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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 25 de novembro de 2024

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Jornalismo exercido pela própria população

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Mensagem N°17927
De: Saulo Data: Quarta 25/10/2006 10:39:25
Cidade: BH

Perdoai-me a ignorância. Mas, parece que a palmeira da foto é mesmo a Palmeira Antiga, que João Chaves alçou aos céus em letra e música belíssimas...
Por favor, chamem os especialistas.

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Mensagem N°17914
De: Flavio Pinto Data: Terça 24/10/2006 17:02:32
Cidade: Belo Horizonte-MG

SEGREDO ANTIGO


Todos os pontos misteriosos do A ao Gê, da moça, tinham se revelado naquele momento de êxtase.

Pois os gritos que ela dava na madrugada chuvosa de segunda para terça-feira, sibilantes agudos e malevolentes graves, praticamente nos anestesiaram e nos levaram para outra esfera de compreensão durante quase quinze segundos, em plena Rua Quinze, no escurinho de uma vitrine recuada da loja de Ramos & Companhia naquele final de 1958.

E nós, três meninos de 13 anos, nem tão inocentes e puros assim - pois que a rua Lafaiete, que era logo ali, já e sempre nos havia mostrado coisas a mais - nunca havíamos visto semelhante fato ou similar, nem no cinema, nem na escola, ou em livro - ou mesmo no salão de barbeiro, onde os adultos falavam coisas que pensavam que a gente não prestava atenção - só pudemos ficar assistindo, tanto ou mais entusiasmados que a própria moça que gritava de amor.

Que, percebendo nossa presença, subiu abruptamente a saia, desatracou-se da pessoa e saiu correndo. Dobrou a Dr.Veloso, sem olhar pra trás.

A outra pessoa, trajando uma parda e molhada capa de chuva e chapéu de shantung enfiado na testa, logo passou à nossa frente e deu-nos um olhar de pura decepção ( ou raiva ), com aquele grandes olhos azuis e sobrancelhas bem aparadas, tornando maior a nossa incredulidade ante tal fato.

Pois não é que era também mulher o que achávamos ser o namorado.

Chocados, ficamos como bobos na esquina, sem conversar nada.

Decidimos não contar nada a ninguém.

E ficamos assim, quase que num mórbido silêncio, por semanas. Só comentávamos entre a gente.

Até que um dia, Zeca do Correio, com toda a sua verve e natural compreensão de todos os mistérios da vida, sentou-se perto da gente e arrancou-nos do peito o segredo.

E só falou isso:

“Roçadinho...Liga não.

Pegou o pacote de cartas para entregar, levantou-se calmamente e saiu assobiando o famoso dobrado “Stars And Stripes Forever”, o prefixo musical das matinês do Cine São Luiz.

Sem pular nenhuma nota.

Abraços a todos.


Flavio Pinto




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Mensagem N°17910
De: Carmen Netto Data: Terça 24/10/2006 14:58:08
Cidade: BHTE

Colégio Diocesano

Tudo que eu não quero perder são as lembranças da juventude. Quantas recordações do meu tempo de estudante! Foram tantos sorrisos, tantas palavras que ficaram na memória... Dos professores, a saudade, da escola, experiências enriquecedoras que se gravaram na fronteira da memória e da alma.
O Colégio Diocesano Nossa Senhora Aparecida substituiu o Ginásio Municipal. Apesar de ser da Mitra Diocesana era uma escola considerada muito diferente de suas congêneres. Era uma escola preocupada em formar pessoas para pensar, para sentir, para falar e fazer a diferença na sociedade.
Tudo isso vem à tona ao achar uma fotografia em preto e branco que o tempo tornou levemente amarelada, de um parada de 7 de Setembro, onde, usando uniforme de gala – vestido de seda “Patou”, saia pregueada, gola marinheiro, boina azul marinho, sapatos pretos e meia cor da pele – íamos desfilar pelas principais ruas da cidade. Era um momento especial pra paquerar a rapaziada do colégio, que ficava mais bonita em seus uniformes de gala.
No dia-a-dia, usávamos o uniforme composto de saia pregueada – que ficava sempre debaixo do colchão para não abrir as pregas – blusa de tricoline com uma gravatinha onde listras azul-marinho indicavam a série que cursávamos. Cinturas apertadas por cintos largos de látex, caras lavadas, só um batonzinho para alegrar, e rabo de cavalo.
Por onde andará aquela juventude? Perdida num passado que eu gostaria de reviver.
Lembrar das aulas maravilhosas de Pedro Sant’Ana onde apaixonamos pela História Geral, do prof. Belisário, sósia de Castro Alves que levava as alunas a recitarem “O Navio Negreiro” e “Vozes D’ África”; aulas de trabalhos manuais, onde aprendíamos a bordar, economia doméstica onde fazíamos um lindo caderno-roteiro para administrar o lar. As aulas de Geografia com Maria Inês Versiani despertavam vontade de conhecer lugares e correr o mundo, Francês com o Padre Agostinho Beckauser, bravo até não poder mais, que nos deu ótima base da língua francesa; Português com o Pe. Vicente Aguiar, na terrível gramática “FTD”, análises de Camões e redações. As aulas de latim com monsenhor Osmar de Novaes Lima eram encantadoras. Estudamos a vida de Roma na coleção “Ludus Primus”.
Mas... a matemática me perseguia com seu mecanismo implacável. Seus teoremas me pareciam armadilhas preparadas com malícia e aqueles problemas das caixas d’água eram de matar qualquer mortal.
Apesar da disciplina austera – o colégio era misto – existiam atividades integradas como o Grêmio Lítero-Esportivo, onde os alunos apresentavam números musicais, poesias, discursos, acredito que foi a primeira tribuna de todos nós. Por favlar em austeridade, lembrei-me de um castigo recebido. Faltou um professor. Não tendo substituto, ficamos à vontade. Resolvemos fazer um desfile para ver quem tinha as pernas mais bonitas. A algazarra atraiu o Padre Agostinho exatamente na minha hora. Ele perdeu o controle. E suspendeu toda a classe e deu como castigo escrever quinhentas vezes: “Devo proceder bem na sala de aula”. Foi uma escorregadela da pedagogia, fizemos calo nos dedos, mas valeu a brincadeira!
Às 17 horas soava a campainha que nos libertava das quatro aulas, para o jogo de voley. Num campo de terra batida, disputávamos várias partidas com aquela bola de capota branca, que tornava o jogo sensacional. Ou então, íamos ver os rapazes jogarem futebol, onde com um sorriso franco e um jeitinho encantador fazíamos daquele local, espaço para conversar com o colegas e viver ocasionais romances, numa doce intimidade de mãos dadas.
Vivíamos enquadradas às normas daqueles tempos, mas de vez em quando, matávamos aulas. Saíamos em grupo, num alarido tão estridente quanto um bando de pássaros, rumo à Praça Dr. Carlos, onde sentadas em seus bancos, comíamos as guloseimas que o mercado sempre oferecia. Ali, entre pipocas, quebra-queixo e roletes de cana, conversávamos sobre nossos projetos, nossos sonhos. Foram momentos bons e bonitos que vivemos irmandadas pela amizade que se consolidava a cada encontro diário, naquele prédio acolhedor.
O Colégio Diocesano foi um marco em minha vida, era uma complementação da minha família. Os professores não ficavam só no ensino das disciplinas – iam além – educavam.
Hoje, existem jovens em outras roupagens, em outros tons, em outros sonos e em outros visuais. A própria Montes Claros continua jovem, progressista, universitária, efervescente de cultura e palco de outra história, onde os personagens serão sempre os mesmos, só muda as circunstâncias.

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Mensagem N°17501
De: Carmen Netto Data: Quarta 11/10/2006 15:42:14
Cidade: Bhte

Como a avenida Cel. Prates está na moda em Montes Claros, envio a crônica sobre a Igrejinha do Rosário da minha infância e adolescência.

A missa das 8hs, na Igrejinha do Rosário


Gosto de escrever sobre o lado humano da vida. Falar de pessoas, cheiros, sons e lembranças numa linguagem lírica que não resvala em momento algum para o piegas.Será que ser saudosista é defeito? Acredito que não. Abençoado daquele que tem uma infância e uma juventude feliz para contar.
Assim como “Proust”, tecia a malha de suas lembranças captando aqui um rosto, ali um perfume, uma cor, mais além uma reflexão de voz, no meu modesto tear também gosto de reviver o acontecido, bulir em águas paradas, abrir quartos fechados...
Muitos se foram, outros chegaram. As cidades são vivas. Estão em constante movimento. Os anos cinqüenta marcaram uma época romântica da história de Montes Claros. Entre o “footing” na Rua 15 e sessões de cinema, entre conversas no Café de Zim Bolão e horas dançantes no Clube Montes Claros, a vida seguia alegre e despreocupada.
Um dos locais onde as pessoas se encontravam para rezar era a Igrejinha do Rosário, na missa das 8hs. Naquela igrejinha de uma cidade encantada e amada, a que deram o nome de Montes Claros, percebi que aquelas pessoas que assistiam a missa eram como uma família se mantinham unidas pelos laços do coração. Em seu estilo colonial despojado, possuía uma nave central e em cada lado uma meia água. O campanário com o sino ficava na entrada principal. Domingo sem missa, não é domingo. A igreja enfeitada com flores naturais, a luz no altar refletindo nos arabescos dourados. Adentrando pela lateral direita ficava o reduto das mulheres e crianças, do lado esquerdo ficavam os homens e na nave as famílias em seus genuflexórios. Eu fazia parte da equipe da coleta. Era uma disputa. Todas queríamos fazer a coleta no lado masculino, pois a féria era infinitamente maior. Esse dinheiro era entregue às irmãs Lili, Iraci e Ana, conhecidas como trigêmeas, pois vestiam-se de maneira idêntica e com o maior esmero administravam a igreja.
O que eu menos fazia durante a missa era rezar. Observava tudo e todos. Estou vendo Carlotinha Versiani dos Anjos entrar em sua cama sobre rodas, acompanhada de Maria, na feliz expectativa de receber a comunhão. Neste setor ficavam também minha tia Teresa Dias, Oraide Novais e Lourdes Antunes Pimenta. Bonitas em seus vestidos de linho, discretamente maquiadas, sapatos Anabela, meias de seda, verdadeiras “ladies”. No lado masculino, entre os chefes das mais tradicionais famílias da cidade, o Cel. João Maia sentava em sua cadeira de balanço, vestido sempre de terno preto, cabelos e barba brancos, como um patriarca saindo do velho testamento em atitude de meditação. Os rapazes mais jovens assistiam a missa do lado de fora da igreja e aproveitavam para lançar olhares lânguidos às mocinhas. Na nave central, lembro-me das moças da família Rebello: discretas, educadíssimas e contritas. Encantava-me Dália Correia Machado, contrastando seus cabelos pretíssimos e sedosos com o batom vermelho vivo, sempre acompanhada de Teresinha Tupinambá e D. Bela Costa, exemplos de elegância clássica. Mais ao lado, vejo Alicinha Maia, lourinha, parecendo uma “teen-age” dos filmes água com açúcar da Metro.
Mas, a minha admiração era Dona Vidinha Pires vestida severamente: saia preta e blusa branca, com bolinhas ou estampados pretos. Sobre a blusa a Medalha Milagrosa de Nossa Senhora das Graças. No rosto uma leve camada de pó de arroz. Usava um maravilhoso anel de diamante, que, ao contato com alguns raios de sol, refletia pontos dourados no altar lateral. Mais que a beleza do anel, me impressionava o fato de ela usá-lo no dedo indicador, naquela época as senhoras usavam anéis apenas no dedo anular.
Vai começar a missa. A liturgia em latim, o cheiro do incenso, a música do harmônio criavam a atmosfera do mistério que envolve o sagrado. Padre Marcos, belga, de sotaque carregado, descrevia nos sermões os horrores do purgatório e do inferno. Depois foi substituído pelo Padre Quirino. Tão ameno! Tão bonito! Ele se parecia demais com o ator Gregory Peck naquele filme “As chaves do Reino”.
“Ite missa est”_ “Deo Gracias” respondiam os coroinhas. Na saída da igreja as famílias se cumprimentavam, combinavam o programa da noite. Em casa nos esperava o ajantarado de domingo: a deliciosa macarronada, o arroz de forno, tutu com lingüiça, frango assado e a cerveja preta Malzebier. Ah, esqueci: mil sobremesas a escolher.
Tinha vida melhor?

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Mensagem N°17434
De: Flavio Pinto Data: Segunda 9/10/2006 10:58:21
Cidade: Belo Horizonte-MG

ELEGANTES RACHADAS



O povo daqui dessas faladas alterosas, pelas redondezas e adjacências, d’alhures, acolá ou mais não sei de onde, e todos aqueles que o detestam, seu cheiro, sabor, histórias, mentiras e verdades, gostam de chamar os que gostam de pequi – alguns carinhosamente e outros nem tanto - de roedores, como se ruim e animalesco fosse a prática dessa eterna delícia, que é roê-lo até ficar branquinho e começar a aparecer as pontinhas dos espinhos.

Claro que, indelicadamente, tenta-se aí (não por todos) uma forma de rebaixamento qualquer, por fora das entrelinhas.

E ficam sempre surpresos de não haver nenhuma reação da parte do povo viajante das terras quentes do norte, até pensando que este faz grande esforço, para não retrucá-lo, ou ficar chateado.

Mera educação.

Até que, num dia qualquer de suas miseráveis - e completamente sem graça e sem sal - vidas de gente que nunca comeu pequi ou tomou suco de umbu, percebem que nunca existiu força ou vontade pra contrapor quaisquer más respostas ou mesmo feridas nos pretensos sentimentos agulhados de nossa sensibilidade.

Mera piedade.

Porquê ? Dirá o incalto.

Que é este mesmo incauto, eterno imprudente , só que ligeiramente - ou inteiramente - tonto, com a língua aguçada e a cabeça sempre vazia.

Em qualquer bar dessa gostosa e verdejante capital, ele existe.

E em tal conversa que os padrões normais existentes para uso comum (futebolísticos e políticos) tornam-se escassos na verborréia afiada dos referidos e sistemáticos roedores, quando cruzam velozmente as fronteiras do absoluto desconhecido, bem pra lá de onde Judas perdeu as meias.

Embora sejam, nada mais nada menos do que o encontro de amigos e conterrâneos, aquela velha conversa gostosa, aliás e sempre, boa de doer, cheia de casos. Todo dia um caso novo.E suas nuances, de rir e chorar ao mesmo tempo. Os olhos, à toda hora, molhados da mais pura emoção.

É quando tem sempre um desses por perto, incalto , bêbado, pseudo membro da ‘inteligentzia” local, louco para adentrar à transcendental conversa do povo do sertão.E derrubar. Ou tentar.

E, como sói acontecer, nestas grosseiras e vãs tentativas de ocupação do ego alheio, sobra sempre para este alguém sabe quem : acaba não se dando tão bem como pretendia, que nem o próprio Freud explicaria ou sairia por cima.

O incauto, então, já menos tonto, naqueles 30 segundos de recomposição geral e estratégica, dá solene meia volta e, no sentido totalmente contrário , navega em direção a territórios de outros povos existentes - a lugares mais fáceis e razoáveis, de preferência - na face oculta do belo boteco.

E o ultraje, que a rigor, não é nada disso, muito pelo contrário, fica na lembrança.

Certamente, mais na dele do que na nossa.


Abraço a todos.

Flavio Pinto

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Mensagem N°17391
De: Saulo Data: Sábado 7/10/2006 11:37:35
Cidade: BH

A bela foto é de uma cidade que não quer ser esquecida.
Resiste, subsiste, debaixo da outra, empavonada sobre o seu corpo crucificado, para ficar na imagem irresistível do poeta. Porque tem filhos, e os seus filhos lutam por ela, a cidade reluta, espalmando história, passado, costumes e cultura. É uma civilização à parte, limpa, que merece viver e pede para viver, porque soube juntar bravura e ternura num mesmo coração. Mas, até quando ?

O progresso que visita a cidade, às vezes em trajes enganosos, muita vez não merece o nome, pois arrasta a qualidade de vida do seus filhos para baixo, em forma de violência, de barulho, de desemprego, de má conduta dos políticos, de desigualdade – entre outras coisas, pois a lista é longa.

Mas a cidade – uma civilização de 250 anos, resiste.

Como “o ouro e a prata”, prova-se pelo fogo.
Certifica-se pela humilhação dos filhos queridos, os que a abraçam, e que com ela seguirão à pira levantada pelos incendiários de sua história.

Nesta foto, o essencial de Montes Claros ressurge através de um dos seus símbolos. A avenida Coronel Prates. A avenida da Estrela. A Avenida do Jatobá. A avenida da Fábrica – a mais simbólica de todas as avenidas, que acaba de ser mutilada, em nome de certo tipo de progresso, que não olha nos olhos.
.
O cenário da foto é o comecinho dos anos 60.

O paralelepípedo está novo em folha. A grama é o relvado inaugural do jardim modelado pelo prefeito Simeão Ribeiro Pires. As tipuanas exibem o viço da primeira juventude. As touceiras de Caetés, “arrebentando em flores, em tão lindas cores, quem as fez assim?”, aguardam os meninos que virão pelo começo da noite falar com elas, e com as estrelas – num tempo em que as crianças, mais felizes, brincavam livremente na porta de suas casas, na rua, na praça, na vida.
.
O triciclo estacionado, repare, é para levar roupa suja e trazer roupa limpa. A carroça, o jeep (como se escrevia) e, ao fundo, as meninas do Colégio Imaculada com seus uniformes de gola de marinheiro. Uniformes de azul e branco, uniformes de sonho. A mãe de vestido rodado que leva o filho pela mão, no meio da tarde, tudo trabalha na foto ingênua para que a cidade, gentil e suave, suave e modesta, se apresente e se reconheça, enternecida.

O “progresso”, certo tipo de progresso que em 4 décadas fez a população multiplicar-se por quase 20 vezes , inicialmente pela industrialização e, depois, pela ruína do campo, este tipo de duvidoso “progresso” transportou a doçura da cidade para a lembrança e para a foto. Equívoco que bem pode ser revertido, se todos quiserem.
.
É inelutável! , dirão os realistas, acima dos pessimistas, mas muito abaixo dos sonhadores.

Contudo, nenhum tipo de progresso, por avassalador e temerário que seja, reúne forças capazes de invadir as almas e as mentes e nelas extinguir o valor, os valores, que a cidade dos montes claros plantou no coração de seus filhos. Que resistirão, é certo.

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Mensagem N°17369
De: Carmen Netto Data: Sexta 6/10/2006 15:09:55
Cidade: BHTE

Esta crônica é dedicada ao casal José Lopes de Aguiar e Maria Anita de Aguiar Lopes.

Manoel Quatrocentos.

