrando-se nas aulas de Canto Coral.
Temperamento ativo e capacidade de trabalho extraordinária, excedia o horário normal, organizando teatros com seus alunos em beneficio da Caixa Escolar. Centenas de vezes levava as crianças para sua casa para os ensaios e, enfrentando todas as dificuldades financeiras, realizava o teatro que era um sucesso. Socialização e desenvolvimento para as crianças de nossa terra e beneficio para a escola, sobretudo a sua manutenção. Com a renda do mesmo aplicada em material escolar, alimentação e vestuário para os alunos, na maioria carentes.
Naquela ocasião, não existia para a nossa escola pobre a merenda escolar e o governo nem se lembrava que Montes Claros existia. Era a dureza do sertão. Entretanto a Dulce já sentia o problema e procurava ameniza-lo.
Mais tarde, foi nomeada professora de música da Escola Normal Oficial de Montes Claros e também do Colégio Imaculada Conceição, mantendo ainda um grande número de alunas particulares, podendo se dizer que quase todas as pianistas da nossa cidade foram suas alunas.
Durante anos foi também inspetora educacional em várias escolas da nossa cidade.
Conservou-se solteira, mas nuca se sentiu frustrada por não ter encontrado o seu príncipe encantado, que geralmente é o sonho de todo mulher.
Realizou-se plenamente na sua vocação, sempre tranqüila e feliz, tocando o seu piano em todas as oportunidades, ensinando música, espalhando e transmitindo alegria por onde passava, aos alunos e amigos e principalmente às crianças, pelas quais tinha um carinho especial.
O bom Deus concedeu-lhe a grande graça do bom senso nunca perturbado por sentimentos de ódio, de vingança, de ambição exagerada e orgulho, sentimentos aqueles que são por eles influenciados.
O bom humor não a abandonou jamais. Chegava a ser humorista de graça e benevolência nos ângulos que descobria em certas situações difíceis. Mas era séria e austera em todos os atos, justa em todas as decisões: quer na escola ou entre alunos e professores e principalmente uma pacificadora. Teve sempre especial aptidão para conciliar, para amenizar, para eliminar incompreensões e antagonismos. A paz, a concórdia, valores que muito estimava, reinaram por fim em toda sua vida.
Dulce, lídima expressão do equilíbrio e do bom senso, oferecia segurança e paz.
Dulce Sarmento, personalidade marcante em Montes Claros, em todos os tempos: poetisa , compositora, exímia pianista, onipresente em todos os movimentos sociais de nossa terra, marcou época merecidamente. Muito mais importante que contar sua infância pessoal ou mesmo familiar e para compreender-se bem o seu valor, sua atuação em montes Claros, na escola e na sociedade, que se fizesse a história dos acontecimentos, principalmente na cultura de nossa terra, que geralmente o seu tempo, que pode muito bem ser chamado: tempo de Dulce.
Em meu coração de saudosista, eu guardo recordações desta Dulce Sarmento que foi minha professora e também grande amiga que marcou minha infância, minha adolescência e minha juventude, da qual jamais poderei me esquecer, em qual quer parte que eu esteja ou melhor, que eu viva.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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