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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 28 de novembro de 2024
 

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Mensagem: ADELÍNIO MEIA COLHER No finalzinho dos anos setenta, coube a mim tomar conta da fazenda Ipueira, lá nos cafundós da Jaíba, beira do velho Chico e ermo do sertão. Ia pra lá desmatar, fazer carvão, plantar capim e criar boi. Triste sina. Quem sou eu, hoje, para derrubar um pau, uma árvore. Sou incapaz de quebrar um galho ou fazer uma poda e há 35 anos eu derrubava alqueires a correntão puxado por tratores D8. Juntava aquela imensa moçoroca de aroeiras, angicos, barrigudas, ramas e cipós e tacava fogo sem dó nem consciência. Um inferno que ardia por dias e noites. Era o que se fazia, desajuizadamente, com autorização do IEF e do Ibama. O orgulho era arrotar: - Na minha fazenda não tem um pau, uma sombra. Tudo liso. Puro capim. Hoje, macambúzio, vejo as fazendas encapoeiradas e os rios secando um a um. Envergonho-me. Mãos à palmatória. Bem, nessa época, como eu passava a maior parte dos dias naquela tosca e rústica empreitada, precisava de pelo menos um canto pra repousar a noite. Resolvi, então, fazer uma casa, mesmo sem luz elétrica e confortos. Porém, lá não havia pedreiro, nem mestre de obra, as choupanas eram feitas de adobe e taquara. O ribeirinho do São Francisco era afastado do mundo. Televisão não existia, rádios, uns poucos, mesmo assim, desligados, pois pilhas eram caras e não tinham onde comprar. Materialmente, o povo sobrevivia de peixe e abóbora, desconhecia qualquer tipo de consumo e tinha medo de automóvel. A vila Florentina, que ficava ao lado da fazenda, era uma Macondo, que vivia em volta do seu umbigo. Existiam para eles mesmos e desconheciam o resto do planeta. Embora isolados, eram curiosos e respeitosos com a pouca e rara gente da cidade que aparecia. Na longa busca por pedreiro em Montes Claros me restou Adelínio, que se apresentava dizendo: - Muito prazer, Adelínio Figueira, seu servo. Era metido a besta que só ele. Imagine um pedreiro que fazia as unhas aos sábados. Usava cabelinho glostora, empastado, fiapo de bigode aparado a navalha, perfumado a Lancaster. Quando o sol esquentava, o sobaco suava e o azedo do Rastro avisava. Sonhava ir ao Chacrinha cantar “Parece que eu sabia que hoje era o dia de tudo terminar”. Se achava um galã. Sempre de pente no bolso, a toda hora o puxava e passava nos seus rebeldes cabelos. Era caspa para todo lado. Pior era quando ele batia o pente nos cantos dos móveis para o farelo branco cair. Sem contar que o gaiato andava com cotonetes e palitos de dentes na carteira de bolso. Quando o levei para Jaíba, ao terminar as refeições, ele abria a carteira, tirava pausadamente o seu usual palito, cutucava os seus cariados dentes e ao final dava a inevitável chupadinha: chichi, chichi... Em seguida, retirava um dos seus guardados cotonetes, introduzia no ouvido, o rodopiava pra lá e pra cá e retirava suas ceras amareladas. Higiene explícita e completa. Os barranqueiros, que não tinham nem escova de dente, assistiam aquele ritual como coisa de outro mundo e depois comentavam: - Viu que homem educado. Sá Rita, a cozinheira, querendo ensinar bons modos as suas filhas, alertava: - Aprendam, meninas, prestem atenção, ele anda com o palito na carteira pra futucá os dente e limpa as orêia com vareta de prástico com algodão na ponta. Nunca é tarde pra aprender! Para a obra andar e eu me livrar logo do Adelínio, arranjei dois sujeitos bons de serviço para serem seus serventes e platéia, Zé e Antõe. A dupla logo-logo pegou o ritmo do serviço, num faltava tijolo, nem massa para o pedreiro contador de potoca. - Já fiz minha inscrição no programa de Chacrinha. Uma pena que vocês não vão poder assistir. Só estou precisando de uma “partner” para o meu show, será que não tem nenhuma mocinha por aqui que eu possa levar aos estúdios da Globo? Antõe, sem entender, perguntou: - Cumé qui é, seu Adelino? - Adelí-ni-o, meu filho, Adelí-ni-o! Nome de artista: Adelínio Figueira. - Tá bom, mas o que o senhor quer mesmo? Perguntou, de novo, Antõe. O pedreiro, carente, há dias socado naquele fim de mundo, doido pra arranjar um rabo de saia, de olho na assanhada filha mais velha de Sá Rita, jogou verde: - Será que a Delcira num topa viajar comigo pra Montes Claros e de lá nós irmos apresentar um show no Rio de Janeiro? - Topa! Ela tá até engraçada com o senhor, mas o senhor num rompe, num toma as rédea. Adelínio endoidou. Acabou o serviço, tomou um banho, perfumou-se, penteou o rebelde por duas vezes e foi estalando pegar a janta na casa de Sá Rita. O sentido inteirinho na sua filha. Acabado o jantar, finalizadas suas explícitas higienes, puxou conversa com a serelepe Delcira e a chamou para caminhar e ver a clara e redonda lua. Papo vai, papo vem, promessas de viagens e presentes, tomou coragem e pediu a cabrocha pra namorar. De pronto, Delcira topou e eles já voltaram de mãos dadas. A semana rodou, naquele ritual - trabalho, jantar, higiene e namoro. No escuro, Adelínio já beijava, roçava e mastigava a Delcira toda. Ficava pra morrer de tesão, pedia, implorava e nada. A filha de Sá Rita podia estar sopitando, mas sempre dizia: - Não! O coitado do pedreiro passava a noite pensando na namorada. Amanhecia bambo e ia insone para o trabalho. Lá encontrava com a dupla Zé e Antõe, que já sabendo do seu sofrimento, perguntava: - Comeu? Adelínio, arrasado, sempre respondia: - Quase. Até que numa manhã, Antõe perdeu a paciência: - Que quase, homi, comeu ou não comeu? Adelínio, sofrido, duvidou: - É, acho que ela não dá não. - Não dá? Ontem mesmo, depois que você deixou ela em casa, o Zé chamou ela pra debaixo do pé de Joá e conferiu. Num foi, Zé? - Ó, se foi, já peguei a bichinha quente e moiada. Ela chegou a assubiá. Ao ouvir aquilo, Adelínio perdeu a paciência, jogou a colher de pedreiro pro lado, desceu do andaime e saiu à procura da sua namorada Delcira. Encontrou-a na beira do rio, batendo roupa. Sem discrição nenhuma, na frente das outras lavadeiras, Adelínio destramelou: - Delcira, eu estou te namorando sério esse tempo todo, prometendo-te levar pra Montes Claros e mais sei lá o quê, e você num dá pra mim, mas dá pra qualquer um? Delcira, estranhando aquele ataque todo, respondeu calmamente: - Mas, Bem, cê só pede. Eu digo “não” e cê num passa a rasteira, num me dirruba.

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