Ao ver a fotografia de Manuel Quatrocentos na seção “Memória” do Jornal de Noticias de 23-08-03 uma onda de ternura tomou conta do meu coração. Chamava-se Manoel Nunes da Silva. Não sei porque ganhou a alcunha de “quatrocentos” e faz parte da mitologia da cidade. Vivia com uma indescritível liberdade de nada possuir, bastava-lhe o dia e a noite, o machado de cortar lenha e o cinema.
De compleição atarracada, cabelos sempre emplastados de brilhantina, sobrancelhas cheias, olhos verdes cor de folha seca, nariz abatatado, boca grande, dentes pequenos e certos com diastema, trazia nos lábios um sorriso constante: Era alegre e comunicativo, a não ser que o irritassem.
Na pele curtida pelo sol do sertão a varíola deixou sua marca.
Viveu numa época pré-fogões a gás, numa cidade onde existiam casas com fumaça saindo da chaminé, gato no borralho, carroções de lenha cortando suas ruas. A profissão de lenhador era imprescindível e, entre os lenhadores Manoel Quatrocentos era dos melhores, senão o melhor! Empunhava o machado elegantemente apoiado no ombro, qual uma baioneta, era seu orgulho.
Manoel era bem recebido nas residências da cidade pela delicadeza do seu modo de ser. Aliado ao uniforme de trabalho – blusa de malha, calça de brim, sapatos “a la Carlitos”, e o inseparável chapéu de palha – o sorriso de gato: sutil, indecifrável, indefinível.
Punha-se a trabalhar e logo era rodeado pelas crianças da casa, que riam com suas brincadeiras inocentes. Ficava amigo das empregadas domésticas, jogava charme para todas elas, as patroas ficavam de orelha em pé, mas Manoel era um cavalheiro.
À noite, com luar ou sem luar, com calor ou frio, ou mesmo chuva, lá estava nosso amigo a porta de um dos cinemas da cidade. Tinha cadeira cativa em todos eles. Havia uma metamorfose em sua aparência. Banho tomado, vestia um terno cor de burro fugido, gravata vermelha, cabelos englostorados, usando perfume “Royal Briar” e um anel de latão esperava o início da sessão. Se era no Cine São Luiz, ficava no famoso café de Zim, proseando com a nata da sociedade que fazia daquele tradicional café, seu ponto de encontro. Também aos domingos, usando o mesmo terno, cantava no programa de calouros da rádio ZYD-7. O auditório dava a maior força e Manoel com sua ingênua simplicidade vivia seus quinze minutos de fama.
Outro aspecto de sua personalidade chamava a atenção. Criou uma língua “sui generis” com palavras em espanhol, ingles ou francês. No seu vocabulário “muchachos, Good bye, au revoir, yes, adios” se misturavam ao português e a outras palavras que inventava – uma em especial – “olalaite” que usava em todas as frases.
Gostava de enganar as pessoas, com as famosas “ferradas”. Ficava olhando para o céu, chegando alguém dizia sério: Olha um disco voador!
___ Onde Manoel?
A pessoa punha a procurar e depois de algum tempo, lá vinha a risada e dizia:
Te ferrei! E saía de mansinho com seu passo de gato...
Manoel Quatrocentos espairecia a alegria de estar no mundo apesar de fazer parte do clã dos humilhados e ofendidos, era um mestre a levar nos braços fortalecidos pelo uso do machado, toneladas de sonho e esperança.
Ficou incorporado ao patrimônio afetivo da cidade, virou nome de praça, a dos morrinhos – mas segundo o jornal, parece que o nome não emplacou.
Acabaram-se os quintais, os carros de boi, os fogões à lenha, o vento levou o tempo... A vida só conta histórias dos vencedores. Manoel Quatrocentos a seu modo foi um vencedor. Minha geração não o esqueceu e se lembrará dele com seu terno cor de burro fugido, roto, amarrotado, mas conservando a honradez e a dignidade de quem o vestiu Manoel Quatrocentos, Manoel Sonhador, Manoel o audaz.

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Mensagem N°16903
De: Flavio Pinto Data: Quinta 21/9/2006 10:17:16
Cidade: Belo Horizonte-MG

A NOITE DO MEU BEM

Eternos sobreviventes anuais.

Diários e mensais, está implícito , não vale a pena contar. Basta vivê-los.

Somos sim e muito mais, esta fina flor do norte e cerrado, gente simples, de fibra, do ano corrido do trabalho sol a sol, que segue a trilha da batalha do início de uma safra a outra de pequi - embora malfadados anões temporões apareçam ocasionalmente para nos desviar da rota certa - agüentando tudo calado, ora feliz, ora triste, mas sempre livres, nosso direito.

É quando se aproveitam dessa infinita bondade e paciência anunciando, a toques de ensurdecedores clarins elétricos, que o preço do progresso e do prazer é a eterna escuridão e que a luz só aparece mesmo no final do túnel.

E para alguns poucos : aqueles que se submeterem, sem reclamar, às cruezas e incertezas desta maléfica caminhada, onde, em nossos olhos, ouvidos e mentes, perenes coisas ruins têm obrigação de passar e repassar, para que o completo desfrute venha no final e paire eterno sobre a velha cidade.

Parece até antigas aulas de religião. Mas não é.

É o momento presente, de quem só faz piorar a vida de todos, ano após ano, azucrinando-nos em nossa própria casa, interferindo no merecido e sagrado descanso das lidas sem fim.

Debaixo da complacência e benesses de um poder colocado para olhar por nós.

Que nunca oram pro nobis.

Mas ficam bravos, até com os incomodados que se retiraram.

E com os velhos e as crianças, que só queriam dormir o sono de paz cantado por Dolores Duran.


Abraços a todos

Flavio Pinto

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Mensagem N°16640
De: Flavio Pinto Data: Quinta 14/9/2006 12:59:34
Cidade: Belo Horizonte-MG

COISAS QUE FALTAM


A verdade é que está faltando alguma coisa pra alegrar a vida do cidadão.

Do velho e do novo.

E dos mais ou menos e até dos que se acham bem menos do que mais.

Quem vai nos devolver aquela velha caminhada , despreocupado da vida, pelas esquinas e ruas da nossa velha cidade?

As pessoas andando pelas calçadas, no vai que vem, natural , os rostos conhecidos dos amigos e semblantes misteriosos de desconhecidos.

E ver de perto o amor nos olhos dos casais.

Dos cumprimentos e abraços nos mais chegados ou simplesmente parando pra tomar um cafezinho no bar e perguntar pela saúde do velho dono, e dos filhos, e dos fregueses e pagar um cigarro retalho pra alguém que a vida nunca sorriu.

Do silêncio da natureza e dos sons da cidade.

Acústicos.

De um enterrar de um pé numa poça d’água, de poder se ouvir um carro , ao longe, pegando empurrado.

E o som rasgado de uma campainha de bicicleta (de apertar com o dedo e com força).

Uma mãe, aflita , gritando embaixo de um pé de manga-rosa : “desce daí menino enfuzado!”;

De passar na porta da casa da aula de datilografia, ouvindo “remingtons” e “olivettis” sofrerem nos dedos dos aprendizes até alcançarem frêmitos sons de metralhadoras , a tarde inteira .

Do som do apito da fábrica tocando nas horas certas para ferir ouvidos de incertas amadas, fazendo nos virar o próprio e grande Noel.

Essas coisas, e outras mil, estão faltando. E a minoria, nunca silenciosa, sabe.



Abraços a todos, principalmente para o amigo Maroto, colega de carteira da sala do Irmão Geraldo Damasceno e de recentes trilhas gonçalinas. E, para “eu fiz um A, eu fiz um Ene...”, sempre ao lado, também. Mais que justa a homenagem.

Flavio Pinto

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Mensagem N°16203
De: Flavio Pinto Data: Quinta 31/8/2006 12:01:11
Cidade: Belo Horizonte-MG

TROMBONE


Somos agora , oficialmente, a grande minoria da cidade.

Porém, nunca silenciosa.

Somos grandes - e orgulhosamente - trinta e nove por cento contra pequenos sessenta e um de uma maioria pseudoconsolidada pelos números. Que não mentem (não?) !

Taí , de papel passado, no jornal e no ar, ciberneticamente para todo o mundo e espaço sideral. Até um planeta, em sinal de protesto, pediu as contas e foi embora do céu. De vergonha.

(Quem sabe chega até perto dos arredores onde Deus mora e Ele dá uma ajudinha pra gente ?)

Ganhou, então, a maioria, a mais interessada, a mais inserida no contexto, a mais progressista e a mais preocupada com o futuro de cidade grande desse sofrido Arraial das Formigas de Antonio Gonçalves Figueira.

Maioria que agora ri da nossa petulância de querer afrontar o poder da riqueza que constrói.

Abaixo o amor, a poesia, a amizade e a boa vontade.

Viva as latas, as coisas elétricas e o falso cheiro de rosas e jasmins dos detergentes e purificadores de ar.

Sim, somos a minoria, aquela pérfida e retrógrada que quer manter fielmente a tradição e o folclore do jeito que o povo fez ; os pés de pequi na terra que nasceram e floresceram , e as águas dos rios em seus leitos, sem que sejam sugadas por ávidos pivôs e fingidos carneiros mecânicos para molhar o pasto de quem já derrubou todas as árvores frondosas e fez a chuva passar adiante, procurando outros lugares.
Amenos e serenos.Poetas e sonhadores.
É o que somos.
E temos orgulho de sê-lo.

Ora viva, ora reviva , viva São Gonçalo, viva.


Abraços a todos

Flavio Pinto

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Mensagem N°16126
De: Flavio Pinto Data: Terça 29/8/2006 15:14:20
Cidade: Belo Horizonte-MG

FILMES NA GARAGEM DA RUA DE TRÁS – Parte II-final (continuação de 14.8.2006)


Continuando, meus caros leitores (porque promessa é dívida) ...

Vários pequenos filmes continuaram sendo feitos, sobre todos os assuntos possíveis.

Até um documentário fizemos. Lindo. Sobre a vida especial dos animais selvagens. No caso, baixando um pouco nossa bola, da especial vida dos animais domésticos, que também tinha seus perigos e mistérios.

Ficamos quase uma semana esperando aparecer um gato de rua, que volta e meia entrava no quintal , aliás, Estúdio da Garagem da Rua de Trás, mais precisamente na cozinha de D.Ruth, mãe de Alberto. Atacava a despensa, roubando até as carnes de sol penduradas nos fundo, perto do fogão de lenha.

Primeiramente, achou-se que era um rato. Mas, certa vez todos nós vimos o felino, cinzento, cheio de listras brancas, sair com uma manta de carne na boca. Foi seu azar.

Apesar do desagradável fato de ser sobre um pobre gato ladrão, a peculiar e divertida utilidade de tê-lo como grande personagem principal, valia o sacrifício. Ficamos uma semana na espreita, na tocaia do bicho.

Alberto, com a câmera preparada, Chico Bóia com a tábua dos fios pelados e as três lâmpadas da iluminação pronto pra ligar na tomada, e eu, segurando Huckeberry, o pastor alemão, com ordens de soltá-lo quando o gato aparecesse.

Até que um dia, de tarde, o danado apareceu, cheio de finesse e sutilezas no andar e entrou na cozinha . Quando ia saindo, com uma coxa de galinha na boca, Alberto gritou: “solta o Huck, solta o Huck...”

Não precisou falar três vezes ( reclamei que ele tinha que ter dito “ação” ,antes. Ele rosnou de volta não-sei-o-quê , eu falei “tá bom””, continuamos a filmar).

O Huck deu um bote, o gato deu um meio pulo, de lado e só o rabo ficou na boca do cachorro. Alberto filmando, nós atrás , até que o coitado - que era só aflitos e esganiçados miados - pulou o muro, ganhando a rua e a liberdade.

Graças. Para ele e para nós, esbaforidos e atabalhoados, atrás dele.

Ainda o vimos, ao longe, correndo , sem olhar nem pro retrovisor, até sumir em direção ao Rio Vieira.Nunca mais fiquei sabendo se ele apareceu de novo.Nem para buscar a ponta do seu rabo, que deixamos dentro de uma caixa de sapatos, junto às relíquias do estúdio.(Será que ainda existe alguma coisa?)

Depois deste documentário desanimamos um pouco, até mesmo por falta de assunto, creio.

Ou talvez esperando chegar o tempo das chuvas. Era um milagre, este tempo de chuva.
A gente ficava mais alegre com tudo acontecendo e florindo.

As mangas Ubás começando a amadurecer e o cheiro de pequi cozido , no ar, rondando, vindo de tudo quanto é lado, nas horas de almoço, em que cada um ia pra sua casa. E lá eu ia perder o arroz com pequi de D.Luiza ?

Num dia daqueles , de fim de ano, o Diretor chegou mais na turma, todo feliz, dizendo que tínhamos uma nova produção. Quase gritava, eufórico :

- Um épico...Grandioso...e vai ter de tudo. Piratas, índios cowboys, gangsters, tudo, tudo, tudo!
E de final diferente. Todo mundo morre, não sobra ninguém. Chega dessa moral burguesa que só os maus morrem. Todo mundo morre, até os bons. E meu filme, vai ser assim, como na vida.

Nós nos entreolhamos, preocupados e ele arrematou :

- É...mais no final...aparece Nossa Senhora e dá um beijo em todo mundo que foi bom.

E sentenciava, olhando para cima : E só os bons voltarão”.

Foi quando nós entendemos que aquele filme ia demorar demais. Até hoje .


Abraços a todos, especialmente à querida e talentosa Ruth Tupinambá Graça, pelo seus noventa anos de grande sabedoria, que nos viu de perto toda uma vida, e ao longe , com aquele seu sorriso de irmandade com D.Luíza, sempre nos protegendo, junto a Alberto, Márcia, Norma, Ester, Armeninho e Nara. Saudades do Tio Armênio.

Flavio Pinto

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Mensagem N°16041
De: Saulo Data: Sábado 26/8/2006 10:33:17
Cidade: BH

Sobre os que acham que eleição absolve alguém de crimes e deslizes, o que virou moda.

Nada mais enganoso. Para ficar em 2 exemplos clássicos: Jesus Cristo foi condenado pela esmagadora maioria, a multidão; Hitler nasceu do voto, no caso, o voto da também esmagadora maioria.
(O ex-prefeito Jaito dizia que o carnamontes no fundo da Sta. Casa, agravando as dores dos doentes, era legítimo e correto, porque tinha a aprovação da maioria...)

Dom Marcos Barbosa, monge e poeta, resumiu: o número de opiniões numa mesma direção não constrói uma só verdade.

Humberto de Campos, maior cronista do Brasil, ia na mesma direção: a ditadura do número nada conduz diante da verdade moral.

Emanuel Kant, o filósofo que cito de memória, arrematou: "Duas coisas me enchem o ânimo de admiração e respeito: o céu estrelado acima de mim e a lei moral que está em mim. ."

Portanto, amigos, não se deixem impressionar quando a maioria (como na enquete aqui), contra toda evidência moral, se inclina pelo equívoco, pois é longo e árduo o caminho para Deus, para a Verdade.

Entres estes, estão os que querem o progresso a qualquer preço, empunhando o pau de fósforo, o machado e a marreta, quando não a foice, para destruírem os valores que encontram pelo caminho e não sabem o quê é.

Se deixarem, queimam o Coliseu, Ouro Preto, Diamantina, como queimaram a Biblioteca da Alexandria.

(Desculpem: não queria fazer comentário, apenas dizer de raspão que dói muito, ainda e sempre, a destruição do Colégio Diocesano e da avenida coronel Prates). O que destruirão agora ???

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Mensagem N°15586
De: Flavio Pinto Data: Segunda 14/8/2006 18:35:00
Cidade: Belo Horizonte-MG

FILMES NA GARAGEM DA RUA DE TRÁS ( Parte I )

A garagem vazia e a inesquecível caminhonete “International-Harvester”, ano 47, na fazenda ou na loja perto da Praça de Esportes, felicidade geral dos meninos da Rua de Trás.

Era a conta para que ocupássemos o nosso estúdio cinematográfico.

Cinema e teatro ao alcance de todos. Mais uns poucos metros de quintal ao lado, com destaque para um glorioso pé de manga Ubá, ou Coco como queiram ( só sei que era a manga mais gostosa do mundo), nós tínhamos tudo .

A bem da verdade, o “nós” aí colocado vai com um certo exagero : éramos apenas co-participantes, talvez sócios minoritários sem direito a voto, diga-se, meros entusiasmados atores, tanto bandidos como mocinhos, produtores e continuístas ocasionais , pois quem mandava mesmo era o nosso amigo Alberto, o grande diretor do estúdio da garagem da Rua de Trás .

Graça no nome e méritos , já os tinha todos, para dar conta de tão bem lidar com a sétima arte. E assim seguiu sempre na vida : sempre caçador e vencedor na própria trilha que escolheu, deixando o dia da caça para quando quis.

Senão bastasse isso, o maravilhoso quintal e garagem, a incrível câmera 8 milímetros alemã (não lembro a marca) , os cenários, as fantasias e mais do que tudo, as idéias (e que idéias !), todas eram dele .

Quando chegávamos para as filmagens, até os diálogos já estavam prontos. Apenas um breve ensaio e começava-se logo o filme.

Luz, câmera , ação.

Sentado na cadeira de lona - com seu nome escrito atrás com giz - ou com a câmera na mão, sério e concentrado, dava as ordens.
Em clássico estilo ligeiramente italiano, mais pra Vitório De Sica e Roberto Rosselini, embora no neo-realismo do nosso jeito, ou melhor, do jeito dele.

A meninada da vizinhança podia participar como extras e fazia-se fila no início das filmagens.Era uma festa . Grátis, ou melhor, um pagamento simbólico, qualquer manga que caísse do pé era de propriedade dos extras e artistas, desde que Huckleberry ( mais conhecido como Huck), o pastor alemão da casa, não a pegasse primeiro.

A claquete ( feita pelo carpinteiro da fazenda, o mesmo que fazia e consertava os carroções de boi) fechava, sem dó : Cena 3.

A partir dessa hora vivíamos um verdadeiro pandemônio. Chico Bóia na iluminação ( três lâmpada pregadas num caibro de madeira, ligadas num fio de cinco metros, escalpelado pelos dentes do cachorro, Huck, não podia nem passar perto de poça d’água que dava choque).

A Cena 3 : Claude Bello, deitado , agonizando , após levar um tiro num duelo do século dezenove, segurava o riso.

O barulho do tiro vinha de um traque dentro de panela velha de ferro fundido, colocado por Zé Chitimite. Só que ele tinha (pura sacanagem) acendido uns dez de uma vez só e jogado tudo dentro da panela.

A cena precisou ser refeita .

Alberto aos berros: “Ele morreu de um tiro só, pô, não foi de metralhadora não !

Alguém ao lado, curioso, pinicava : “Mas, Diretor, o filme não é mudo? Tanto faz, então, o número de tiros”.

E Alberto parava tudo, olhava firmemente nos olhos do interlocutor (que à esta hora já devia estar arrependido de ter falado alguma coisa) e dizia (pensando na posteridade , claro) : “ A boa intenção só vale se tiver um fundo de verdade”.

Todo mundo batia palmas para a genialidade do comandante e tudo voltava à normalidade.

Aí , começava-se tudo de novo.E toda a semana, tinha um filme diferente . Nós naquela mão de obra.

(Aguardem o próximo capítulo. Soon. Neste mesmo espaço)


Abraços a todos.


Flavio Pinto

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Mensagem N°13929
De: Waldyr Senna Data: Quarta 14/6/2006 12:56:19
Cidade: Montes Claros

Roubalheira institucionalizada

Waldyr Senna Batista

Saíram na imprensa, há dias, sem qualquer destaque, números alarmantes que revelam a extensão da roubalheira que se entranhou na área da administração pública municipal. Quem os divulgou foi a Controladoria geral da União ( CGU ), mostrando que R$ 66 bilhões são malbaratados, todos os anos, nos 5.556 municípios brasileiros. Essa quantia equivale a mais de cem vezes a verba destinada pelo Ministério da Justiça para a segurança pública, que é de R$ 590,8 milhões no orçamento deste ano.
Para chegar a esse resultado, a CGU utilizou o processo de amostragem, tomando por base os R$ 100 bilhões que o governo transfere para as prefeituras, das quais mais de mil foram fiscalizadas (20% do total). Dois terços desses recursos, segundo o relatório, apresentam irregularidades graves, quando utilizados pelos gestores municipais.
Entre os problemas graves mais comumente constatados, a Controladoria alinha: obras inacabadas ou paralisadas, apesar de pagas; uso de notas fiscais frias e documentos falsos; superfaturamento de preços, falta de merenda escolar e de medicamentos; gastos sem licitação; não comprovação de aplicação de recursos e favorecimento de empresas.
“Descalabro total”, foi como o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, classificou o fato de que verbas repassadas para os municípios “sumam nos ralos da improbidade administrativa ou nos esgotos da corrupção”. Ele acha que essa constatação merece o repúdio da sociedade brasileira e devia provocar pronta resposta do governo. Isso acontece, disse ele, enquanto o país tem carência de todo tipo na saúde, na educação, nos transportes e em outras áreas de serviços essenciais, que são cada vez mais precários.
Na mesma linha pronunciou-se o presidente-eleito da Associação dos juízes federais ( Ajufe), Walter Nunes, reivindicando urgentes e eficazes providências para evitar que as verbas continuem sendo desviadas. Ele defende o ponto de vista de que a melhor solução é a adoção de medidas preventivas e não procurar saídas depois de consumado o prejuízo.
O diagnóstico é alarmante, mas não chega a surpreender. Corresponde ao que se sabe e se vê. Mas não fica claro o motivo pelo qual a CGU se deu o trabalho de fazer o levantamento, sem anunciar disposição de ir às últimas conseqüências na punição dos culpados. Se é apenas para constatar o óbvio e deixar tudo como sempre foi, não há necessidade de relatórios. Não seria necessária nem mesmo a CGU.
Por outro lado, é de se perguntar se o governo que aí está, do qual a CGU é parte integrante, teria credibilidade bastante para exigir de prefeituras conduta moralizadora que não tem sido usual em áreas importantes da administração central, em cuja estrutura foi identificada a ação de organização criminosa, responsável pela ação de mensaleiros e sanguessugas. Se na esfera superior a roubalheira mostra-se institucionalizada, não se pode esperar prática diferente na base da pirâmide.
Diante da desfaçatez dos ladrões – que às vezes até são levados às prisões, mas delas escapam por artifícios judiciais - , é de estarrecer que esteja tramitando no Congresso nacional, em fase final de aprovação, projeto de emenda constitucional que eleva em 1% a participação dos municípios nos tributos federais. Como se fosse pouco o que se rouba, em vez de adotarem medidas para conter o roubo, estão é tramando formas de ampliar o butim.

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Mensagem N°13909
De: Flavio Pinto Data: Terça 13/6/2006 09:45:33
Cidade: Belo Horizonte-MG

A ERA DO RÁDIO


No tempo do rádio, as emoções da Copa do Mundo eram outras, bem diferentes das proporcionadas pela televisão. Quem viveu (e ouviu) , dirá.

Não me arriscaria a dizer que melhores. Nem iguais. Simplesmente, outras.

Talvez a grande vantagem (ou diferença) era que, pelo rádio, tudo que rolava dentro dos mais longínquos gramados nacionais, se filtrava na imaginação de cada um, por este interior afora de um imenso Brasil, acompanhando seu jeito e maneira de ser e transcendia todos os limites e fronteiras da Terra ou espaço infinito , onde todos os planetas e estrelas tornavam-se palcos naturais da grande arte brasileira de bem saber jogar futebol.

Mais ou menos como se vê nas propagandas da Nike (acho que copiaram nossos sonhos) : a bola indo e voltando, na ligeireza de um pensamento, de um ponto a outro no Universo, levando paz e alegria para todos os povos.

E só o rádio - porque na tv mostram o que querem que se veja - conseguia passar tudo isso, dando asas à imaginação de todo um povo que parecia estar longe dos conhecimentos da Corte. Só parecia, Deus seja louvado. A história depois nos contou.

As jogadas, os gols e os dribles independiam do tamanho da verborréia especializada dos irados locutores que , honra seja feita, se esforçavam ao máximo para nos contar em detalhes a simples realidade. Só que a realidade deles estava bem abaixo do que sonhávamos.

E ali mesmo, na Rua de Trás - velho palco de tudo - após cada jogo, tentávamos, não totalmente em vão, fazer o que nossos ídolos realizavam em campo.

Só valia gol bonito. Pra começar.

Matar nos peitos, com elegância, uma bola cruzada e com o calcanhar dar um chapéu perfeito num adversário, para depois emendar um tremendo de um sem-pulo, estufando as redes e levantando a multidão.

Multidão esta - ali na nossa rua - de não mais que duas funcionárias municipais varrendo-a com devoção, tagarelando sem prestar atenção a nada e , a compor o décor de uma cena antiga, modorrentos carros de boi, um após outro, rangentes e demorando a passar, a bola ciscando debaixo dos animais que teimavam em chutá-las de pata em pata, parecendo não querer devolvê-la.

Ou, se goleiro fosse, como o lendário Tony Bufão (só de vez em quando aparecia no Larguinho , mas lá deixou sua marca de goleiro voador), e fazer uma acrobática ponte, à Pompéia (antigo goleiro do América do Rio, que foi seu grande ídolo), voando , naturalmente, como se fosse um livre passarinho, até o inatingível ângulo contrário e espalmar a bola para escanteio.

Melhor do que isso, sempre nos disse o mesmo Tony, era defender, na ponta dos dedos, um pênalti, no último minuto. Suprema glória, principalmente se aquela linda moça dos seus sonhos estava passando na hora. Aí , valia todo o sacrifício, por que goleiro apaixonado que se preze mergulha no cascalho por qualquer bola rasteira, arregaçando braços, joelhos e cotovelos.

O mesmo acontecia com candidatos a futuros artilheiros que, diária e sistematicamente, enfiavam o mesmo dedão do mesmo pé - sempre machucado e enfaixado - na mesma pedra do meio da rua, para dó e desespero de todas as mães e tias existentes, pacientes santas milagrosas que nunca cansavam de nos curar num dia, para fazermos tudo de novo no outro.

Ao apagar das luzes, que é a hora própria de se ouvir histórias, sempre aparecia alguém contando, de maneira diferente - mas sempre emocionante - a velha saga dos dois irmãos, ambos jogadores de futebol.

Numa cidade longe, bem pra lá do sertão de Goiás, na mesma toada do “Chico Mineiro” : “um dizia : eu nasci pra pegar...e o outro : eu nasci para chutar...”

Novela popular de dramático e inesquecível final, quando o irmão, goleiro, morria com a bola nas mãos, ao encaixar no peito o terrível petardo desferido pelo seu próprio sangue, na cobrança de um pênalti roubado.

Todas as vezes que se contava esta história, tinha sempre um menino que chorava.

E a gente caçoava dele , sem nunca contar que - pelo mesmo trágico pênalti - já tínhamos chorado também....


Abraços a todos.


Flavio Pinto

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Mensagem N°13794
De: Flavio Pinto Data: Quarta 7/6/2006 12:23:57
Cidade: Belo Horizonte-MG

DE MULAS E JOVENS



De vez em quando me dá um desânimo.

Tanta água que já correu nestes rios, tanta poeira solta levantada nas estradas, tanto vento frio que já deu voltas em esquinas que ninguém nunca viu, tanta assombração que só apareceu pra quem quis, tanto nó seco em molhados pingos d’água , tanta pinguela escorregadia...

São tantos os tantos, que não acredito nessa etérea bruma de pobreza de espírito vagando solta nos meus nortes.

Será que os tempos e contratempos vividos foram todos em vão ? Ou foram só danças e contradanças ?

Minha vontade é dar uma parada na primeira curva do caminho e esquecer pra sempre dessa eterna viagem à procura de um simples querer ser feliz.

De birra, talvez só pra dizer : gente, onde fui parar minha mula ?

Aí , entrar num boteco e pedir duas pingas: uma pra mim e outra para um santo padroeiro qualquer . Pode ser até o santo dessa gente que vive toda uma vida sem saber viver.

Para ver se ele ora pro vobis. Sem direito à costelinha.

. Mas , nem tudo está perdido , quando se
vê Lili e Bê, na rima de jovens poetas, dando lições de cidadania : "Jovens
interessados nas "velharias" que contam a nossa própria história e nos dão
um alicerce para construirmos um futuro para várias gerações. ...
Preservação...Futuro... O passado pode ser um elo com a eternidade".

Como diz o Bala: alvenaria.

Aí, me animo de novo e vou procurar minha mula pra seguir viagem.


Abraços a todos.

Flavio Pinto

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Mensagem N°13666
De: Oswaldo Antunes Data: Sábado 3/6/2006 09:50:01
Cidade: Montes Claros/MG

SAUDADE E FUTURO
A choradeira provocada pela demolição do prédio onde funcionou um colégio,
e depois esteve alugado para sede provisória da Prefeitura, é puro
sentimentalismo, respeitável mas injustificável. Vamos refletir sobre o
assunto. As decisões apenas baseadas em um sentimento não são o que se
costuma chamar de melhor caminho. Chega a ser ridículo alguém reclamar
porque uma velha mangueira, que não podia continuar dentro do prédio a ser
construído, foi cortada. Mangueiras, nos quintais de quase todas as casas
das cidade, é o que mais existe em Montes Claros. É basbaquice pura, espanto
por nada, lamentar pelo que pode ser substituído com vantagem e esquecer os
benefícios do progresso. E chega a ser impiedoso sobrepor o corte de uma
mangueira ao sofrimento e morte de tantas crianças por ai. A alta sociedade,
que se diverte e alimenta ilusões, também gosta de banalidades.
A história de uma cidade e sua trajetória urbanística não pode ser avaliada
ao sabor dos sentimentos pessoais. Isso porque o uso das tradições precisa
ter perspectivas que o justifiquem. Até o folclore, a cultura popular, se
normatiza na tradição. Haveria, por exemplo, interesse turístico na
manutenção de um prédio comum, somente porque serviu a um colégio onde
estudaram as pessoas que estão chorando? Qual a possibilidade teria aquela
construção de argamassa, e seu enorme quintal, de servirem à criação de um
espaço cultural, que justificasse o seu tombamento? Estaria a antiga sede do
seminário, que a própria Mitra resolveu vender, ligada à nossa história
arquitetônica, de modo a ajudar a entender a constituição do feio urbanismo
local? Esse urbanismo está resumido em alguns velhos sobrados abandonados e
milhares de casas comuns transformadas em um tipo de comercio de vilarejo
que tomou conta da cidade.
É difícil apontar outro aspecto, fora a saudade gostosa de tempos de
juventude, para justificar a permanência daquele imóvel em detrimento da
construção de um edifício comercial que vai gerar empregos e,
conseqüentemente, ajudar pessoas a viver melhor. Ali não havia imagem ou
forma que justificasse a preservação. Sequer a cidade, considerada como um
todo, tem aspecto colonial ou de outro tipo histórico a ser preservado. E se
o antigo seminário não tinha como justificar seu tombamento, só a saudade de
algumas pessoas não o justificaria, embora justifique as belas crônicas que
foram escritas a propósito. Mas não é com a saudade do passado que se
constrói o futuro.

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Mensagem N°13652
De: Waldyr Senna Data: Sexta 2/6/2006 16:52:42
Cidade: Montes Claros

Todos se locupletam

Waldyr Senna Batista

Talvez seja difícil provar que alguns vereadores de Montes Claros utilizaram notas frias para receber a chamada verba indenizatória de gabinete, conforme denunciado. Mas, diante do quadro de degeneração moral que se vê nos mais altos escalões da política nacional, não se deve arriscar, como se diz popularmente, a colocar a mão no fogo por ninguém. Até prova em contrário, não há como garantir que, aqui embaixo, as coisas sejam diferentes. E a prova está sendo solicitada à Câmara municipal pela Polícia federal.
A apuração da denúncia está na esfera adequada, não sendo, portanto, conveniente transferi-la a Comissão legislativa de investigação (CLI), composta pela Câmara municipal, ainda que essa alternativa seja prevista em lei. Seria conceder aos acusados a prerrogativa de investigar seus próprios atos. Nesses casos, como se tem testemunhado nas inúmeras apurações realizadas na Câmara dos deputados, o corporativismo vem se sobrepondo a provas inquestionáveis de ilícitos, levando à absolvição de refinados pilantras.
Além disso, CLI não dispõe de poder para julgar. Cabe-lhe, tão somente, recomendar ao plenário a condenação ou não de acusados, para só então poder o assunto ser encaminhado ao Ministério público com pedido de instauração de inquérito. Estando a denúncia na área policial, fica mais fácil chegar ao órgão que tem a prerrogativa de atuar de forma objetiva e sem interferências escusas.
O que estarrece nesse episódio, que envolve vereadores e empresas credenciadas pelos Correios ( coincidentemente, os escândalos que envolvem o governo Lula há mais de um ano começaram justamente nos Correios) é a quase nenhuma repercussão que a divulgação da denúncia tem causado na opinião pública local. Fica a impressão de que a disseminação dos atos de corrupção na administração pública eliminou a capacidade de indignação que tinham as pessoas. Tudo se tornou normal e aceitável. Há uma espécie de anestesiamento, que faz com que não se dê a devida atenção aos degradantes episódios de que se tem notícia.
Em tudo na vida vale o exemplo. E, nessa espécie, ele advém de ninguém menos do que o presidente da República, que reagiu de forma evasiva às denúncias que macularam seu governo, alegando que de nada sabia. O mensalão não ficou provado, tem repetido o presidente, e, por isso, não existiu. Ele só não explica como pôde essa ficção ter produzido efeitos tão devastadores no seu governo, ao ponto de provocar a queda dos principais ministros e dos mais poderosos dirigentes do seu partido. Trata-se de fenômeno que não pode sequer ser atribuído a maquinações da oposição, uma vez que o próprio procurador da República nele encontrou fundamento para o oferecimento de denúncia contra quarenta integrantes do que denominou de organização criminosa, que agia em gabinetes instalados no núcleo do poder.
Felizmente, além da Procuradoria, pode-se testemunhar que a Polícia federal também atua. Já prendeu ex-prefeitos e cúmplices deles no Norte de Minas, acusados de malversação com o dinheiro público, e agora quer ver as prestações de contas de vereadores suspeitos.
É de se lamentar, apenas, que esse tipo de ação policial não possa ser entendida como propósito do governo para repressão vigorosa à corrupção endêmica, entranhada em todos os níveis da administração pública do país. A própria conduta recente dos integrantes do governo, que vieram empunhando a bandeira da moralidade, alimenta a descrença do povo, que dá de ombros, resmungando que “não vai dar em nada”, como tem acontecido sempre. E dando razão ao inesquecível Stanislaw Ponte Preta, que há mais de vinte anos ironizou a falta de apego da maioria dos políticos quanto aos princípios éticos: “Ou todos nos locupletamos ou restaure-se a moralidade.”

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Mensagem N°13527
De: Flavio Pinto Data: Terça 30/5/2006 07:50:10
Cidade: Belo Horizonte-MG

AVENIDA , DE DONA VIDINHA E DONA DOCHA



De manhã, bem cedinho , lá vinha o velho vaqueiro (acho que se chamava Luiz) montado na garupa de uma mula tordilhada, dois vasilhames de 20 litros, cheios até a tampa, um em cada lado da bruaca.

Passava à esquerda do Larguinho e parava na Rua de Trás (bem em frente a casa de “Seu” Athaydinho e D.Aldinha) no meio da grande calçada de pedras.

Devagar, com um indefectível cigarrinho de palha apagado na boca, ia atendendo a fila de empregadas, madames, meninos e meninas, cada um , democraticamente, com a sua própria vasilha na mão esperando a vez de ter o puro leite de todos os dias.

Uns pagavam na hora, outros, da conta do fiado, ele anotava numa velha caderneta. De vez em quando não aparecia, a gente tinha que ir buscar na fonte : casa de Dona Docha, a dona da fazenda do leite e da manteiga – era só o que sabíamos, então - no meio da Avenida Coronel Prates.

O percurso era pequeno e também tinha suas compensações, além do gostoso cheiro de café torrado e dos aviões da Panair, no ar.

Por conta do espetáculo do trepidante esvoaçar e invariável lanche dos lindos pombos de Dona Vidinha Pires , grandes personagens daquela hora da manhã, se fartando à larga das sobras de palhas de milho, fubá e café do Moinho Indiano, espalhadas no meio da rua..

Quando, coitados, se tornavam fáceis alvos de implacáveis estilingues e bodoques.

Nunca consegui acertar nenhum – minha pontaria era péssima - mas sempre ouvi falar de muito guisado à custa deles.

Não me recordo se - nesta época da rua de terra - já existiam estas mesmas árvores que agora derrubaram. Acho que foram plantadas quando do calçamento. De paralelepípedo.

Lembro-me dos postes de luz ,de aroeira, baixinhos, com pequenas lâmpadas iluminando as noites com um brilho meio amarelado, um tanto fosco, talvez para não incomodar a visão do céu e as estrelas ou o clarão dos plenilúnios de maio, quando os tocadores, os poetas e os cantores faziam a festa, a cada esquina ou janela de uma linda donzela.

Ou mesmo (quem poderá desdizer ?) , por ordem da inesquecível Dona Vidinha que, além do maravilhoso pombal era também proprietária da luz elétrica da cidade e gostava de ver (e ter) todo aquele movimento passante e cantante em frente sua varanda.

Colega de seus netos (pré-primário de Irmã Salete e primário das Irmãs Eloína, Blanda e Rosângela, no Coleginho,do Imaculada) ocasionalmente era convidado a ir lá, desfrutar – literalmente – de seu maravilhoso pomar que tinha as frutas mais variadas e gostosas daquele mundo.

Desde que , em outras (e várias) vezes sem convite e por debaixo da cerca de arame farpado na divisa do Rio Vieira - tal qual metade da garotada das redondezas - já havia estado naquela maravilha de pomar, eu , sempre, quando entrava pela porta da frente, do jeito normal e civilizado, ficava um tanto ou quase ressabiado.

Sentada na cadeira de balanço no alpendre da velha casa com um jardim na frente, prestando atenção a tudo e todos à sua volta , os netos pediam-lhe a bênção e lá ia eu, atrás, passando de liso.

Ela me olhava por cima dos óculos e dizia sempre a mesma frase. Toda vez.

- Cuidado para não comer jambo verde, Doutor Orlando. Eles dão dor de barriga !

E dava sempre uma grande risada, após me chamar pelo nome do meu tio.

Depois, tudo mudou na velha rua.

Dona Vidinha e Dona Docha - que Deus as tenha - se foram, o leite começou a vir da cooperativa num tonel de alumínio, numa carrocinha puxada por um burro e chamava-se vaquinha, com uma torneira atrás e um mostrador de vidro onde aparecia o líquido já pasteurizado, livre de todas as impurezas. Não precisava nem ferver, diziam. Mas minha mãe fervia.

Logo, implicaram com a velha avenida.

A Igrejinha do Rosário estava na mão errada da rua, o seminário atrapalhava o clero, as árvores envelheceram e os canteiros prejudicavam o tráfego.

Perdeu a graça.



Abraço a todos.

Flavio Pinto

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Mensagem N°13393
De: Web Outros Data: Quinta 25/5/2006 16:45:24
Cidade: Belo Horizonte/MG

Ínvios caminhos

Manoel Hygino dos Santos (Jornal Hoje em Dia, 25/05/2006)

A imprensa tem goelas para as grandes notícias. Difícil, sem embargo, manter as manchetes, o público sempre ávido de novidades, do que lhe sacie o interesse e a fome de informação, em determinados momentos e circunstâncias o mais escandaloso, do mais sórdido.
Os fatos correntes não faltam às páginas, telas e rádios. Depois do pré-caos em que se viu o Brasil transformado pela falta de conservação de suas rodovias, sobreveio a operação tapa-buracos e conseqüentes acusações e denúncias sobre as condições em que se fazia a obra. Era um bom assunto para suceder ao escândalo do mensalão, que perdurava por meses na avalanche de falcatruas. Fatos novos surgiram, enquanto a questão levantada por Roberto Jefferson entrava em banho-maria, por força de normas legais e regimentais. Mas o estado das estradas de rodagem permaneceu no noticiário e na repulsa dos obrigados a deslocar-se no país por terra. No Norte de Minas, a estrada continua péssima, entre Engenheiro Navarro e Joaquim Felício. Segundo o experimentado homem de imprensa Paulo Narciso, aquele trecho é um campo lunar, um deboche absoluto à população produzido em várias esferas de Governo.
O jornalista comenta que, apesar da saudade e dos motivos muitos, ir a Belo Horizonte se tornou difícil como nos anos anteriores a 1970, mas sem o romantismo de então. A passagem aérea se mantém abusiva em preço, e não há concorrência para reduzí-lo. Fica, assim, restrita aos políticos, que não pagam do próprio bolso e estão dispensados dos ínvios caminhos, como resumiria Monzeca, o sagaz e lendário jornalista jamais esquecido. É algo para se pensar e para se agir, enquanto há tempo. Porque, na nossa democracia nominal, as crianças sequer podem brincar na porta de casa ou no pátio das escolas, ameaçados pelo trânsito perigoso ou pelos aliciadores de inocentes para as drogas.
Quanto a rodovias, sabe-se porque preferem muitas autoridades o transporte aéreo. Não por ser mais rápido ou corram menos risco. Desobrigam-se de encontrar manifestações de descontentamento, organizadas por quantos não mais se conformam com as más condições das pistas. Para fugir a críticas, melhor passar ao largo. Como também sofremos o viés de atirar a culpa dos males sobre o passado, Governos tiveram a desastrosa iniciativa de construir rodovias, que não teriam como conservar. Uma falta de perspectiva imperdoável, que repercute nocivamente nos administradores dos tempos seguintes.
Aconteceu o mesmo com as ferrovias, que constituíram durante séculos o sonho das populações interioranas. Construídas com o tributo de gerações, foram desativadas sumariamente, consideradas anti-econômicas. Não previram os antigos essa possibilidade?
Ocorre, agora, com as rodovias, inviabilizadas pela incúria, pela falta de planejamento, pelo desvio de recursos, gerando insatisfação que abrange outras áreas de Governo e influi perniciosamente no amolecimento da sociedade, no desânimo diante dos fatos e na falta de esperança.
Os mais idosos lembram a frase: Estamos indo para o buraco. Agora se tem a referência concreta: o buraco das estradas. Que reaviva o pessimismo de muitos: esta vida é um buraco.
Enfrentando estes caminhos, que já foram estradas modernas, lembramo-nos das antigas estradas com duro sacrifício em recônditas regiões. Terra e cascalho, que produziam poeira e morte. O brasileiro permanece desrespeitado pelo poder público.

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Mensagem N°13232
De: Waldyr Senna Data: Sexta 19/5/2006 15:38:37
Cidade: Montes Claros

O silêncio como resposta

Waldyr Senna Batista

Pessoa da intimidade do prefeito Athos Avelino assegura que ele não pretende responder aos ataques, cada vez mais virulentos, de que tem sido alvo, pelo rádio. Segundo o informante, ele interpreta isso como resquício da campanha eleitoral e reação de inconformismo de político perdedor de três eleições seguidas. Temendo perder mais uma, agora, o que seria a pá de cal em suas pretensões, esse político estaria mirando mais o pleito municipal de 2008.
Mas o amigo do prefeito discorda desse posicionamento. Na sua opinião, a administração tem muito a mostrar, pelo que seria fácil dar resposta à altura, inclusive falando sobre projetos para concretização a médio e longo prazo. O que está faltando, diz ele, é divulgação.
Uma avaliação típica do doutor Pangloss, aquele personagem do célebre Voltaire, para quem tudo transcorre sempre às mil maravilhas. O tipo do otimista incondicional, cujas lentes só permitem divisar imagens positivas. O que não parece ser o caso de grande parte da população, que vê a cidade atravessando momento crítico, em que até a prestação de serviços corriqueiros têm deixado a desejar. Falta de pontualidade na coleta de lixo e morosidade na recuperação das pistas esburacadas, por exemplo.
E se tem faltado divulgação, seria o caso de o prefeito cobrar serviço de sua numerosa equipe do setor (fala-se em mais de vinte pessoas), incluindo um técnico tido como PhD em comunicação, remunerado em bases inusitadas para visitas esporádicas à cidade. Se o trabalho desenvolvido por esse clone paroquial de Duda Mendonça tem sido deficiente, conviria contratar a prata da casa, pois a cidade dispõe de muitas agências qualificadas, que pelo menos não produziriam peça ridícula como aquela referente à cobrança do IPTU; ou então que se procure saber na prefeitura da vizinha Pirapora qual foi o autor da campanha de divulgação por ela veiculada, muitos furos acima em termos de qualidade.
Deve haver inúmeras explicações para a imagem ruim da atual administração junto à população. Na formação do secretariado, foi erro irreparável a entrega, ao PT, dos cargos de maior importância, quando seria conveniente a formação de governo de coalizão, tendo em vista que a eleição desenvolveu-se em ambiente relativamente sereno. Não ter o prefeito se preocupado em ter bancada de sustentação na câmara, foi outra falha, que começa a provocar dor de cabeça, com a derrubada até de vetos apostos a leis inexeqüíveis e inconstitucionais, como já aconteceu. E mesmo a inaptidão de alguns secretários estaria gerando o emperramento da administração, que segue “ciscando” há exatos 16 meses (a terça parte do mandato já transcorreu).
A administração estaria atribuindo importância demasiada a procedimentos como a ida do prefeito às secretarias para despachos, prática de há muito ultrapassada, que só produzia algum efeito quando resultasse em decisões de grande impacto. Não havendo, tudo acontece burocraticamente, com exame de papelório e uso de carimbo. Nessa área, muito mais útil seria eliminar a blindagem imposta para o acesso ao chefe do executivo, a cujo gabinete só se chega após rigorosa triagem a cargo de funcionários, secretária e chefe de gabinete.
Se o prefeito Athos Avelino tiver de fato optado pela tolerância, ignorando os ataques demolidores de inimigos bem municiados, como informa seu amigo, seria recomendável que ao menos uma medida de grande repercussão ele pudesse concretizar, para mostrar à população que a administração existe e funciona. Aquelas promessas requentadas, feitas pelo governador do Estado e pelo presidente da República, não servem, pois podem demorar demais a acontecer. E a reforma da avenida Cel. Prates, em andamento, talvez fosse o caso, dependendo dos saudosistas e ambientalistas que já começarão a se manifestar.

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Mensagem N°13137
De: Flavio Pinto Data: Quarta 17/5/2006 11:36:53
Cidade: Belo Horizonte-MG

DAS GERAÇÕES


A minha geração, isso é a nascida no durante ou pós Segunda Grande Guerra, talvez tenha sido das últimas a usufruir daquela famosa infância tranqüila – tão falada e relatada – de cidade do interior.

Pouco ou nenhum movimento de automóveis. Muita gente tinha até cavalos e charretes para circular pelas ruas – a maioria - sem calçamento.

Assim foi em Montes Claros, como deve ter sido em outras cidades pelo Brasil inteiro. Como eu nasci aqui, graças a Deus, só falo daqui. Quem quiser que fale da sua.

E não quero dizer com tudo isso que a minha infância foi melhor do que qualquer outra, pois quando se é criança, em qualquer tempo ou lugar tudo é mágico e maravilhoso.

Seja em outro século na beirada de um rio sem poluição pescando piaus, com as unhas sujas de cavar o chão à procura de minhocas, ou num cibernético Shopping Center, todo limpinho, de tênis Nike e cabelo explicado, comendo cheeseburger e ficando - de leve - com mil garotas ou jogando games que desafiam qualquer inteligência normal.

Desde que você tenha uma família e haja amor e carinho nela. Se não, fica difícil, e repetimos, em qualquer tempo, era ou lugar..

As mudanças acontecidas no pós-guerra, advindas das invenções desenvolvidas rapidamente para o esforço de guerra, principalmente pelos alemães e copiadas pelos aliados , foram, uma após outra tomando conta do mundo e o que antes parecia impossível, passou a fazer parte do dia a dia de qualquer cidadão.

Onde você, irrequieto garoto do começo dos anos cinqüenta , em plena matinê do Cine São Luiz, assistindo Flash Gordon no Planeta Mongo, via o Dr.Zarkov falar com Dale e o Príncipe Barin, de outro planeta para a Terra - com as imagens aparecendo num visor, simultaneamente, a milhares de quilômetros de distância - poderia imaginar que um dia faríamos igual ? Ou melhor ?

Hoje , com a “webcam”, qualquer criança senta no computador e fala daí do centro da cidade ou do Alto dos Morrinhos para Bangladesh ou Marrakesh, sem miséria e com muita imagem.

Só não fala pro grande George Harrison porque ainda não inventaram essa.

Sem falar da nossa 98 , de onde mando um alô , agora , para todos os montes-clarenses espalhados pelo planeta.

E um abraço.

Flavio Pinto


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Mensagem N°13134
De: SAulo Data: Quarta 17/5/2006 10:55:53
Cidade: BH

Leio que a PM de Montes Claros – o Décimo Batalhão de Infantaria, como era chamado – faz 50 anos, por estes dias.

Fecho os olhos.

“Convosco recomponho, revenho ver” (Guimarães Rosa dita ao meu ouvido):

Tenho 5 anos e o homem que me leva pela mão é meu pai.
São 8 horas da noite e vamos pela rua Quinze, quase escura.

Paramos diante da Loja Imperial, na esquina da praça Dr. Carlos.

Há um rumor diferente na cidade.

Daqui a pouco, o som da charamela despontará na distante esquina e um pelotão de homens, todos de amarelo com cuias na cabeça, passará diante dos meus olhos de menino.

Pai, o que é ?

É o batalhão, meu filho. Chegou o batalhão ! Veio de Belo Horizonte.

O ruído dos pés batendo no chão é este que ouço. Ficou também o dobrado, a música - cinqüentenária, sei agora.

Ouço os passos daquela noite. E a mão do meu pai – diante do céu que não se apaga - está úmida junto da minha mão, querida Montes Claros.

Mas ouço, dolorosamente, o gemido das árvores que tombam na avenida coronel Prates, e das máquinas que as levantam pelo pescoço.

Por favor, chamem o batalhão.


(Enquanto não vem o batalhão, o poeta Agenor Barbosa, o menino e o pai do menino recitam pelo caminho de volta:

“À doçura sem fim do silêncio, que espalma/ as suas asas sobre a noite, eu me avizinho/ de minha terra, que me acena como um ninho/ e, na distância, é sempre linda e sempre calma./
A minha terra vive dentro de minha alma.../Deixem que fale o coração devagarinho.../ Que eu pare um pouco, em meio à sombra do caminho/ e lhe teça, a sorrir, este canto e esta palma/
Ouço de longe a voz do berço que me chama/ Voz serena, de amor, de carinho e piedade/ que é suave como um beijo e arde como uma flama/
Minha terra Natal! Minha velha cidade! Dentro do coração que te pertence, clama a dor do meu exílio e da minha saudade”.)

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Mensagem N°12880
De: Flavio Pinto Data: Terça 9/5/2006 06:01:29
Cidade: Belo Horizonte-MG

RUA DA FÁBRICA, JATOBÁ E ESTRELA...ADEUS, ADEUS !

Mexem e remexem na minha rua da saudade.

Que seja, então, feita a vossa vontade, senhores da razão de qual será o mais certo futuro e das afiadas respostas para tudo e sobre tudo.

Mesmo que elas representem apenas o vazio do simples nada de uma faca sem cabo e sem lâmina.

Que se deixe, então, o dragão de aço jogar ao chão todas as velhas árvores com seu humilde (e único) sonho de grandeza : um muito de diária beleza para moradores sem nenhuma paixão e um pouco de sombra para um apaixonado menino eternamente à espera de sua amada. A mais linda de todas.

Ao vento, suas flores, pétalas e perfume dirão a verdade ou não, a possíveis passantes estelares da hora e do tempo : ali existiu mais que um passado, um iluminado palco de grandes e melhores cenas de gerações.

Mas, nada a temer, se são apenas pedaços de saudade que se vão. E saudade não vota. Apenas volta, a cada curva do caminho.

Se não há escuta, nem mais para as vozes vindas das estrelas, eles, os poetas, quais solitários guerreiros de lança e espada em punho deporão as armas e poderão até, momentaneamente, saírem vencidos na inglória peleja contra a intransigente magnificência perpetrada pelo poder : máquina acima do homem.

Moderna insensatez de gente de pouca crença, rezares e viveres.

Mas, eles, os poetas, sempre voltarão, principalmente os que falam com as estrelas.

Um dia o povo ainda haverá de ouvi-los.

E se manifestará, nesta terra de eterna inconfidência.

Que não seja nunca.

E nem tarde.

Abraços a todos.

Flavio Pinto

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Mensagem N°12847
De: Saulo Data: Domingo 7/5/2006 22:15:13
Cidade: BH

Sobre esta avenida coronel Prates, vou contar. Éramos meninos. Os postes passavam pelo meio da rua, onde hoje ficam as árvores, que eu vi plantar. Um dia, o caminhão esbarrou no poste, na esquina da rua padre Augusto, e fogo saiu comendo a fiação, que era toda encapada. Foi bonito de ver. Pela rua, quase toda tarde, passava a boiada que vinha da malhada dos Santos Reis para o frigorífico Otany, perto de onde hoje fica o prédio da Prefeitura. Fechávamos as portas, correndo. Quem atrasava, permitia que uma outra vaca brava entrasse dentro das casas, com os vaqueiros correndo atrás. Era uma festa. A gente subia nos muros e esperava o peão sair de lá puxando a vaca pelo rabo. Era assim a avenida coronel Prates, ou rua da “fábrica”, em 1960. O prefeito Simeão Ribeiro, que morava na avenida, mandou colocar paralelepípedo e fez o canteiro central. Eram lindas touceiras de uma planta, um lírio, que, depois, muito depois, soube chamar-se Caetés. Nós brincávamos no meio delas, dos caetés. Não havia medo de ladrão, e ficávamos nas ruas até tarde. A luz, a luz era uma mixórdiazinha, mas éramos felizes. Muito felizes. (Como os meninos são, menos agora, quando não podem brincar na porta de suas casas.) Do outro lado, Jandira – ah! Jandira – contava história, e nos ensinava a olhar para o céu, fonte de todo encanto. Foi Jandira quem me ensinou a olhar para o céu, e para o céu olho até hoje, embasbacado, vendo as constelações, as 3 Marias, o Cruzeiro do Sul – toda estrela é minha irmã. Apenas as estrelas não mudam. Sim, de tanto olhar, subíamos para as estrelas. Morávamos lá, junto delas, pois Montes Claros permitia isto, queria isto. Eu menino. Neste tempo, a avenida tinha, completa, apenas a pista que passava ao lado do prédio da prefeitura. A outra era interrompida na igrejinha do Rosário, tão linda ali parada, e onde fazíamos fogueiras. Hoje, triste, leio e penso: o prédio do seminário acabou, vai virar supermercado, hipermercado; o canteiro central, meu Deus!, o que farão com o canteiro central e com as tipuanas ? As vacas que entravam pelas casas, as vacas bravas desapareceram, se foram, e não serão mais arrastadas pelo rabo; o matadouro se foi, as crianças se foram, as meninas internas do Colégio Imaculada também resolveram partir, uma e depois as outras. Por que so eu fiquei ? Acho que está na hora de partir também. As velhas árvores que vi plantar e crescer, minhas amigas, amiguíssimas, confidentes, algumas agora estão sendo levadas pela garra de aço do trator, dependuras na lâmina, e não posso despedir-me delas, como é do meu feitio, de menino antigo, tímido. O que faço? Tenho vontade de pedir para ir junto, de encarapitar-me junto delas e com elas seguir, para onde ?, não sei. Talvez não aceitem. Penso em resistir. Como resistir, se a trincheira que disponho são lírios, touceiras rubras inexistentes de um certo Caetés que viceja agora apenas na rua chamada saudade, que talvez desemboque numa outra, onde a Esperança fez sua morada. Vicejam estes meus caetés apenas no miradouro da memória, e em nenhum outro lugar. Esta noite, que é a última da avenida que vi erguer-se, que me empurrou para ser homem, esta noite verei o que posso fazer por ela, e quem sabe também por mim, nesta circunstância mais indefeso do que ela. Visitarei e consultarei o menino que eu fui. Talvez ele, com os outros, me ensine o que fazer na noite de despedidas. Boa noite, minha avenida. Seguiremos juntos. Iremos no meio de Caetés que por certo rebrotarão; teremos a companhia das estrelas vindas de um de nossas noites de maior esplendor, e Jandira afastará suas doenças, e suas dores (seu pão de dores), e lentamente virá, para contar as histórias que só Jandira sabe contar. Esta avenida não morrerá.

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Mensagem N°12822
De: Waldyr Senna Data: Sexta 5/5/2006 16:45:29
Cidade: Montes Claros

Limite para a gastança

Waldyr Senna Batista

A construção da sede da Câmara municipal deixou de ser sangria desatada. Vai esperar melhores dias. Por enquanto, serão feitas adaptações e reformas na sede atual, com incorporação do auditório anexo, que será transformado em plenário, bem mais amplo do que o atual, passando este a ser usado para serviços administrativos.
Esse conjunto de medidas coincide com o que foi sugerido aqui, neste espaço, desde quando o tema começou a ser enfocado. Representa solução inspirada pelo bom senso, embora a ela tenha chegado a direção do legislativo compelida por decisão do Tribunal de contas do estado (TCE), que acusou erro de cálculo no repasse mensal feito pela prefeitura. Era, certamente, a denominada “economia” de que falava o presidente Ildeu Maia para justificar a temerária construção da nova sede.
Esse assunto tem sido marcado por uma sucessão de equívocos. A começar pela alegação de que a câmara precisa de sede própria, porque ocupa, “de favor”, parte do prédio da prefeitura. Não é verdade: o prédio pertence ao município e foi projetado com espaço apropriado para o legislativo, incluindo o luxo de destinar gabinete individual para cada vereador. Sendo a câmara instituição municipal, o executivo não lhe faz nenhum favor em tê-la funcionando ali. Quanto à dimensão desse espaço, é questão de entendimento entre as partes, como parece estar acontecendo agora. Fica muito mais barato para o contribuinte, que é quem paga a fatura.
Os vereadores precisam conscientizar-se de que as dependências que lhes são destinadas não têm, necessariamente, de crescer na proporção em que se expande a movimentação deles, e sim o contrário: a estrutura do legislativo é que tem de se limitar ao espaço disponível, desde que não se torne desconfortável e inapropriado, o que ainda não é o caso. Até porque, com 21 integrantes até há pouco e agora com 15, deve haver espaço sobrando.
Outra constatação é que a grande movimentação de público no prédio onde se reúnem os vereadores, duas vezes por semana, se dá muito mais em decorrência dos interesses clientelistas deles do que da instituição. Notadamente devido ao exagerado quadro de servidores e de pessoal agregado aos gabinetes. Como são eles próprios que decidem, os vereadores legislam em causa própria, montando equipe de cabos eleitorais com vistas à reeleição. Não é justo que o elevado dispêndio seja espetado na conta do contribuinte. Em vez de ampliar sempre esse contingente, o que o bom senso recomenda é o enxugamento do quadro, com economia para o erário.
Alguns vereadores alegam que precisam de mais espaço para o trabalho que exercem, pois são procurados pela população pobre em busca de ajuda para, por exemplo, pagamento de receitas e contas de água, entre outras solicitações. O argumento não prevalece, pois reflete distorção inaceitável, que infelizmente vigora em todo o país. Até se compreende que essas coisas ocorram, em função da crise nacional e do desemprego que predomina. Mas não é esse o perfil constitucional da representação popular. Se algum vereador escolher esse modelo de atuação, que instale escritório em outro local e utilize recursos próprios, inclusive os subsídios, que são muito elevados.
Diante de tudo isso, o corte imposto pelo TCE foi providencial. Primeiro, porque veio corrigir erro de interpretação das normas que regulam a transferência de recursos para o legislativo ( “até 6%” da receita própria ); e, segundo, porque vai funcionar como obstáculo à gastança, que costuma não ter limite quando se trata de usar recursos públicos.

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Mensagem N°12801
De: Flavio Pinto Data: Quinta 4/5/2006 17:20:23
Cidade: Belo Horizonte  País: Brasil

LALAU, LILI E O LOBO



A gente olha para a foto do Juiz Lalau publicada no Portal da 98 e fica até enternecido com o olhar singelo e a carinha boa dele.

Parece até um Bispo - daqueles bonzinhos de outrora - pronto para falar, santa e solenemente : “Deus te abençoe , meu filho”.

De quando a meninada fazia fila na saída do Palácio pra ganhar santinho.

Estudei minha infância inteira com o livro “Lalau, Lili e o Lobo”.

Nem o Lobo era ruim, pois era o nome do cachorro de estimação da família (aliás, da casa da vovó) que havia fugido da fazenda e eles (Lalau e Lili) passam metade do livro procurando-o.

Aquela linda viagem de Maria-Fumaça para a fazenda, com todos os colegas da classe, olhando a paisagem pela janela do trem. Lembrei-me agora, o coração chegou a doer de saudade.O refrão “passa boi, passa boiada” acompanhando e dando ritmo. Sem saber ou querer, o mais puro Villa-Lobos.

Depois, no campo, o nadar nos rios e cachoeiras, o ver tirar leite nas vacas e cutucar bichos de pé, tudo retratado em simples desenhos e algumas poucas linhas explicativas, levavam-nos a sonhos e viagens sem fim, mexendo com nossa imaginação e fazendo-nos sonhar de olhos abertos em plena luz do dia.

Nem o próprio cinema conseguia tanto.

Inimaginável para os meninos de hoje, mas a pura verdade.
Agora, as lembranças se quebram e se vão , revelando falsas estalactites de sabão numa grande caverna de sujeira que se tornou nosso querido solo pátrio.

Solo pátrio. Era como o chamávamos, no pátio do colégio, de pé, mão no coração, cantando a plenos pulmões : Brasil, um sonho intenso, um raio vívido, de amor e de esperança à terra desce.

Será que o Lalau é o mesmo. Ou fomos nós que mudamos ?

Abraços a todos.

Flavio Pinto

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Mensagem N°12716
De: Waldyr Senna Data: Sexta 28/4/2006 13:52:22
Cidade: MontesClaros

O prefeito preso e os 40 ladrões

Waldyr Senna Batista

A prisão de ex-prefeito de município norte-mineiro, ocorrida há dias, poderia ser tomada como sinal de novos tempos, se outros componentes não estivessem comprometendo o cenário. Mas surpreendeu, no país da impunidade garantida. Os fatos que a motivaram é que não provocaram surpresa, porque a opinião pública brasileira já perdeu a capacidade de se indignar ante a revelação de procedimentos delituosos praticados nessa área da administração pública. O ex-prefeito é acusado de envolvimento em falcatruas que superam os R$ 6 milhões.
Antigo comerciante de Montes Claros, hoje aposentado, relata que, em sua loja, na segunda metade dos anos 1960, era comum prefeitos ou emissários deles pleitearem a emissão de documentos fiscais para acobertar o desvio de dinheiro de suas prefeituras. Havia entrado em vigor a reforma tributária instituída pelo governo Castelo Branco, que propiciou aos municípios recursos que permitiram a revitalização das cidades, e ela só não produziu resultados mais satisfatórios porque a corrupção cuidou de drenar grande parte desse dinheiro para os bolsos dos administradores desonestos. O ex-empresário revela que, dos prefeitos que adquiriam mercadorias em seu estabelecimento, apenas três não lançavam mão do expediente fraudulento das notas frias: o de Bocaiúva, Wandick Dumont; o de Janaúba, Wildemar Maximino ( Vivi); e o de Montes Claros, Antônio Lafetá Rebello.
Esse processo criminoso estava apenas começando, tendo atingido proporções avassaladoras, ao ponto de, em Montes Claros, existirem empresas fantasmas, que não têm estoques e mantêm as portas permanentemente fechadas, pois existem como fachada para a venda de notas fiscais frias a prefeituras da região, para simulação de licitações.
Graças a esses golpes, vários políticos fizeram fortuna, enquanto seus municípios permanecem estagnados. Muitos, após o término dos mandatos, realizaram investimentos aqui, e em outras localidades, em operações típicas de lavagem de dinheiro, em operações que não resistiriam a rastreamento rigoroso da fiscalização com a quebra do sigilo bancário.
A partir dos anos 90 a situação parecia tendente a se modificar, tendo em vista novos dispositivos legais e a atuação de organismos policiais e judiciários. Essa perspectiva moralizadora culminou com a aprovação da Lei de responsabilidade fiscal (LRF), que alimentou a esperança de que, afinal, seria desfechado golpe fatal na corrupção sistêmica. O processo, no entanto, frustrou quem assim pensava devido aos recentes golpes denunciados, envolvendo as figuras mais expressivas do cenário político nacional, no que é considerado o maior escândalo da história da república. O minucioso levantamento executado pelas CPIs, que comprovou a existência do denso lamaçal, foi neutralizado no plenário da Câmara dos deputados, que votou pela impunidade, sob aplausos e ao ritmo de danças grotescas.
Num outro cenário, a nação assistiu ao constrangedor episódio envolvendo o principal ministro do governo petista, Antônio Palloci, da Fazenda, pilhado em mentiras e na criminosa quebra do sigilo bancário do caseiro que testemunhara e denunciara sua conduta antiética e imoral. Tudo isso no curso do governo de vestais, que se instalou exatamente em nome da ética e da moralidade.
Em princípio, houve quem atribuísse tudo ao denuncismo oposicionista de véspera de eleição. Mas nem esse argumento prevaleceu, a partir do resultado de apurações da polícia federal e da devastadora denúncia formulada pelo procurador-geral da república, apontando 40 envolvidos no que ele denominou de “organização criminosa que tinha como objetivo a continuidade do projeto de poder do PT”. Apesar de haver citado o ex-ministro José Dirceu como “dirigente da quadrilha”, o chefe do ministério público deixou de apontar o nome do Ali-babá...
Mesmo diante de cenário de tão ampla podridão, a prisão do ex-prefeito norte-mineiro não deixa de ser emblemática e precisa ser destacada. A Polícia federal, que admite a prisão de mais 80 prefeitos e cúmplices deles, garante que a assepsia será levada adiante. Espera-se apenas que ela agilize seu trabalho, antes que as indefectíveis liminares ponham na rua o ex-prefeito preso.

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Mensagem N°12695
De: Flavio Pinto Data: Quinta 27/4/2006 12:26:10
Cidade: Belo Horizonte-MG

UMA FESTA ATUALÍSSIMA


Era uma festa sem precedentes na velha cidade.

E quem bolou gabava-se até da criatividade do nome, quase nunca - ou pouquíssimo - usado na mídia nacional : Pós-Moderna. Aliás, Baile Pós-Moderno.

Que beleza ! Cabeças coroadas , oficialmente convidadas, com todos os devidos "R.S.P." respondidos, exibiam seus convites à porta, diferenciados apenas pela cor : verde para “Formador de Opinião”, azul para “Politicamente Correto” e vermelho para “Outros” .

Finalmente, após longos séculos de brigas, confusões, guerras civis e quarteladas sem fim, conseguiu-se definir, em apenas 3 itens, todas as classes e castas sociais, até as mais impuras e amaldiçoadas.

O pessoal fazia fila na porta do Grande Local de Eventos ( clube para quê? Coisa do passado!) , recebendo cada um seu crachá, de acordo com a cor do convite apresentado.
Crachá “F.O” para o verde, “P.C” para o azul e “OUT” para o último, aliás a maioria.

Silenciosa ? Talvez.

Cada mesa com suas bandeirinhas e cores afins: a verde sempre dividindo com azul as mesas da frente e a vermelha,embora fosse a maioria, nos fundos e sozinha, como sempre foi. Desde os primórdios.

Os convidados iam se ajeitando de acordo com a sua cor (do crachá, claro, para ser politicamente correto) e logo se notou um grande silêncio.

A orquestra parou de tocar e o dono da festa, ao microfone, lembrou a todos que aquela seria uma festa inovadora, realmente pós-moderna e...

...Somente os formadores de opinião poderiam falar e assim poder, sem interrupções, formar todas as opiniões. E também, os politicamente corretos que poderiam ( ou não) aprovar as cabeças feitas ali na hora.

Foi quando se levantou um conviva , da turma dos “Outros”, com muita humildade e educação e perguntou o que os vermelhos fariam, enquanto se formavam novas opiniões e se analisassem as próprias dentro dos corretos enquadramentos necessários.

- OUT! ...( óhoooooh...um grande sussurro, seguido de silêncio).... - Aliás, meu caríssimo representante dos “Outros” , apenas preste atenção e...(pausa para respirar e mostrar uma cara inteligente, formal e educada) fique apenas calado. Você e seus outros. Aprendam e apreendam o mais moderno do pós e depois (ainda me agradecerão) saiam daqui em paz para suas casas com a sua própria opinião formada. É tudo que queremos.

Salva de palmas. Dos verdes e azuis.

A orquestra voltou a tocar e os “Outros” começaram a dançar. Como sempre.


Ao microfone, o crooner - com um crachá vermelho no peito – soltava a voz :

“Prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”

E lá de cima, Raul Seixas mandava lembranças.


Abraços a todos.

Flavio Pinto

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Mensagem N°12488
De: Flavio Pinto Data: Quinta 20/4/2006 10:25:36
Cidade: Belo Horizonte-MG

FRIO, PAIXÃO E BACALHAU



O frio que anda fazendo aqui em Belo Horizonte não está de brincadeira e faz-nos, dentre outras coisas, buscar alento em névoas e brisas presas no fundo de um baú das saudades perdidas e flutuantes. Parece até enredo de filme B, anos quarenta.

Como sempre, dirão – acertadamente - os caros leitores.

No alto do Anchieta, onde me escondo, congela-se até corações.

Que o diga cá, este pobre meu, já meio paralisado pela visão que tive , outro dia, de uma linda participante daquelas auroras da vida , dos tempos que – infelizmente - não voltam mais, como disse o poeta.

Ela passou, andando na calçada do lado de lá, os cabelos longos, soltos e revoltos, o vento frio a fazendo encolher-se e colocar as mãos nos bolsos do casaco. Cinematograficamente.

Sorte minha que não me viu.

A beleza e o enlevo da hora me tornaram apenas um velho tolo e mudo, sem palavras até para cumprimentos formais.

Continuei minha caminhada, em direção ao Mercado Distrital, de olho num futuro esquentamento – qualquer - para fazer frente à súbita friagem e emoção que quase liquidaram meu alquebrado coração. Se é, doce devaneio, que tal providência material poderia curar males ocultos por loucas e desenfreadas paixões !

Pensando juntar uma costela de vaca com um bocado de aipo, cebola e tomate, e adicionar - no capricho – meu reservado tempero de Montes Claros, comprado da mesma pessoa há anos no Mercado Municipal (desculpem, mas esqueci o nome dela, da vendedora de temperos.Mas não tem problema. Aí estarei, se Deus quiser, em maio e procurarei sanar esta falta), ali na meiúca, entre os vendedores de andu e os açougues, encontrei-me com a famosa cozinheira portuguesa Terezinha Xavier, minha amiga de muitos anos e proprietária da Taberna Balthazar, ali na Serra. Caraça, esquina de Oriente.

Por muitos anos, desde quando era apenas um meio boteco meio mercearia na Estevão Pinto, deliciei-me – junto com a querida turma imortal - com seus maravilhosos petiscos d’além mar, feitos com o maior carinho, que já lhe anteviam um grande sucesso no ramo da gastronomia, tarefa bem difícil de se levar nos magros tempos atuais.

Ao lado, sempre e eternamente, meu grande amigo Aurélio.

Aí, voltando ao Distrital, não sem antes me ensinar a melhor forma de fazer o caldo de costela, Terezinha me convidou para provar um novo lançamento da casa : bacalhau na abóbora, com queijo Minas, servido bem quente, saindo fumaça, acompanhado de um bom vinho patrício como se convêm nestas geladas e apaixonadas noites mineiras.

Logo fui lá, no tal e benedicto bacalhau e...

...Mais as taças várias de um encorpado Periquita, esqueci-me, por indescritíveis momentos, dos ventos frios cortantes e suas misteriosas mulheres assassinas de incautos e frágeis corações, adentrando-me ao paraíso do bem comer e beber, antes terreno imaculado e indevassável de poucos imortais, hoje ao alcance de uma centena de assíduos e novos fregueses , felizes mortais, ora pois.


Abraços a todos


Flavio Pinto


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Mensagem N°12369
De: Saulo Data: Sexta 14/4/2006 18:40:01
Cidade: Belo Horizonte

Oh, vós que buscais a Montes Claros de tempos não tão
distantes!

Vendo este breve, em que se avisa sobre um alarido ímpio na madrugada da Sexta-Feira da Paixão em minha terra, ocorre-me chamar-vos.

Vinde visitar a Semana Santa de Montes Claros, de tempos ainda próximos.

Era toda de luto cerrado.

Já na quarta-feira anterior à sagrada semana, Padre Dudu
conduzia a procissão de archotes. Eu estou nela, menino; sigo a caminhada noturna, lenta, devota, homens de um lado, mulheres do outro.

Revejo o mesmo padre Dudu, pela manhã de Domingo de Ramos, cantando, cantando hosanas! Hosanas!, e nós o seguimos, vivando.

Depois, o padre tão bom, ainda que às vezes repentinamente zangão, o padre Dudu nos envia ao confessionário. Todos.

A Via-Sacra, 3 vezes por semana, repleta de misereres, já está pelo segundo mês de prontidão, toda terça, toda quinta, todo sábado, e não a perdemos.

Cantamos em latim, assim como respondemos a missa em latim, de costas para os fiéis, os olhos apenas para Deus, Nosso Senhor.

A Quinta-feira Santa quando enfim chega, já tem a cidade a seus pés, paralisada e contrita, confessada e comungada.

A Procissão do Encontro sobe as ruas e abre a Sexta da Paixão; dolorida, piedosa, lenta, comovida, atrás dos passos do que vai se encontrar com Sua mãe para dela despedir-se.

Mãe e Filho encontram-se no cruzamento desta vida pequenina, e o punhal exato sobre o coração da mãe comove o menino, a lâmina espetada ali debaixo de negros véus – a mater dolorosa.

“Mulher, eis o seu filho. Filho, eis a sua mãe”, cintila a frase.

(Pelo rádio, lembrai-vos?, pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a PRH5, um Ghuiaroni, piedoso, repete por aguardadas horas o martírio e as quedas de Jesus rumo ao Gólgota, atrás dos quais vamos também, deixando lágrimas, arrependimentos e promessas.)

Ás 3 da tarde, três e quinze, Jesus despido agoniza na Cruz, e nós, de joelhos, cantamos, olhos arrebatados para a Cruz:

Eis o lenho da Cruz,
De onde pendeu a salvação do mundo.

Cantamos, penitentes:

Perdão, Deus clemente, perdoai, Senhor.

Cantamos, arrependidos:

Pela Virgem Dolorosa, nossa mãe tão piedosa,
Perdoai-nos, ó Senhor.

Cantamos, exultantes:

Vitória, Tu reinarás.
Ó Cruz, tu nos salvarás. Vitória....

E a matraca, que da madeira retira secos, metálicos e multiplicados lamentos, a matraca vibra o luto e a dor geral. ( Ouvi, ela está dentro de vós).

À noite, ainda nos braços do meu pai, quase compartindo-lhe o aromoso cigarro de palha e o olhar que não se desfaz, vamos à cerimônia do Descendimento.

Verônica canta do balcão da Matriz, pela voz da linda Ieda (ou será outro nome ?, ajudai-me a recordar), exibindo no sudário a Divina Face.

“Perdão, Deus Clemente!”

Cristo, exausto, é retirado da Cruz e o seguimos na Procissão do Enterro.

Toda a cidade vai junto, a passos lentos, sepultar o que não morre.

Vamos todos, lentamente, dobrados sobre nossas culpas, o Réquien da banda da música soluçando em nome geral.

Depois, voltar para casa a desoras, sem nada falar, sem comentários, severamente mudos, pois a dulcíssima Montes Claros, ao contrário da atual (como leio), não ousa erguer a voz na Sexta-Feira da Paixão.

(Não ousa espalhar pela noite lascas perdidas de um rock insolente e atrevido, trêfego e pândego, a pedir autoridade, e, a mais, piedade.)

***



Sabei, agora, que procuro por minha terra, e isto vos confio.

Sabei que dela, da Santa Semana, só me espera a lua cheia. Restou a lua cheia.

A esplêndida lua-cheia sobre os Montes Claros me devolverá a Semana Santa.

Eu a encontrarei, pois a busco, e ela a mim.

Vinde comigo.

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Mensagem N°12232
De: Flavio Pinto Data: Domingo 9/4/2006 13:35:30
Cidade: Belo Horizonte-MG

DE SEMANA SANTA , CARNAVAL, GENTE E DONA FINA


Hoje em dia - e desde muito tempo - as cidades mineiras ficam vazias na Semana Santa.

Com algumas exceções - Diamantina, Ouro Preto, Mariana, São João Del Rei, dentre
outras - que cultuam santa e religiosamente as tradições e sabem da contribuição e importância deste sazonal turismo para a ativação do comércio e mercado hoteleiro/gastronômico da cidade. E, lógico, também espiritual, para os que crêem mais do que os outros, além de ser um motivo para os conterrâneos ausentes naturalmente se encontrarem..

Na Europa, principalmente na Espanha, a época se traduz em disputados e caros pacotes turísticos internacionais, onde visitantes do mundo inteiro aportam às suas tradicionais cidades , apenas para verem procissões e assistirem solenes missas ao som de belíssimas músicas sacras e cantos gregorianos, de fundo.

Em Montes Claros, era assim e melhor ainda, posto que era de graça.

A Praça da Matriz cheia da gente da cidade e de todas as cidades circunvizinhas, o discurso de Padre Dudu no Descendimento da Cruz, a procissão do Enterro ou Senhor Morto, o belíssimo canto pela voz da Maria Beú, a Verônica, a cerimônia de Lava-pés, onde o Bispo beijava os pés de doze escolhidos seminaristas, que tanto podiam ser do Seminário de Padre Pedro ou do de Padre Joaquim e vinham a pé, descendo a rua Doutor Veloso cantando - como bem explicou no Mural, outro dia, o nonagésimo oitaviano Saulo - em vozes afinadas, belíssimas, de quase crianças, com suas sotainas, de querubins, de serafins, especialmente a Ladainha de Nossa Senhora, em puro e legítimo latim, afinadíssimo : "Sancta Maria, ora pro nobis. Sancta Dei Genitrix, ora pro nobis”.

Claro que,no sábado de Aleluia, a meninada alvoroçada e desatinada – leia-se Turma do Larguinho - empalhava e vestia de roupas velhas um maligno Judas, arrastando-o pelas ruas durante horas, até enforcá-lo ou queimá-lo em praça pública, sob aplausos de todos os passantes. Mil e setecentos anos depois, estão descobrindo que o Judas não foi tão maligno assim... E agora , garotos ? Por via das dúvidas, nada de malhá-lo este ano !

Porém, triste realidade dos dias de hoje, chega a Semana Santa, o povo some. Os mais entusiasmados (e abonados) viajam centenas de quilômetros em estradas esburacadas e perigosas para tomar um rápido e quente sol nas costas e uma cara cerveja gelada, em praias repletas. De mineiros e axé-music. De baianos não, por que sábia e preguiçosamente ficam dormindo nos feriados, para dar mais espaço aos visitantes que gastam.

No Carnaval é a mesma coisa. Se v. quiser ouvir som de asas de mosquito batendo é só parar no meio da rua Quinze, ou em qualquer rua do Centro, nos dias dedicados a Momo. Vai escutar até o que não se quer.

Depois, passada a folia, onde as velhas cidades e as praias faturam alto ( do bolso do montes-clarense), ficam,empresários tupiniquins - e afins - caçando confusão e arrumando carnavais fora de época , à guisa de correr atrás do prejuízo, para não fazer mais do que tentar conseguir atazanar os ouvidos e a paciência do povo. Por um mísero punhado de dólares...

Sem nos esquecermos que colocam em risco a segurança da cidade, pois em sendo – na região - um evento único e anunciado, atrai , no vácuo e sombra das pessoas boas e bem intencionadas, uma multidão de espertos malandros, que nem o próprio batalhão de polícia – inteirinho - consegue dar jeito.

Pode parecer uma crônica irada , contra o direito de cada um fazer o que quer ou a se querer ganhar dinheiro, coisa nada fácil na atualidade que vive hoje o país.

Mas é apenas um breve chamado para refletir sobre o quanto se precisa dar mais valor à rica cultura e tradições deste nosso querido norte. Catrumanos que somos.

E – em se falando de gente fina que dá o devido valor à nossa cultura e tradição - para dizer à Dona Fina, Virgílio e Virgínia , da felicidade que senti, de longe, ao saber da recente e maravilhosa apresentação (um amigo que viu e ouviu e me contou) do Grupo de Serestas João Chaves num bar da parte antiga e nobre da cidade, aquela que até hoje continua intacta em nosso coração.

Gostaria de ter estado lá.


Abraços a todos.


Flavio Pinto

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Mensagem N°12114
De: Flavio Pinto Data: Quarta 5/4/2006 09:02:08
Cidade: Belo Horizonte-MG

DE BUARQUE A SHAKESPEARE, SEM MEDO DE SER FELIZ


Não sei se para todo mundo, mas a mim, particularmente, sempre me pareceu que as vacas – durante toda a minha curta e prosaica existência - foram (e continuam, infelizmente) magras. Falta-me, confesso, um dinheirinho sobrando, para umas viagens que não fiz - e gostaria de fazer - e umas pequenas melhorias na vida dos meninos. Mas tudo tem seu tempo, já disse alguém.E a gente vai levando.

Sina danada de pobre feliz, se é que é aceitável, na sociedade dita organizada, esta complexa afirmativa de existir real felicidade na pobreza material.
Por isso, desculpem-me, então, possíveis críticos e apressados analistas de comportamento, pois quero , antes de tudo, que saibam que nada se dirá aqui em favor da pobreza de espírito, esta, sim, sem jeito de se dar jeito, do início ao resto da vida. Vivam e durmam com ela , a quem de direito...E que Deus olhe por vocês.

Só que, pela santa e salomônica sabedoria das compensações divinas, depois que o tempo - como bem disse um dia o grande Chico - vai passando, roda mundo, roda-gigante, rodamoinho, roda pião e rodou num instante nas voltas do coração - a gente começa a ver que, no fundo mesmo, elas, antigamente, eram mais gordas, simples e (porque não dizer ?) belas (ou pelo menos, pareciam) do que supunha esta vã e possivelmente tola filosofia hamletiana que me acomete e lhes repasso.

Certo dia, na velha Montes Claros, no Bar São Benedito, a meninada vibrou, certa vez, com uma grande e inesquecível promoção : os picolés ali seriam vendidos a dois por quinhentos réis . Para o pessoal mais novo não voar demais , mais ou menos, hoje, cinqüenta centavos.

Em todos os bares, Minas Bar, Big Bar, Sibéria e aquele da esquina da Praça Cel.Ribeiro, da mãe de Tony Colorido, continuava o mesmo preço : quinhentão o picolé.

A gente ria - alegria pura - e espalhava a boa nova nos quatro cantos da cidade , fazendo fila na porta do São Benedito, cheio das portas de dois metros de altura, ali na esquina debaixo, na Praça Doutor Carlos, do outro lado do Mercado.

Que maravilha, principalmente pra quem ganhava uma semanada de dois mil réis, que mal dava pro matinê no Cine São Luiz (ou Coronel Ribeiro) e um esperado e sagrado picolé, depois da suada sessão de bang-bang e seriado. Não sei se era Nioka ou a Volta do Sombra.

Se bem que , devo dizer, os picolés de groselha, tanto os redondos quanto os retangulares, não agüentavam uma chupada profunda ou muito forte : logo passavam de um rosa claro inicial para um total branco gelo-água, antes de se chegar mesmo à sua metade.

Mas ninguém reclamava, o calor e a sede eram os mesmos de hoje e chupar um gelinho era bão também....

Abraços a todos.

Flavio Pinto






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Mensagem N°11989
De: Oswaldo Antunes Data: Sexta 31/3/2006 09:35:34
Cidade: Montes Claros

INQUISIÇÃO NO SENADO

Oswaldo Antunes

Não dá para aceitar, sem aderir ao exagero, o procedimento de um senador da
República que ocupou a tribuna várias vezes, colérico, para exigir a saída
de um Ministro. E dois dias depois, quando aquela autoridade deixou o cargo,
o senador disse que havia derrubado o melhor Ministro da Fazenda que o
Brasil já teve. Assim mesmo. O inferno de Palocci foi uma espécie de jogo de
bingo. Povo, decência e honorabilidade parlamentar ficaram em segundo lugar.
Trata-se de ganhar eleição.
Exagero por exagero, digamos que esse tipo de campanha eleitoral era
inusitado: as crises nascidas em uma comissão de inquérito. Primeiro a dos
Correios: depois de 9 meses, 5.000 paginas e milhões de reais, está acabando
como começou: indicia pessoas por crimes eleitorais, enquanto outros
delitos são inventados e praticados nesse campo. Mas a outra, a dos bingos,
é particularmente curiosa: é comandada por senadores irados, entre eles, o
autor da frase referida,e ACM que renunciou ao mandato e à presidência da
casa por falta de lisura. Devia apurar irregularidades nos bingos, os de
verdade. Mas está cantando pedras. Até a pedra 90 já foi cantada. E leva o
jogo para o plenário do Senado marcar na cartela. Logo o Senado, cuja função
constitucional seria a de moderar crises.
Não se tem conhecimento de Inquisição parecida. As CPIs nasceram do clamor
popular contra fatos determinados. São convocadas para finalidade, nunca em
aberto ou para servir a interesses partidários. O jurista Pontes de Miranda
é preciso e exato ao dizer que não se pode abrir CPI para crises in
abstracto". E o que vem sendo feito, sob a alegação de depurar a
moralidade, é fabricar crises, muitas delas abstratas, visando a derrubar
um Presidente que o povo apóia.
Veja-se o caso curioso do caseiro que teve o sigilo bancário violado. O STF
impedira sua oitiva, que caminhava para a violação de outra garantia
constitucional, a da "intimidade, da vida privada, da honra e da imagem de
uma pessoa". Os senadores protestaram, culparam por isso o Presidente da
República e pediram a demissão do Ministro. Esqueceu-se que, tão importante
quanto salvaguardar segredo bancário, é a honra das pessoas.
O palavrório repercutiu na mídia ávida de escândalos, a ponto de um jornal
italiano publicar, em manchete, esse absurdo: "Brasil: sexo e evasivas
abalam o governo Lula". Parece estarem sendo desprezadas as convenções e a
justiça social. Esquecem-se, novamente, as crianças vítimas do trafico de
drogas, de quem o Congresso nem tomou conhecimento. E esse assunto sim,
devia merecer comissão de inquérito, se fosse possível, permanente. Porque
a CPI do Tráfico de Drogas acabou tão rapidamente que parecia estar com
medo. Nem deixou vestígios de punição, a não ser Fernandinho Beira Mar,
condenado a voar para conhecer prisões em diversos Estados.
Enquanto isso, a CPI dos bingos vai fazendo a função de tontear cabeças e
viciar a opinião pública. Põe à mostra velhos vícios e o preconceito de uma
parte da elite que, em dois partidos, domina a Inquisição pré-eleitoral.
Para atingir a popularidade de provável candidato à reeleição, vai
derrubando tudo ao redor para que a esperança prometida não volte a influir
nas urnas.

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Mensagem N°11909
De: Flavio Pinto Data: Terça 28/3/2006 12:39:37
Cidade: Belo Horizonte-MG

UM CARRO DE BOI E UMA AVENTURA


No rádio de cabeceira, madrugada de sábado para domingo, Tonico e Tinoco me acordando.

“...Meu véio carro de boi, a sua cantiga amarga
No peso bruto da carga, o seu cocão ringidor
Meu véio carro de boi, quantas coisa ocê retrata
A estrada a a verde mata,e o tempo do meu amor...”

Como um fulminante raio em noite de trovoada, bateu uma saudade doida.

Eu me vi em pé na rua Joaquim Nabuco esquina de Lafetá, menino de calça curta, com meu querido amigo Claude Bello, escutando ao longe o rangido do eixo das rodas, untado ininterruptamente de óleo de mamona, para justamente aumentar o ranger. Até fazer chorar. Nós e as rodas.

Nossos corações disparados de aflição. Esperar carro de boi não era fácil, não !

Avistamos primeiro o sorridente guia, Toinho, à frente dos oito bois do lindo carro de seu pai, Seu Menê, todo alegre e acenando para saltarmos logo na traseira, ainda vazia, indo buscar cana para o Engenho do Pequi.

E rangendo, chorando, rangendo, ele ia, devagar , sempre devagar...

Cel.Prates, passando na porta do Café Indiano ( sinto até hoje aquele cheiro de café torrado), Diocesano, Colégio Imaculada, Fábrica de Tecidos Santa Helena, Santa Casa.

Descendo e subindo ladeira, até o Seminário.

Finalmente, chegávamos ao Melo e à cana “caiana” - da melhor qualidade – da fazenda de Nivaldo Maciel. Só esperando ser cortada e embarcada.

Se a gente desse - a sublime - sorte do dono estar lá no dia, ele, com a maior das boas vontades, faria um aboio - de cinco minutos , contados no relógio - saudando os visitantes que chegavam. Até os bois ficavam encantados e diminuíam ainda mais o passo, para melhor ouvir tal maravilha.

Enquanto os camaradas carregavam o carro, dois dos meninos de Nivaldo, Ronaldo e Murilo, sempre hospitaleiros como o pai, levavam-nos para os pés de manga.
Não sem antes nos deliciarmos com um sem número de roletes de cana, cortados na hora.
Depois, vinham as mangas-rosas, bitelas. A barriga chegava a estufar.

E a volta. O carro cheio de cana, bem amarrada e segura e coberta com couros de boi, aboletávamo-nos em cima, sentindo-nos como verdadeiros aventureiros em caçadas de tigres nas florestas de Bengala.

Pingos de chuva, a gente tirava a camisa e punha debaixo do couro curtido, a chuva aumentava e mais a gente gostava.

Mais um par de horas, o Engenho do Pequi, meu tio Joanir Maurício fazendo festas à nossa chegada e estranhando a gente recusar o canecão de garapa que ele mesmo pegou na bica do engenho.

Depois , sorrindo, ouvindo Seu Menê contar da quantidade de manga-rosa que tínhamos comido...


Abraço a todos.


Flavio Pinto





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Mensagem N°11819
De: Saulo Data: Quinta 23/3/2006 22:35:58
Cidade: Belo Horizonte

A notícia de que o Seminário Menor de Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças, isto é, o prédio do Seminário Menor de Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças, está vindo abaixo tocou as minhas mais cavas recordações de criança.

Vi-me de novo, entre cobertas, nas frias manhãs de Montes Claros.
Montes Claros tinha frio.

É mês de maio. Todos dormem.

O palor da noite não se foi, e o sol ainda não veio.

Como uma névoa, como num sonho, o som começa baixinho, e vem, lento, flutuando de encontro a nós.

São vozes afinadas, belíssimas, de quase crianças, com suas sotainas, de querubins, de serafins.

Cantam laudes.

Especialmente, cantam a Ladainha de Nossa Senhora, em puro e legítimo latim, afinadíssimo.

"Sancta Maria, ora pro nobis.
Sancta Dei Genitrix, ora pro nobis.
Sancta Virgo virginum, ora pro nobis.
Mater Christi, ora pro nobis.
Mater divinæ gratiæ, ora pro nobis.
Mater purissima, ora pro nobis.
...................................................
.....................................
........................................`

(Ouçam.

Abram os corações e ouçam, pois ouvir anjos é privilégio das estrelas, que param no meio do céu para ouvi-los.

E ainda não estamos no céu.

Estamos na avenida coronel Prates dos anos 50, e o coro dos anjos é a voz dos pequenos aprendizes de padre que saem em litania pelos portões da velha escola,e vem. Cantando.

Deixem que cantem.

Enquanto cantarem, e cantarão para sempre, nunca o velho prédio – açoitado por marretas e clavas, tratores até - nunca estas paredes cairão por completo e definitivo.

Elas se reerguem como as vozes da litania se erguem.

Não as derrubarão, é certo.

O Seminário de Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças jamais irá para o chão.

Permitam: ouçam o canto completo, e perdoem-me a eterna lembrança. A Saudade. Que sendo palavra nossa, não tem tradução em latim):


“Kyrie eleison.
Christe eleison.
Kyrie eleison.
Christe audi nos.
Christe exaudi nos.
Pater de cælis Deus,
miserere nobis.
Fili Redemptor mundi Deus,
miserere nobis.
Spiritus Sancte Deus, miserere nobis.
Sancta Trinitas unus Deus,
miserere nobis.

Sancta Maria, ora pro nobis.
Sancta Dei Genitrix, ora pro nobis.
Sancta Virgo virginum, ora pro nobis.
Mater Christi, ora pro nobis.
Mater divinæ gratiæ, ora pro nobis.
Mater purissima, ora pro nobis.
Mater castissima, ora pro nobis.
Mater inviolata, ora pro nobis.
Mater intemerata, ora pro nobis.
Mater amabilis, ora pro nobis.
Mater admirabilis, ora pro nobis.
Mater Creatoris, ora pro nobis.
Mater Salvatoris, ora pro nobis.
Virgo prudentissima, ora pro nobis.
Virgo veneranda, ora pro nobis.
Virgo prædicanda, ora pro nobis.
Virgo potens, ora pro nobis.
Virgo clemens, ora pro nobis.
Virgo fidelis, ora pro nobis.
Speculum justitiæ, ora pro nobis.
Sedes sapientiæ, ora pro nobis.
Causa nostræ lætitiæ, ora pro nobis.
Vas spirituale, ora pro nobis.
Vas honorabile, ora pro nobis.
Vas insigne devotionis, ora pro nobis.
Rosa mystica, ora pro nobis.
Turris Davidica, ora pro nobis.
Turris eburnea, ora pro nobis.
Domus aurea, ora pro nobis.
Fœderis arca, ora pro nobis.
Janua cæli, ora pro nobis.
Stella matutina, ora pro nobis.
Salus infirmorum, ora pro nobis.
Refugium peccatorum, ora pro nobis.
Consolatrix afflictorum, ora pro nobis.
Auxilium Christianorum, ora pro nobis.
Regina Angelorum, ora pro nobis.
Regina Patriarcharum, ora pro nobis.
Regina Prophetarum, ora pro nobis.
Regina Apostolorum, ora pro nobis.
Regina Martyrum, ora pro nobis.
Regina Confessorum, ora pro nobis.
Regina Virginum, ora pro nobis.
Regina Sanctorum omnium,
ora pro nobis.

Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, parce nobis Domine.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, exaudi nos Domine.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis

(Esta ladainha, cantada em latim, emocionou o mundo na morte de João Paulo II).

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Mensagem N°11635
De: Flavio Pinto Data: Sexta 17/3/2006 11:29:55
Cidade: Belo Horizonte-MG

DE UM GINÁSIO, LOYOLA & COMPANHIA


Não fui do tempo do Colégio Diocesano. Nunca estudei lá. Infelizmente.

Quando terminei o primário no D.João Pimenta, já o tinham transformado em seminário, quando então, radicalmente, transformou a nossa bucólica Rua da Fábrica num pequeno - assaz movimentado - Vaticano, como se fosse um verdadeiro e real filme de De Sica, onde, em dias de festa e procissão , entusiasmados aprendizes de padres passeavam em compenetrados grupos fingindo que não viam passar as lindas meninas do Imaculada.

Mas , como era perto de casa , sempre vi e participei de tudo por lá : os disputados jogos contra o Seminário (batinas brancas, lá do Melo) de Padre Pedro no campo de futebol e as peças e sketches teatrais, levados semanalmente no prédio anexo, chamado de Congregação Mariana , onde também se realizavam grêmios estudantis e incríveis sessões de cinema grátis.

Vagamente me lembro de, certa vez, uma acalorada disputa pela Presidência do Diretório de Estudantes de M.Claros (famoso DEMC, cuja sede era na Praça Cel.Ribeiro) que presenciei. Não me recordo quem ganhou ou perdeu, mas sei que meu nobre colega ( de letras e de Banco do Brasil) Wanderlino Arruda teve uma mexida qualquer na eleição.(Garanto que qualquer dia ele vai contar o que foi, na qualidade de mais novo nonagésimo-oitaviano da praça...)

Quando era festa do Ginásio, sob os vigilantes olhares dos Padres Agostinho e Gustavo(que depois virou Monsenhor e adorava bater o anel na cabeça dos meninos que pediam benção), as sessões sempre começavam com o hino : “Colégio Diocesano, oficina que trabalha” . Só me lembro deste começo.

Muitos filmes de cowboy, mudos, falados e registros particulares daquela fase da vida da cidade, estes maravilhosamente filmados em preto e branco ( 8 milímetros) pelo inesquecível Itajahy Borba, dono do Armazém Loyola que numa época sem os poderosos supermercados e chiques delikatessens de hoje, abastecia Montes Claros do que de melhor e finesse havia em comidas e bebidas das Oropa, França e Bahia, como diria Jair Silva.

Filmagens lindas e históricas do antigo Carnaval e futebol montesclarense.Rolos e mais rolos. Já vi alguns.Alô Secretaria da Cultura : até hoje, os filhos (relacionados abaixo ) conservam com carinho este acervo. Lances de jogos e gols de memoráveis Cassimiro e Ateneu, carnaval de rua e bailes nos salões do Clube Montes Claros. De arrasar.

Nos aniversários de Mazinho, Fuiu, Jaya, Vaguinho, Valdo, Fátima, Kátia e Ludmila, Seu Itajahy, com a maior vibração, sempre passava um filme novo ( foi ali que vi a Ilha do Tesouro, do primeiro pirata de olho de vidro e papagaio no ombro ), com direito à livre degustação de todos os sabores de sorvete Kibon - vinha de avião, do Rio, acondicionado em caixas de gelo seco – servido sem miséria em taças de prata. A meninada, literalmente, boquiaberta.

Tudo isso - ainda e sempre - com o maior dos sorrisos e gentilezas da adorável D.Hilda Loyola.

Aí vi a foto do ginásio, destelhado.As telhas na calçada e na chuva. Que tristeza.

Espero, pelo menos, que o supermercado seja tão bom e variado quanto foi o Armazém Loyola.


Abraços a todos.

Flavio Pinto

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Mensagem N°11614
De: Oswaldo Antunes Data: Quinta 16/3/2006 16:01:30
Cidade: Montes Claros

O CONFUSÓRIO

Oswaldo Antunes

Entre frases que demonstram a dificuldade de a gente escrever o que pensa, e
coletadas em provas vestibulares no Rio, vale reproduzir algumas como ponto
de partida para o comentário: "o Brasil é um País abastardo com um futuro
promissório parece que confusório e preocupatório também"; e, " precisamos
tirar as fendas dos olhos para enxergar com clareza o número de famigerados
que aumenta". As frases parecem mais absurdas do que realmente são, na
medida em que, além dos erros lingüísticos, denunciam uma incerteza que está
levando ao desentendimento quase generalizado, já que atinge a todos nós.
Com o respeito devido, vamos compara-las com outras, aparentemente bem
construídas, recentemente, ditas pelo Cardeal Presidente da CNBB. Mas,
antes, vale lembrar o que diz o brocado jurídico: ninguém pode possuir a
parte incerta de uma coisa. E está muito incerta no Brasil essa coisa que se
chama realidade.
Ao afirmar que pouco dinheiro não resolve o problema dos excluídos, que
precisam de emprego, o eminente Cardeal faz uma afirmação que parece certa a
principio, mas se torna incorreta em face da realidade. É certo que a ajuda
da bolsa família não resolve o problema de emprego, assim como o vestibular
não resolve o problema do ensino. Mas na realidade esse pouco dinheiro ajuda
a minorar a fome de milhões de pessoas. Posteriormente, desmentindo as
expressões "politicalha para garantir votos" e "governo mais submisso aos
banqueiros da história do País", o Cardeal colocou duas sentenças que, com a
devida vênia, também merecem exame: "-Reconheço que o Governo do Presidente
Luis Inácio Lula da Silva tem mostrado sensibilidade pelos mais pobres da
população, embora insistamos que a situação de desemprego estrutural no País
requer medidas também estruturais como condição para a sua estabilidade";
É acaciano que a correção do estrutural requer medidas estruturais, mesmo
quando há incerteza no conhecimento dessas estruturas. Mas pedir que medidas
venham estabilizar a situação de desemprego, na melhor das hipóteses é erro
de expressão. Além do que, do Governo, a grande estrutura, fazem parte os
três poderes, os meios de informação e a sociedade. A critica não deveria,
assim, ser dirigida, nominalmente ao Presidente da Republica. É erro de
entendimento.
Outra frase: "-Auguramos que o Bolsa Família, além de responder ao direito à
alimentação, como direito fundamental à vida, consiga solidificar as
mudanças qualitativas que favoreçam a uma real inclusão".
A bolsa família foi criada como tentativa de compensar a falta de
distribuição de renda e diminuir a fome de milhões de brasileiros sem
trabalho. E, evidentemente, não pode solidificar mudanças, nem de imediato,
como num passe de mágica, nem a médio prazo, porque as grandes mudanças
qualitativas, que devem vir para favorecer uma inclusão, serão fruto do
desenvolvimento. E fome não é fator de desenvolvimento.
Como se vê, os erros e acertos se interpelam. E os de baixo, que não têm
dono, respondem aos de cima. Sem dúvida, tudo muito confusório e
preocupatório, como diria Dadá Maravilha.

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Mensagem N°11493
De: Waldyr Senna Data: Sexta 10/3/2006 16:23:36
Cidade: Montes Claros

Na garupa de JK

Waldyr Senna Batista

Quando candidatos, os três últimos presidentes da República tentaram pegar a garupa de Juscelino Kubitscheck, citando-o em seus programas eleitorais. Neste ano, sob influência da minissérie televisiva, esse expediente vai ganhar espaços ainda maiores.
Os tempos são outros e outras as injunções. JK privilegiou investimentos que dinamizaram a economia, num estilo que, em alguns casos, se aproximavam da irresponsabilidade. Hoje, no mundo globalizado em que a simples digitação de uma tecla pode gerar o caos, esse estilo não teria mais lugar. Mas vale a referência a Brasília, uma loucura que dinamizou os setores produtivos e ampliou fronteiras, atraindo levas de trabalhadores para os canteiros de obras. E a indústria automobilística, que elevou o Brasil a novo patamar e até hoje gera empregos, numa escala que começa nas montadoras e se estende ao flanelinha que lava carros na rua. Sem esquecer hidrelétricas e rodovias, que o país não conhecia.
Depois dele vieram os militares, que implantaram obras importantes, mas lastreadas no endividamento externo, que na atualidade exige cruel sacrifício da sociedade para o pagamento de juros.
Sarney não foi eleito, mas presidiu o país seguindo o modelo que sempre manteve na administração do Maranhão, não por coincidência o Estado mais atrasado da federação. Aferrou-se à lei de reserva de mercado, que tolheu as importações de equipamentos de informática, ao que o país deve pelo menos vinte anos de atraso nesse setor.
Collor, cuja citação não é bem recebida, identificou o gargalo e abriu o país para a importação de computadores. Provocou, também, a modernização das nossas “carroças”, como ele denominou os automóveis aqui fabricados.
Fernando Henrique tem a seu favor a eliminação da inflação, a que deu início ainda quando ministro do governo de transição de Itamar. Mas ele se perdeu com sua política de privatizações, anunciada como destinada a reduzir o volume da dívida, o que não aconteceu, e ainda deixou rastros de suspeitas quanto à execução do programa.
Lula assumiu galopando a esperança de mudanças, que ainda não vieram. Apenas deu continuidade à política econômica de seu antecessor, com rigoroso controle da inflação e imposição de tributação que já supera os 40% do PIB. O país transformou-se no paraíso dos banqueiros, segundo a definição de quem deve entender de paraíso: os bispos da CNBB, os grandes responsáveis pela criação do mito.
O presidente da entidade, dom Geraldo Magela Agnelo, não usou de rodeios para golpear o principal programa social do governo: “O bolsa-família é assistencialismo, não é promoção humana. Em alguns casos, o programa estimula as pessoas a não fazerem nada em troca de R$ 60, R$ 90 por mês. O que nós ( a CNBB) queremos é trabalho e educação para todos.”
Está aí a grande diferença entre Juscelino e os que tentam se promover usando a imagem dele em vésperas de eleição: ele promoveu o crescimento econômico via investimentos, enquanto os outros estimulam o não-trabalho. Eles são incapazes de admitir que não há condições de crescimento nas condições atuais, em que todas as riquezas produzidas pelo país são incineradas no pagamento da rolagem da dívida que, só de juros, neste ano, exigirá desembolso de R$ 173 bilhões. Seguindo-se o pagamento de aposentados e pensionistas do INSS ( R$ 155 bilhões), transferências para estados e municípios ( R$ 112 bilhões) e folha de servidores civis e militares ( R$ 101 bilhões). Apesar das arrecadações recordes, sobram para investimentos irrisórios R$ 60 bilhões, que correspondem a 3,5% do orçamento.
Essa situação caótica não é culpa do atual governo, que apenas está dando sua contribuição, certamente com a melhor das intenções. Ela é fruto da irresponsabilidade, da incompetência e da desonestidade que vêm de longe, e não será superada apenas pela força de discursos mal alinhavados.
A propósito, o presidente da CNBB completa: “Este governo gosta de fazer comparações com outros administradores. Mas não existe na história um governo tão submisso às condições impostas pelos credores do que este governo.”

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Mensagem N°11447
De: Flavio Pinto Data: Quarta 8/3/2006 11:40:09
Cidade: Belo Horizonte-MG

PROMESSAS CUMPRIDAS, FINALMENTE

(MURAL -06/03/06 - 17h - Galinhas mutantes desenvolvem dentes semelhantes aos de crocodilo)

Eu e (certamente) toda uma geração de crédulos meninos do interior, montes-clarenses (quiçá mineiros e brasileiros), que acreditavam em aparição de lobisomem nas noites de lua cheia, saci pererê - que poderia ser apanhado com peneira - rodopiando no meio de redemoinhos, mula-sem-cabeça e outros bichos fantasmagóricos do imaginário popular, amanhecemos mais felizes neste início de semana, deliciando-nos com esta notícia publicada no Mural e em jornais do mundo inteiro.

É que , finalmente, vamos fazer jus a vários desejos reprimidos, possíveis dívidas impagáveis, e ainda, nos tornarmos aptos a receber mil recompensas prometidas naquele tempo por todos aqueles (e aquelas) insensatos que tudo ofereciam e, na hora de pagar, saíam-se pela tangente com o execrável e proverbial “no dia em que a galinha nascer dentes”.

Era bem assim que se dizia.

Certa vez, uma moça, bem mais velha do que eu, que me prometeu um beijo. Na boca, imaginem, a doidivanas. Não sei quando ou como, mas num certo dia ela prometeu. Com aquela voz melosa e sensual, aqueles dois olhos castanhos, os cabelos negros e esvoaçantes de Rita Hayworth em Gilda.

E, quando eu lhe cobrava - diariamente, ouso confessar, tamanha era a paixão – ao passar na porta de minha casa indo para o Colégio Imaculada, ela dizia a mesma coisa : “no dia em que a galinha nascer dentes”.

Foi assim, por um ano inteiro.

Até um dia em que ela - não sei, mas me pareceu cansada (e com razão) das apaixonadas cobranças - foi categórica, ao dizer, para tornar ainda mais cruel minha completa ruína sentimental.

Uma só e última vez :

- No Dia de São Nunca...de tarde !


Abraços a todos.


Flavio Pinto

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Mensagem N°11351
De: Wanderlino Arruda Data: Sábado 4/3/2006 11:48:07
Cidade: Montes Claros

Wanderlino Arruda

Deus te salve, Montes Claros,
Deus te ajude
no progresso,
no crescimento,
na poesia,
na seresta,
na alegria da hospitalidade,
que é a tua maior virtude.
És humana,
tens beleza,
sabes amar,
sabes sofrer, sabes esperar
por um futuro melhor.
Querida, admirada
e nunca esquecida,
és um lugar que marca saudade
no mais duro coração.
A tua luz, Montes Claros,
é vigor e é ternura,
como terno é o entardecer.
Na verdade, Montes Claros,
na verdade,
tu não és apenas uma cidade,
és uma declaração de amor!

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Mensagem N°11301
De: Flavio Pinto Data: Quinta 2/3/2006 16:04:14
Cidade: Montes Claros- MG

NOTÍCIAS MAIS LIDAS : (ANO DE 2057 D.C)

Bi-Centenário de Montes Claros

Já passados 10 anos do saneamento total do Rio Vieira , Montes Claros se prepara para as comemorações do Bi-Centenário, ocasião em que teremos uma semana de intensas festividades, culminando com uma etapa do Grande Circuito Internacional de Canoagem, nas azuis e caudalosas águas do Rio Vieira (vejam a linda foto noturna, clicada pelo fotógrafo da 98 FM, esta rádio que está com vocês há quase setenta anos).

Após a canoagem teremos o grande concurso de Pesca ao Dourado e Piau, que toda a população poderá participar ao longo da maravilhosa margem do rio, lindamente ajardinada e florida de perpétuas, jasmins e damas da noite, obra prima da Secretaria de Meio Ambiente.

O Festival do Pequi, esperado por todos, mais uma vez não poderá ser realizado, por absoluta falta do produto principal (de cor amarela, lembram-se) que não é mais achado de jeito nenhum (nem congelado) , uma vez que os três últimos pequizeiros do sertão norte-mineiro foram levados para o Museu do Cerrado Antigo, em Brasília, em 2032.


Abraços a todos.

Flavio Pinto


(A bela foto enviada pelo leitor Mauro Miranda Ferreira foi deliberadamente invertida pelo escritor Flávio Pinto)

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Mensagem N°11213
De: Flavio Pinto Data: Domingo 26/2/2006 12:22:16
Cidade: Belo Horizonte-MG

FAROFA DE TATU


Terra,América do Sul,Brasil, Minas Gerais, Montes Claros, Rua de Trás e Larguinho.

Se um disco voador tentasse me abduzir naquele início de década de 50, estas seriam as melhores coordenadas para o meu eventual e eficaz recolhimento espacial.
Mas, felizmente (ou infelizmente, poderão dizer os ovnistas militantes) tal peripécia nunca aconteceu comigo nem para o resto da turma, que fazia ali da Rua de Trás e Larguinho do Rosário seu ponto preferido para a toda espécie de brincadeiras, diurnas e noturnas.

Acho que só efetivamente aconteceu pra Zezinho Lagartixa que, apesar de não ser da turma do Larguinho, aparecia ali esporadicamente (talvez pelas freqüentes escapulidas para o espaço sideral), para participar das peladas vespertinas, e já tinha experimentado a inusitada aventura espacial por mais de uma vez.

Zezinho aparecia sempre com duas trouxinhas, uma em cada mão, com seus invariáveis óculos de vidro espelhado - última moda nos camelôs da Praça do Mercado - que anunciava , de longe, sua querida presença, pelos reflexos do sol que fazia questão de nos jogar nas vistas, dando sempre uma risadinha de lado.

Não se fazia de rogado e contava as aventuras sempre de tardinha, após a última pelada, os olhos escondidos atrás dos óculos - o que lhe dava um discreto ar professoral - com uma preciosidade de detalhes de fazer inveja a qualquer escritor de ficção científica.

O jeito dele – especial - de contar os casos fazia a diferença e nos tornava cativos ouvintes até a hora que resolvia ir embora, quando se lembrava de ter de levar a feira (as duas trouxinhas, lembram-se ?) para a mãe, que morava lá pras bandas do Rio do Melo. Bom filho, o Lagartixa.

Um dia, brindou-nos com um primor de criação artística : um carro de boi a jato, cujas turbinas ficavam grudadas no rabo do boi e somente ligavam quando o condutor gritava o nome do bicho : “Vai lá Pintado, vem cá Rochedo...” assim que o animal ouvia o nome, levantava o rabo e ligava o motor, alçando vôo rapidamente e atingindo em pouco segundos a velocidade de mil quilômetros por hora.

Se alguém da platéia iniciasse ou esboçasse qualquer movimento que pudesse significar ou transparecer alguma dúvida, ele logo se adiantava: “ Eu sei , parece mentira... mas é a pura verdade. A velocidade era tanta que os bois nem botavam a língua para fora...”..

Ante tal argumento, falar o quê ?

E lá voltava ele, na semana ou quinzena seguinte, com mais deliciosas estórias espaciais. Sempre um bicho conhecido de todos personificando um alienígena. Duro de agüentar, eu sei, mas nós agüentávamos, pelo bem da diversão gratuita.

Mas a do tatu hipnotizador...Essa foi difícil !

Imaginem que lá num dos benditos planetas onde ele esteve (foram vários) o povo morria de medo de um tal tatu hipnotizador que, ao simples olhar dominava as mentes dos habitantes e levava-os para o fundo da terra, para trabalhar como escravos, cavando buracos e deixando o maléfico e sua família na maior boa vida, folgados e desobrigados daquela histórica função, própria de qualquer de qualquer tatu que se preze.

Aí, Zezinho Lagartixa foi fundo.

- Mostrei pra eles estes óculos ( tirou os óculos e deixou-nos, pela primeira vez, tocá-los) e falei para fazerem milhares iguais para toda a população e sempre os usassem quando o disgramado do tatu aparecesse.... Foi a conta : o tatu olhava para os marcianinhos com os óculos espelhados e não acontecia mais nada. Ele foi ficando com medo e recuou, o povo invadiu os buracos, libertou os escravos e sabe o que fizeram com o hipnotizador ?

Um menino, atrás de mim, gritou : “Farofa de tatu”.

Zezinho pegou as trouxinhas, tomou os óculos e rachou fora, resmungando.

- Conto mais bosta nenhuma procês !



Abraços a todos.


Flavio Pinto

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Mensagem N°11021
De: Oswaldo Antunes Data: Sábado 18/2/2006 15:23:26
Cidade: Montes Claros - MG

O BANCO LATIFUNDIÁRIO

OSWALDO ANTUNES

Fizemos aqui referencia à agiotagem do Banco do Nordeste, que está tomando a terra dos produtores rurais, sob a alegação de que eles não pagam o empréstimo tomado. De Janaúba, um leitor que tem os argumentos de bancário bem remunerado e mal preparado, contestou essa verdade e tentou argumentar que, para reaver o dinheiro emprestado, somente restava ao BNB o seqüestro dos bens do devedor. Acrescenta que esses bens seqüestrados são leiloados para quitação dos débitos. São argumentos falsos e descabidos. Primeiro, porque o BNB não empresta seu dinheiro e não subsidia como antigamente para ajudar o homem do campo. Hoje apenas repassa, agencia e faz agiotagem com dinheiro de fundos, o do Nordeste, o de amparo ao trabalhador e outros. Em segundo lugar, porque o BNB não está cobrando o que emprestou e que seriajusto: está cobrando especulação para lucro seus e dos fundos, especulação mais usura, TJLP mais juros, depois juros sobre juros calculados mensalmente e incorporados ao valor inicial da dívida. E essas taxas engordam tanto a divida que ela chega a ser maior do que o valor dos bens seqüestrados. E sobre esse valor absurdo, ainda incidem taxas de manutenção do debito, honorários dos seus advogados, que recebem do Banco e recebem também dos clientes. Em qualquer país civilizado, isso seria chamado de ladroeira, em vez de empréstimo bancário. Seria caso de cadeia. Aqui não chega a ser, sequer, crime de colarinho branco.E ainda há outro argumento: quando o imovel vai a leilão geralmente acarreta prejuizo ao Banco e, nas mãos de outro proprietário continuará improdutivo se não houver a ajuda, sem usura, para a qual o Banco do Nordeste foi criado. É possível que haja alguns desviadores do dinheiro tomado, mas esses sãzo os grandões, que foram protegidos pelo próprio Manco. A grande maioria, noventa e nove por cento, principalmente na região do semi-árido de Minas, não paga porque a atividade agrícola ou pecuária não permite sobra de dinheiro para pagar o impagável. O Banco do Nordeste foi criado como banco de fomento: para ajudar o homem do campo no desenvolvimento do semi-árido. E a região do Polígono das Secas de Minas ajudou muito na criação do Banco para esse propósito. Vale ressaltar, ao final, a mensagem que recebemos de Astério Itabayana Filho:. "Aqui em Januária nas margens da BR- 0135, saída para Itacarambi, tem um exemplo. A divida cobrada é maior que o patrimônio em terras e equipamentos. Foi área algodoeeira e, posteriormente, produtora de tomates para industria. Na colheita do algodão não houve preço compatível ao pagamento. Na colheita do tomate havia atraso do transporte da industria, estrada de cascalho e isto ocasionava perdas. Resultado.A divida (?) do empréstimo não pôde ser paga e hoje a área esta LOTADA DE "SEM TERRA". Recuperassem o antigo proprietário e o imóvel estaria gerando produção e emprego". É isso aí, o BNB está dificultando o que devia ajudar: a produção e os empregos no campo.

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Mensagem N°10998
De: Waldyr Senna Data: Sexta 17/2/2006 12:02:33
Cidade: Montes Claros

As grandes pequenas obras

Waldyr Senna Batista

No seu artigo de duas semanas atrás, o sempre correto jornalista Jorge Silveira estranhou que a prefeitura tivesse promovido ruidosa festa para a inauguração do alargamento, sinalização e pavimentação de trecho de menos de 500 metros da avenida deputado Plínio Ribeiro. Na opinião dele, não se justificava a festança, com foguetório, fanfarra e discursos para tão pouca coisa.
Na verdade, a obra em questão tem especial significado político e eleitoral. Ela figurou como item importante na última campanha, por ter a comunidade vizinha se mobilizado para obter dos três candidatos a prefeito o compromisso de corrigir o problema gerado pelo perigoso cruzamento. Assim, qualquer que fosse o eleito, havia a garantia de implantação do melhoramento. Vitória da comunidade, que pode ter exagerado ao apelidar o local de “avenida da morte”, expressão que a administração está agora aproveitando para efeito publicitário. A reivindicação era procedente.
Sobre os reparos feitos pelo articulista, cabe frisar a subjetividade que às vezes envolve o conceito do que seja grande ou pequeno. Nem sempre se trata de simplesmente utilizar a trena, tudo varia segundo a utilidade e a premência das coisas sob exame ou de acordo com a visão de quem as observa. Exemplo: certo dia, em visita à cidade natal, o irreverente Darci Ribeiro chamou de “rego” o canal de concreto da avenida sanitária, então recém concluída. Causou mal-estar, pois, para a população nativa, a obra tinha outra dimensão. Acostumado a ver obras monumentais nas grandes cidades onde morou e com visão universalista, para o visitante o canal não passava de rego.
No caso do serviço realizado na avenida, para a atual administração municipal, aquela foi sua obra mais expressiva. Tanto assim é que, na edição de número 3 do boletim oficial “Nossa cidade”, ela encabeça a lista das 30 maiores obras da prefeitura em 2005, designada como “Humanização da avenida Plínio Ribeiro”. As outras referem-se a reparos em prédios escolares e centros de saúde, construção de passarelas, iniciativas ainda em andamento ou apenas cogitadas e asfaltamento de pequenos acessos em bairros periféricos. Todas iniciativas de reduzido volume, mas importantes para os usuários das áreas beneficiadas.
No início do ano passado, logo após a posse, registramos aqui que pessoa bem posicionada no mais alto escalão da prefeitura definiu assim as pretensões da gestão que se instalava: “Nossa administração será de pequenas obras”. E, pelo que se viu até agora, tomando-se por base o que tem sido alardeado como “as 30 maiores obras da prefeitura de Montes Claros em 2005”, como consta do boletim, assim será. Conquanto se deva levar em conta a ressalva contida no rodapé da publicação: “As ações divulgadas neste informativo são apenas uma amostragem de cada secretaria e autarquia. Todos estão fazendo muito mais. Nas próximas edições estaremos destacando novos feitos da administração popular que vai marcar a história de Montes Claros. Acesse o site da prefeitura de Montes Claros e conheça a lista completa das mais de 90 obras espalhadas por todos os bairros de nossa cidade”. Soou como se, concluído o trabalho, o redator intuísse que o balanço não fora há muito convincente...
O primeiro ano de qualquer administração costuma ser muito difícil e pouco produtivo. Mas o prefeito Athos Avelino certamente não irá fiar-se em recursos próprios do município para a realização até das pequenas obras, porque a arrecadação da prefeitura é insuficiente. Se gerenciada em regime de guerra, sem pretender vôos mais altos, dá para equilibrar a receita com os gastos de custeio e os serviços corriqueiros. Não é fácil pagar salários, ainda que irrisórios, a 7,5 mil funcionários. O pouco que sobra fica para o que se pode denominar de pequenas grandes obras – ou vice-versa.
O chefe do executivo está consciente disso, como deixou claro em entrevista concedida há dias, quando anunciou investimentos de R$ 200 milhões, com recursos que espera vir da Copasa e de secretarias de Belo Horizonte e ministérios de Brasília.
Tudo leva a crer que a frustração do nosso amigo Jorge Silveira só tende a aumentar nos próximos três anos...

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Mensagem N°10997
De: Oswaldo Antunes Data: Sexta 17/2/2006 12:01:47
Cidade: Montes Claros/MG

A REALIDADE E A SECA

Oswaldo Antunes

Recorro ao que já foi dito: existe uma verdade, que é a verdadeira, e outra de cada um, refletindo o modo de querer ou entender da pessoa que a expõe. Uma versão pode ser incorreta, sem ser mentirosa, quando mostra uma faceta da realidade por necessidade pessoal de criar ou recriar um fato. Psicologicamente, esse procedimento é natural no esforço de atuar dentro da limitação de cada um. Vi no jornal e transcrevo: "Embora reconheça que as medidas paliativas de combate aos efeitos da seca sejam necessárias, mas não resolvem o problema, o vereador Ildeu Maia, do PP, presidente da Câmara Municipal, criticou o governo federal pela falta de vontade política em adotar programa permanente para ensinar o povo a conviver com a falta de chuvas." Com o nome de tradicional família da região, e certamente bem intencionado, esse vereador chamou recentemente a atenção, pela iniciativa de construir uma nova sede para o Legislativo. Fala agora de uma realidade, a seca, depois de haver defendido uma faceta menos exata da realidade, a construção da nova sede para a nossa ativa vereança. O dois fatos dão oportunidade de avaliar o que seja verdadeiro e o menos exato. Começa pela contradição de medidas paliativas para os efeitos da seca. O que é paliativo, encobre com aparências. No caso, disfarçaria os fenômenos da natureza. A falta de chuvas é problema cíclico natural e verdadeiro. Sobre ele não influi a surrada vontade política. Se vontade política influísse, nos paises desenvolvidos não haveria terremotos, tufões e nevascas que causaram e vão ainda causar muitas mortes. O governo japonês ou norte-americano não conseguirá nunca ensinar o povo a conviver com os sismos. Para atender ao que o vereador sugeriu relativamente ao semi-árido do Nordeste, foi criada a Sudene. Via Departamento Nacional de Obras contra a Seca, esse órgão cumpria programa de reserva de águas pluviais e captação no subsolo, e ajudou no desenvolvimento. Mas foi corrompido com o mau emprego do dinheiro público, tal modo, que o Governo passado o extinguiu. O atual Governo prosseguiu na construção de poços, cisternas e reservatórios e está tentando reorganizar a Sudene para sua finalidade verdadeira. Como vontade política na Sudene, restou a agiotagem do Banco do Nordeste, que passou a cobrar o impagável e a tomar terras de quem deve, tornando-se o maior latifundiário improdutivo do País. O apelo do vereador devia ser para a correção desse abuso.

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Mensagem N°10941
De: Flavio Pinto Data: Quarta 15/2/2006 11:21:54
Cidade: Belo Horizonte

DE ROÇA MOLHADA E ONÇA PINTADA


Não sei se foi ontem, ou no ano passado, mas tenho certeza que foi num dia desses.

Estranho é que a gente se lembra com tanta saudade, que chega doer no coração , de leve, tipo medo de não se repetir jamais.

Naquela velha cozinha da fazenda, noite e madrugada se misturavam na beirada do aceso fogão de lenha que, além de aquecer o sereno da noite, era o grande responsável pelo tira-gosto à altura de velhos amigos que se reencontravam, agrupados à sua frente, em volta da centenária e ainda firme mesa de madeira, de três metros de comprimento e muita história pra contar.

Sentados nos bancos de aroeira os mais chegados se revezavam no ir e vir à chapa gigante de ferro batido, já preparada e completamente untada de gordura (da carne de sol) para receber aqueles bifes previamente cortados, que ficavam ali, graciosos em seus coloridos dois pelos e bem amontoados dentro de uma grande - e já corroída pelo tempo - gamela de pau .
À espera de serem fritos, mal ou bem passados, dependendo do gosto do freguês, eram pegos e levados ao fogo pelo grande garfo do capeta (poderoso tridente que em outros tempos já até servira para pescar incautas curimatãs que insistiam em ficar pitando no córrego do fundo do quintal) para logo serem levados à mesa e fatiados numa grande tábua, salpicada pelos quatro cantos de pimenta “malaguetinha” e farinha.

Lá de Morro Alto.

Mais aquele caldo de mandioca e arroz com pequi feitos com ciência durante toda à tarde pela cozinheira oficial da fazenda e deixados no borralho para sustentação da turma.
Pro mais adiante da noite. Que ia ser longa, ela já sabia.

Lá fora, a chuva não dava descanso. Graças a Deus, molhado cheiro de mato.

As mariposas, imprudentes como sempre, teimavam em procurar luzes dentro de casa e de vez em quando, uma ou outra, desvairada, caía na chapa quente. Imaginem vocês, quando era tanajura, tinha gente que até a misturava na farinha e...comia, onde já se viu!
Tonto, fazendo bonito, porém muito aplaudido.

Também, em cima da mesa, um garrafão de um “ex-vinho Cabeça de Touro”, atualizado até a tampa por uma deliciosa Viriatinha de 15 anos, confirmada e assinada a procedência e idade pelo dono, o grande cantador Beto Viriato.
Se bem me lembro tinha umas Canarinhas cantando, afinadas, e uma Santa Rosa rezando. Todas, dando conta do recado, direitinho.

Na grande mesa, um povo tomando vinho, outro povo arregaçando na cerveja, cujo ninho era o tanque de lavar roupa, com gelo e serragem até o tampo. As pingas só entravam nos intervalos da cerveja e do vinho. Povo sem termo!

As conversas já lá iam adiantadas, até chegar na preferida dessas ocasiões, sempre a mesma coisa naquele norte querido : conversa de onça, onça pintada, sem pintas, enfim, onça de todo e qualquer jeito. Nunca vi gente gostar tanto de uma mesma conversa. Todo mundo dá palpite, cada um conta um caso, do tio, do avô e dos perigos acontecidos por conta da presença da pintada. E cada ano os casos ficam melhores.

Até a hora que um tocador pega na viola e canta :

“ Um tocador, de violão, não pode tentar prosseguir quando lhe acusam de estar mentindo...”

Como diz o outro : aí pode largar...



Abraços a todos.


Flavio Pinto

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Mensagem N°10872
De: Flavio Pinto Data: Segunda 13/2/2006 11:45:49
Cidade: Belo Horizonte

PARA UMA VIDA MELHOR ?



Com o advento da Internet e seus novos e nomeados conselheiros (por quem?), a gente, hoje em dia, nem precisa ter o trabalho de pensar no que fazer para se obter a melhor das caminhadas, nesta curta - porém tortuosa - vida terrena.

Ou, melhor traduzindo, tentar ser feliz.

Consultores e assessores gratuitos para um melhor destino (se é que destino pode se mudar) se (auto) incumbem desta nobre missão e adentram nossos computadores, diariamente, em pausadas e irritantes parábolas sobre o bem estar que advirá do fiel cumprimento de suas espirituais mensagens.

Caso não as passemos pra frente, não as inocularmos de nossa fé e assinatura para familiares e tantos ou mais diletos amigos, estaremos alijados para sempre do bem-estar celestial, da serena calma e o manso navegar nas águas tranqüilas do mar da felicidade eterna.

Como nossas próprias idéias e deuses tupiniquins não se consolidam profundos - o suficiente - para alcançarem o espiritual valor pretendido, são invocados espíritos e pensamentos de terras longínquas, cujos autores, mortos e ressuscitados diariamente pelos oportunistas e plagiadores de plantão, devem se virar e desvirar – de desânimo - nos seus respectivos e sagrados túmulos.

Nobres pensadores que – coitados - num certo dia, há milhares de anos atrás, crentes que seus cânticos, frases e parábolas se eternizariam como fontes do bem e do saber, até pensaram merecer e querer um longo, calmo e profundo sono eterno.

Deus me perdoe, mas será que querem nos assombrar ?

Será?


Abraços a todos.


Flavio Pinto

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Mensagem N°10815
De: Waldyr Senna Data: Sexta 10/2/2006 15:21:11
Cidade: Montes Claros

Seca produz voto?

Waldyr Senna Batista

No discurso em que cobrou maior atuação do Dnocs no combate à seca no Norte de Minas, o presidente da Câmara municipal, Ildeu Maia, cometeu injustiça com o órgão federal que há 60 anos atua na região. Sua instalação em Montes Claros se deu pelo decreto-lei 9857, assinado em 03 de setembro de 1946 pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, determinando que sua atuação se estenderia à faixa compreendida “entre as margens do rio São Francisco, desde Barra, no estado da Bahia, até Pirapora, no estado de Minas, e a linha Montes Claros-Amargoso, do estado da Bahia”.(fonte: Nelson Viana, em Efemérides Montes-clarenses).
Até o final dos anos 70, o Dnocs foi o principal órgão do governo federal na região, sendo responsável pela abertura de cerca de 5 mil poços tubulares, construção de inúmeras pequenas, médias e grandes barragens, implantação de sistemas de captação e distribuição de água em diversos municípios norte-mineiros e até implantação de rodovias.
A partir dos anos 80, com a criação da Codevasf, que passou a atuar na região com superposição de atividades, o Dnocs encolheu e, a partir daí, se tivesse sido extinto sem que disso se desse notícia na imprensa, ninguém perceberia. Mas o que ele realizou nos tempos áureos é inegável, podendo isso ser apontado como o mais importante trabalho para formação de estrutura de defesa contra os efeitos da seca. Não fosse esse acervo, possivelmente o Norte de Minas teria se transformado em deserto.
O vereador está cobrando do Dnocs o que o Dnocs construiu de forma inquestionável, que é exatamente a implantação de infra-estrutura para o enfrentamento das estiagens. E centra sua crítica num aspecto que se diria insignificante, ao declarar que o Dnocs “não tem adotado medidas para amenizar o quadro do município”. Ele se refere, certamente, a medidas emergenciais, paliativas, apontando o não emprego de verba de 300 mil reais prevista no orçamento federal para equipamento de poços tubulares na região, valor esse inexpressivo em relação à magnitude do problema da seca e quase nada se comparado ao gigantesco conjunto da obra do Dnocs em praticamente todos os municípios norte-mineiros. O papel do Dnocs não é propriamente sair por aí distribuindo água em carros-pipa e nem comandando frentes de trabalho para flagelados. Ele atua ( ou atuava ) em plano superior, estrutural.
Nesse ponto o presidente da Câmara errou. Mas acertou em cheio, no mesmo discurso, ao criticar o atual chefe do Dnocs, Paulo Guedes, de fazer uso do órgão para fins eleitorais. Pretenso candidato às próximas eleições, o dirigente tem sido acusado de privilegiar em suas ações municípios cujos prefeitos lhe prometem votos. Desde sua criação, é a primeira vez que o Dnocs é alvo desse tipo de acusação, justamente agora que seu atual chefe é também o primeiro político militante a ocupar a função. Seus antecessores, ao longo de 60 anos, sempre foram técnicos de carreira do funcionalismo público federal.
No entanto, não há o que estranhar quanto a esse procedimento, de uso para fim eleitoral de um órgão do serviço público federal. Se nomearam para o cargo pessoa envolvida na atividade política, foi por que certamente pretendiam capitalizar os dividendos desse trabalho. E o chefe do Dnocs, ao aceitar (ou pleitear) a função, sem dúvida via nela instrumento eficaz para colimar seus objetivos. E está agindo sem qualquer disfarce nessa direção, haja vista a publicação de ampla reportagem de capa da revista “Tempo”, editada em Montes Claros.
Não bastasse isso, pode-se citar também anúncio de quarto de página publicado no jornal “Burarama Notícias”, editado pela prefeitura de Capitão Enéas, edição de janeiro deste ano. Com foto do chefe do Dnocs, a mensagem diz: “Capitão Enéas chega aos 44 anos e o diretor superintendente do Dnocs faz parte desta história. Paulo Guedes. Estaremos liberando para o município de Capitão Enéas além da perfuração de poços artesianos, milhares de metros de tubos de irrigação que ajudarão a dezenas de pequenos produtores. Parabéns Capitão Enéas. Por estes 44 anos de pleno desenvolvimento. Paulo Guedes. Dnocs”.
No texto transcrito podem ser identificadas pelo menos duas graves infrações: publicação extemporânea de propaganda eleitoral que, em época certa, é limitada apenas 1/8 de página: e utilização indevida de cargo público para fins eleitorais. É o que se chama de gestão temerária.
Nisso a crítica do vereador Ildeu Maia foi perfeita e pode até ensejar procedimento de organismos como o Ministério público e o grupo informal constituído na cidade para denunciar crimes eleitorais. No Nordeste, a chamada “indústria da seca” sempre produziu votos.

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Mensagem N°10618
De: Waldyr Senna Data: Sexta 3/2/2006 13:08:21
Cidade: Montes Claros

Um olhar pela janela

Waldyr Senna Batista

Em outros tempos, instalar bar ou restaurante em Montes Claros era operação que exigia cômodo que comportasse balcões, prateleiras, mesas, cadeiras, refrigeradores, cozinha aparelhada, sem falar em estoques, o que demandava capital avultado. Era negócio ao alcance de poucos.
Na atualidade, não. Bastam cômodo diminuto com um freezer e um balcão, porque os espaços a serem utilizados são as ruas e as calçadas, onde se instalam as mesas, as cadeiras e até o fogareiro para o preparo do apreciado churrasquinho, tudo cedido sem ônus pelas distribuidoras de bebidas, que garantem também a reposição de cervejas ao longo do expediente. Não se exige mais estoque. Capital, quase nenhum. O imortal Castro Alves, ao ensinar que a praça é do povo como o ar é condor, jamais imaginou que sua expressão poética viesse a ser tão distorcida.
Esse tipo de atividade sempre existiu em cidades que contam com calçadões, principalmente a beira-mar, o que não é o caso de Montes Claros de ruas estreitas e passeios quase inexistentes. Mas a crise do desemprego e a total liberalidade das autoridades têm contribuído para a ampliação desse tipo de comércio quase informal. Basta uma pequena garagem, o que explica a informação há tempos divulgada pelo sindicato do setor, segundo a qual haveria mais de três mil bares em funcionamento na cidade. Esse número já deve ter sido ultrapassado em muito.
A prefeitura – e não é de hoje – faz vista grossa, não impõe seu poder de polícia para coibir a ocupação indevida. Essa frouxidão incentiva a prática ilegal, de início em bairros periféricos e, já agora, também nas ruas centrais.
Na avenida sanitária há exemplos de barzinhos que, desde o início da noite, interrompem o trânsito nas ruas laterais, onde o sonzão come solto até de madrugada. Terminada a farra, os passeios e as pistas ficam forrados de guardanapos de papel e copos descartáveis, à espera das varredeiras da prefeitura. Ou seja: usa-se o espaço público para exploração de um negócio, sem pagamento de impostos, e a prefeitura ainda é obrigada a fazer a limpeza do local indevidamente ocupado.
Essa leniência, que garante a impunidade, vem fazendo com que o abuso ganhe proporções alarmantes. Vários desses proprietários de bares já estão construindo coberturas de alvenaria sobre os passeios, o que tende a transformar o improvisado removível em obra definitiva. Em bairros afastados isso tornou-se comum, mas a irregularidade chega agora às ruas centrais, algumas a não mais de duzentos metros do prédio da prefeitura. A fiscalização e o próprio prefeito, a quem incumbe zelar pelo respeito à lei de ocupação e uso do solo, não podem agir como o presidente Lula da Silva, que sempre se desculpa pelo mal feito alegando que não sabia de nada.
Isso nos remete ao problema dos camelôs, que transformaram em mercado persa a principal praça da cidade, tomada por barracas de lona preta e papelão, para vergonha da população. A degradação da praça doutor Carlos e das ruas no entorno da praça de esportes começou com a permissão para instalação da primeira banca. Advertido logo no início do processo, o prefeito da época alegou que nada podia ser feito, pois se tratava de conseqüência do desemprego que crescia na cidade. Impedir o surgimento das bancas, dizia ele, geraria grave problema social.
E tinha razão, gerou. Mas gerou para a cidade, que teve de desembolsar elevada soma de dinheiro para se livrar do pesadelo, fruto do assistencialismo inspirado por maus políticos. O prefeito Jairo Ataíde conseguiu eliminar a anomalia, com fórmula criativa, benéfica para a cidade e para os próprios camelôs, hoje instalados, civilizadamente, no shopping popular por ele construído. Seus adversários podem até questionar os métodos utilizados para se chegar a esse resultado, mas não os efeitos produzidos, o que é outra história.
Levando-se em conta essa dolorosa experiência é que se pede ao prefeito Athos Avelino que atue com determinação para coibir o abuso em curso. É preciso agir enquanto é tempo. E, para avaliar a extensão da ameaça, ele não precisa nem sair do seu gabinete, basta chegar à janela e olhar. Não vale alegar, como equivocadamente fez seu antecessor de vinte e cinco anos atrás, que a aplicação da lei pode gerar problema social. Se gerar, que se busque solução. No caso, o interesse público deve ser colocado em plano superior.

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